O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para cobrar de autoridades federais, estaduais e municipais a elaboração de um plano de contingência conjunto que garanta o acolhimento humanitário de migrantes que chegam ao território acreano pela tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia. A medida também busca assegurar o repasse de recursos financeiros e de apoio técnico para a implementação das providências necessárias. A ação tem como réus a União, o Estado do Acre e os Municípios de Assis Brasil, Epitaciolândia, Brasileia e Rio Branco (AC).
Na peça, o MPF destaca a urgência de uma ação coordenada e permanente que promova assistência social adequada à população. Nos últimos 13 anos, o Acre tem lidado com recorrentes períodos de crise relacionados às limitações para a acolhida e atenção humanitária aos migrantes e refugiados. Segundo a ação, uma nova crise é iminente, diante do fim das regularizações temporárias pelo Peru e a consequente deportação de pessoas que não têm documentos. “Os migrantes representam, claramente, um grupo de pessoas em situação de relevante vulnerabilidade, muitos oriundos de países pobres e que enfrentam um verdadeiro colapso de sua economia e instituições domésticas”, aponta o órgão.
O MPF sustenta que há um amplo cenário de omissão dos entes federados com os direitos e a promoção de políticas públicas necessárias aos migrantes. Nesse sentido, destaca os princípios da prevalência dos direitos humanos e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade como fundamentos que regem as relações internacionais da República. Também evoca os direitos constitucionais à vida, à igualdade, à saúde, à alimentação, à moradia, à segurança e à assistência social, assim como o compromisso do Brasil com organismos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A ação menciona a Lei 13.684/2018, que dispõe sobre medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária. Cita, ainda, as Políticas Nacionais de Migrações, Refúgio e Apatridia e de Assistência Social, que estabelecem proteção social e defesa dos direitos das pessoas em estado de vulnerabilidade e risco social. Na avaliação do MPF, porém, todas essas diretrizes têm sido “completamente ignoradas pelo Governo Federal”.
Crise humanitária – O procurador da República Lucas Costa Almeida Dias, autor da ação civil pública, esclarece que a situação é ainda mais preocupante nos municípios limítrofes de Assis Brasil, Brasiléia e Epitaciolândia, por onde chegam a maior parte dos migrantes. Isso porque são cidades de população reduzida e com poucos recursos orçamentários. “Sem ajuda do governo estadual e federal, não há como prover a assistência social necessária aos migrantes”, destacou o membro do MPF.
O órgão destaca ainda que, somada a estrutura de acolhimento existente nesses locais e na capital Rio Branco, o estado inteiro do Acre dispõe de capacidade para receber, no máximo, 150 refugiados, que se dividem entre uma casa de passagem, um espaço cedido pela Diocese e um abrigo na capital. “Se vierem 200 pessoas em um dia, o sistema simplesmente colapsa”, alerta o procurador.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil reconheceu a gravidade da situação acreana. Dados da Polícia Federal constataram um aumento significativo do ingresso de venezuelanos no Brasil pela fronteira do Acre com o Peru: 3.375 em 2022, 1.862 em 2021 e 572 em 2020. No momento, segundo o MPF, não existem abrigos e casas de acolhimento institucional com capacidade para acomodar todos esses migrantes e refugiados, seja de passagem ou para residência fixa, restando a essa população buscar acomodação por conta própria.
Pedidos – A ação civil pública foi proposta após uma série de tentativas de atuação extrajudicial com os órgãos federativos, como recomendações e acordos, que não foram bem sucedidas. Por isso, em caráter de urgência, o MPF solicitou à Justiça Federal que obrigue os entes a providenciar pelo menos mais 50 vagas em cada um dos abrigos já existentes, a garantir três refeições diárias aos acolhidos e a disponibilizar equipes técnicas preparadas para o acolhimento temporário.
Os requeridos também devem elaborar, no prazo de 30 dias, um plano com explicitação das tarefas e procedimentos a serem percorridos, respectivos responsáveis e fiscalizadores. A proposta deve abarcar questões como a ampliação da capacidade de abrigos emergenciais, atendimento básico de saúde, alimentos e materiais de higiene, regularização migratória, combate ao contrabando e tráfico de pessoas, repasses financeiros e inserção de crianças e adolescentes em escolas.
“Os entes federados ainda não possuem um plano de contingência conjunto e efetivo, que também trabalhe na perspectiva preventiva das próximas crises migratórias. O que se percebe é sempre uma atuação no olho do furacão, com reparações pontuais, sem visão estratégica e com elevados gastos públicos”, pontuou o procurador da República.