Nesta quarta-feira, 13 de dezembro de 2023, faz 37 anos que o Acre perdeu um dos seus mais expressivos intelectuais e militantes da arte e da cultura, que inclui o Direito, o Jornalismo, a Literatura e as Artes Plásticas. Garibaldi Carneiro Brasil, o mestre que dá nome ao Anfiteatro da Universidade Federal do Acre (Ufac) e à Casa de Cultura do Município, a Fundação Municipal de Cultura “Garibaldi Brasil” (FGB), nascido em 27 de setembro de 1908, morreu numa sexta-feira 13, de parada cardíaca, no Hospital Santa Juliana, em Rio Branco.
Ele foi jornalista, advogado, promotor público, humorista, jurista, crítico, teatrólogo, escritor, caricaturista, escultor, chargista, poeta e, com um currículo assim, não poderia deixar de ser também um ilustre boêmio. A Fundação de Cultura do Município de Rio Branco leva seu nome desde 1992, numa homenagem feita durante a gestão do político petista Jorge Viana como prefeito de Rio Branco. Afinal, Garibaldi Carneiro Brasil, ou simplesmente “Gari”, nascido em Belém, no Pará, era o mais legítimo e mais acreano de todos os paraenses, na definição de seu amigo José Chalub Leite, o jornalista conhecido como Zé Leite, que morreu em 1997 e que fazia aniversário exatamente no dia em que seu mestre nas letras se despedia do mundo e da vida a qual ambos viveram de forma tão intensa, como profissionais de imprensa e boêmios de uma cidade em formação e na qual os dois eram referências de inteligência e saberes.
Garibaldi Brasil começou a se relacionar com o Acre quando tinha ainda seis anos de díade, ao vir morar com a família em Sena Madureira, cidadezinha candidata a capital do então Território Federal do Acre, saído do jugo dos bolivianos pouco mais de dez anos antes, pelas mãos do libertador gaúcho José Plácido de Castro. Em território acreano, Garibaldi Brasil viveu até os 17 anos, quando foi enviado por seu pai, um abastado seringalista, de volta ao Pará, aos 17 anos, para estudar na Faculdade de Direito, como era comum naquele tempo.
Assim, Garibaldi passou boa parte de sua vida adulta entre o Pará e o Acre. Nos dois estados, Gari dedicou boa parte de seu tempo às artes – à poesia e às letras e à pintura. Mas tinha também gosto pela política e pelo exercício da advocacia.
No Acre, em 1929, segundo registros da época, ele realizou sua primeira exposição de caricaturas, charges e pinturas. A exposição deu-se no hall do Cine-Teatro Recreio. No Pará, em 1936, fundou o Salão Paraense de Pinturas e organizou duas pinacotecas, uma para a Prefeitura de Belém e outra para o Governo do Estado.
A verve política que corria em seu sangue, no entanto, foi exercida exclusivamente no Acre, onde ele foi promotor público, diretor da Rádio Difusora Acreana e chefe de gabinete de nada menos que onze governadores do território. Sobre isso, dizia: “Me vacinei contra os políticos, não contra a política. E me vacinei, sobretudo, contra as políticas do Acre”.
Outra de suas declarações era sobre suas relações com a imprensa, como jornalista e fundador de jornais impressos. “Por força de trabalhar, com tantos governadores, posso dizer que acabei por influir na compra de máquinas para fazer e imprimir jornais no então Território”, disse numa de suas entrevistas. Entre as publicações que ele fundou estão “Jornal do Povo” e o “Correio do Oeste”, através dos quais Garibaldi Brasil foi também professor de boa parte dos melhores jornalistas e cronistas que o Acre já teve, como Aluízio Maia, o já lembrado Zé Leite, Elzo Rodrigues e Mauro Modesto – todos já falecidos.
Outro ofício de Garibaldi Brasil era a boemia. Como incorrigível boêmio, numa época em que espaços para o diletantismo e a boemia eram raros em Rio Branco, ele abriu a primeira boate acreana chamada “Tapíri”, onde se apresentaram artistas do porte de Dircinha Batista, Nelson Gonçalves e Luiz Gonzaga.
Garibaldi Brasil teve dois casamentos. Do primeiro, nasceram Sérgio Brazil (com z mesmo, por um erro cartorial) e Ivan Brasil, ambos já falecidos, o primeiro em 1990, e o segundo em 2018. No segundo casamento, com dona Silvia, vieram os filhos Júlio Brasil (já falecido), Francisco (Chicão) e Lina.
Garibaldi Brasil, quando não estava escrevendo suas crônicas e poesias, pintava quadros de indiscutível talento e qualidade, os quais, hoje, fazem parte de coleções particulares e que parte dos remanescentes da família Brasil gostaria de conhecer mais profundamente. O professor Sérgio Brazil Júnior, do departamento de matemática da Ufac e neto do artista, chegou a procurar o artista plástico Dalmir Ferreira para a execução de um projeto que deveria catalogar a obra de Garibaldi Brasil nas artes plásticas. “Muito do que ele pintou nós desconhecemos. São quadros que, eu creio, não interessariam só à família”, disse o professor Sergio Brazil. O projeto de catalogação dos quadros de Gari não foi adiante.
Mas, nas pesquisas iniciais para o catálogo com os quadros de Gari, as informações apontavam que muitos dos quadros, muitos vendidos pelo próprio artista, estão em coleções particulares e no acervo das famílias dos empresários George Teixeira Pinheiro e Maurício Vilela Viana Lisboa, ambos já falidos e fundadores dos hotéis mais tradicionais do Acre, o Inácio e o Imperador Galvez, respectivamente. “Eu espero que esses colecionadores estejam cuidando bem dessas obras”, disse o neto Sérgio Brazil, que vem adquirindo, sempre que é possível, alguns quadros do avô.
Ele adquiriu, por exemplo, quadros como o “Canoeiro” e um autorretrato de Gari. No quadro O autorretrato, dizem especialistas, é possível observar nos tratos do artista paraense-acreano as influências de Vincent Willem van Gogh, pintor pós-impressionista neerlandês, uma das figuras mais famosas e influentes da história da arte ocidental, que, no entanto, também ficou famoso por ter decepado a própria orelha num café de Paris para, depois, pintar o próprio busto mutilado. A loucura criativa de Gari não chegou a tanto.
Quem conhece da arte da pintura, no entanto, atesta que Garibaldi Brasil era um pintor muito além de seu tempo. Isso ficou registrado no quadro que o próprio artista chamou de “Panaceia”, um painel na entrada do prédio da Ufac-Centro, em Rio Branco, pintado em 1971. O nome do quadro, um mosaico com ares futurísticos, evoca o passado. Na mitologia grega. Panaceia (ou Panacea em latim) era a deusa da cura e o termo “panaceia” também é muito utilizado com o significado de remédio para todos os males.
Para Garibaldi Brasil em sua Panaceia, o futuro e o progresso seriam a cura dos males de um tempo de atraso? No quadro à entrada do prédio da Ufac-Centro, o traço inconfundível aponta para equipamentos imprescindíveis nos dias atuais, mas absolutamente desconhecidos pela grande maioria da humanidade naqueles tempos em que o quadro foi pintado, início dos anos 70, como o computador, o telefone celular e outros itens da parafernália que cerca o homem atual como previra Garibaldi Brasil há mais de meio século atrás.
O professor Sérgio Brazil, aliás, tem uma preocupação em relação ao painel pintado por seu avô para a Ufac-Centro. Ele teme que, com o passar do tempo e a demolição de parte do prédio, alguém possa destruir a pintura. “A gente sabe que há doido para tudo…”, diz o professor.