Oito meses antes da deflagração da operação da Polícia Federal (PF) que mirou o influencer fitness Renato Cariani nessa terça-feira (12/12), pela suspeita de desvio de substâncias químicas para a produção de crack e cocaína, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) arquivou inquérito aberto a partir da mesma denúncia feita contra o empresário e fisiculturista.
Segundo a PF, o esquema do qual Renato Cariani faria parte desviou, em seis anos, uma quantidade de substâncias químicas capaz de produzir 15 toneladas de crack. A investigação, feita em parceria com o Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do MPSP, teve início em 2019, com base em uma denúncia do laboratório AstraZeneca, um dos fabricantes de vacina contra a Covid-19.
A PF pediu a prisão de Cariani, da sócia dele na empresa investigada, a Anidrol, e de outros dois suspeitos. Todos foram negados pela Justiça Estadual. Em um vídeo postado nas redes sociais após ser alvo de busca e apreensão, o influencer disse ter sido “surpreendido” com a operação da PF e que vai pedir acesso ao processo para saber o que há na investigação antes de se manifestar.
Paralelamente ao inquérito da PF, a Polícia Civil paulista e um promotor do MPSP conduziram outra investigação aberta com base na mesma denúncia feita pela AstraZeneca. Nesse caso, Ministério Público Estadual arquivou a apuração em abril deste ano, em inquérito que terminou repleto de lacunas.
Além da denúncia do laboratório, a Polícia Civil ouviu uma representante da AstraZeneca que contou aos investigadores sobre as notificações recebidas da Receita Federal por causa de transações suspeitas que teriam sido feitas com a Anidrol, da qual Cariani é sócio. O Fisco havia identificado dois pagamentos de R$ 212 mil em dinheiro vivo que a AstraZeneca não reconhece ter feito para a empresa do influencer.
Em 2021, Cariani prestou depoimento nessa investigação. Ele disse que foi responsável pela negociação com a AstraZeneca juntamente com sua sócia, Roseli Dorth, e que foi abordado por um representante do laboratório por e-mail, além de recebê-lo em sua empresa. Pontuou ainda que recebeu documentos sobre a “aquisição de produtos controlados e documentos” da AstraZeneca. E confirmou ter conversado com “Augusto Guerra” a respeito das vendas de componentes para a AstraZeneca.
No inquérito, a defesa também entregou trocas de e-mails com o tal “Augusto Guerra”, além de veículos que compareciam à sede da sua empresa. E afirmou que descobriu por meio da apuração da Receita Federal que as pessoas com quem conversou “se passaram” por representantes da AstraZeneca. Em reação ao ocorrido, ele disse ter “tirado de linha” o cloridrato de lidocaína e que aumentou as “verificações de segurança” entre a Anidrol e os clientes.
Em uma diligência na empresa, a Polícia Civil colheu alguns dos registros de veículos que entraram na sede da Anidrol. Em depoimento, o dono de um dos automóveis disse não saber de nada porque comprou o veículo em período posterior à entrada dele na empresa de Cariani. Foi até aí que a investigação chegou. Não houve quebra de sigilo para descobrir o real dono do e-mail usado para trocar mensagens com Cariani em nome da AstraZeneca, tampouco prorrogação do inquérito.
Em abril, o promotor Eduardo Soares Amaral acolheu a versão de Cariani e disse que documentos apresentados pelo empresário e influencer mostram que “falsários conseguiram estabelecer uma roupagem eficiente para ludibriar a empresa vendedora e promover a aquisição dos insumos químicos” em nome da AstraZeneca.
“Neste cenário, não há elementos viáveis a estabelecerem vínculo entre a empresa Anidrol e o desvio de produtos químicos”, afirmou o promotor, ao pedir o arquivamento do caso.
A investigação que avançou
Já a investigação da PF com o Gaeco, braço do mesmo MPSP, teve outro desfecho porque avançou sobre as suspeitas levantadas pela AstraZeneca. Com autorização da Justiça, a Polícia Federal obteve acesso à quebra de sigilo telemático dos investigados e descobriu indícios de que um amigo de Cariani chamado Fábio Spínola registrou o e-mail do falso representante do laboratório em nome de um homem nascido em 1929 e já falecido.
Spínola é investigado por elo com o tráfico de drogas e já foi preso pela PF, na Operação Down Fall, que apreendeu mais de R$ 2,1 milhões e cumpriu 30 mandados de prisão por tráfico de drogas no Porto de Paranaguá (PR). Ele foi solto há poucos semanas e, na operação deflagrada nessa terça-feira, em São Paulo, policiais federais apreenderam cerca de R$ 100 mil em dinheiro vivo.
A PF também obteve a quebra de sigilo do influencer e interceptou mensagens entre Cariani e Roseli Dorth em que ele disse saber que era monitorado pelos investigadores. Segundo a diligência, Cariani disse para a sócia em uma das conversas para “trabalhar no feriado para arrumar de vez a casa e fugir da polícia”.
Em nota, a AstraZeneca do Brasil confirma que procurou a Polícia Federal em 2019 para “comunicar possíveis fraudes relacionadas a notas fiscais emitidas indevidamente em nome da farmacêutica” e afirma que “nunca teve qualquer relação comercial com a Anidrol”, empresa de Renato Cariani.
“A farmacêutica esclarece, também, que não realiza pagamentos em espécie a nenhum tipo de prestador de serviços ou fornecedor e que não reconhece o nome de Augusto Guerra, que integra as investigações, como possível colaborador da empresa”, diz a nota da AstraZeneca.