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PC Siqueira ajudou a transformar youtuber em profissão e foi vítima do tribunal da internet

Por O Globo

O Youtuber PC Siqueira, uma das primeiras celebridades da internet brasileira — Foto: Kelly Fuzaro/MTV

Num dia de 2009, Paulo Cezar Goulart Siqueira gravou um vídeo para reclamar que ainda não tinha conseguido assistir à “Avatar”, filme de James Cameron que era campeão de bilheteria na época. “Não consigo assistir a ‘Avatar’. Você vai no cinema e está tudo esgotado. As pessoas não têm o que fazer? Porra, vai fazer outra coisa! Deixa eu ver a porra do filme”, esbravejou o rapaz. Ele também avisou que assistiria ao filme em 2D. “Eu não enxergo em 3D. Não! Porque eu sou vesgo”, explicou. Nesse vídeo que termina com um xingamento dirigido a quem já havia visto o filme (“vai tomar no seu…”), PC Siqueira já exibia as características que o fariam dele um dos primeiros influenciadores digitais do país (expressão que ainda não existia): a irreverência mal-humorada, o gosto pela polêmica, o jeitão nerd e a boca-suja.

Morto nesta quarta-feira (27), aos 37 anos, PC Siqueira é uma das primeiras celebridades da internet brasileira e ajudou criar uma nova profissão: a de youtuber. Também fez sucesso na TV, arriscou-se no cinema e lançou livro. Mas foi vítima da mesma cultura digital de que foi um dos principais expoentes. Caiu em desgraça após ser acusado de pedofilia nas redes sociais em 2020. Até hoje, nada foi provado.

Nascido em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, em 18 de abril de 1986, PC Siqueira trabalhava como ilustrador quando ingressou no YouTube. No canal “Mas poxa vida”, espinafrava religiosos (disse ter lido a Bíblia com batatas fritas no nariz), fãs de Justin Bieber e da saga “Crepúsculo”. Numa época em que as redes sociais se expandiam e ainda não havia cancelamento, PC abraçava a polêmica. “Sempre fui meio advogado do diabo. Vou lá e toco na ferida. Não para sacanear, mas para incitar discussões”, disse numa entrevista em 2010.

Nerd assumido, cobriu o corpo com tatuagens que remetiam à cultura pop, como os jogos Pac-Man, Space Invaders e Doom. Transformou seu estrabismo (motivo de bullying na infância, que o levou a ser alfabetizado em casa) em sua marca registrada. Também criou os canais “Ilha de barbados” (com Rafinha Bastos e Cauê Moura) e “Rolê gourmet” (onde ensinava receitas).

Em 2010, foi indicado ao prêmio MTV Video Music Brasil na categoria Web Star. Foi eleito Geek do Ano e WebCeleb pelo prêmio Os Melhores da Websfera. Virou garoto-propaganda de produtos eletrônicos e apresentador de TV. Versões editadas de seus vídeos passaram a ser exibidos no programa “Comédia MTV”. Em março de 2011, estreou um programa semanal na emissora, o “PC na TV”, inspirado na estética da internet, com notícias (narradas pelo próprio PC), entrevistas e reportagens. O programa durou até junho de 2013, quando o youtuber deixou a MTV, que passava por uma severa crise.

Em 2015, retornou à telinha no programa “Jorgecast”, ao lado de Cauê Moura, na PlayTV. No ano seguinte, ingressou no humorístico “Caravana na TV”, do TBS Brasil. Em 2019, participou no reality show “O aprendiz”, da Band. Foi demitido por Roberto Justus no décimo-primeiro episódio. No cinema, atuou em filmes como “Internet: o filme”, “Os penetras 2: quem dá mais?” e “Going to Brazil”.

Publicou um livro em 2016, em parceria com o jornalista Alexandre Matias: “PC Siqueira está morto: fragmentos de uma vida digital” (Suma), que recorre a ficção para repassar a trajetória do youtuber. “Nesses fragmentos, PC vive outras existências, revela episódios do seu passado, expõe seus medos e taras e brinca com os mitos que sempre cercaram sua personalidade polêmica”, anuncia o livro.

Acusações de pedofilia e depressão

Após uma década de sucesso, PC Siqueira foi condenado pelo tribunal da internet. Em junho de 2020, um perfil no Twitter compartilhou um vídeo que mostrava uma suposta conversa entre o youtuber e um amigo na qual é mencionado o compartilhamento de fotos íntimas de uma criança. PC rebateu as acusações. “Recebi uma série de mensagens, acusações, xingamentos, minha família foi atingida, meu psicológico enormemente abalado”, disse. O youtuber passou a ser investigado e colaborou com todo o processo. A polícia apreendeu dispositivos eletrônicos do rapaz para perícia, como computador, HD externo, celular e videogame.

Segundo o relatório apresentado pela Polícia Técnico-Científica da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, em 2021, PC não armazenou ou compartilhou fotos ou vídeos pornográficos de menores de idade, não conversou sobre o assunto com outras pessoas e tampouco buscou conteúdo pedófilo na internet. Em nota enviada ao GLOBO nesta quarta, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que “o caso segue sendo investigado pela 4ª Delegacia de Repressão à Pedofilia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP)”. “Até o momento, não houve indiciamento. Demais detalhes sobre o andamento da investigação serão preservados, devido ao sigilo decretado pela Justiça”, informou a nota.

Após as acusações, PC afastou-se da internet e dos amigos. Desativou por alguns meses seu canal, que já contava com mais de dois milhões de inscritos. Nos últimos anos, tentou reerguer-se na internet pedindo doações para seguir produzindo conteúdo. Cobrava apenas R$ 100 para fazer publicidade nos stories do Instagram. Compartilhava cada vez menos vídeos e virou tatuador.

PC nunca escondeu ter depressão e crises de pânico e ansiedade. Em um vídeo, descreveu os sintomas: “Tudo começa com uma coisa pequena, uma coisa boba, uma frustração. Você deixa para lá, mas em certo momento você sente o seu coração palpitar. Você começa a sentir que uma coisa ruim vai acontecer. Começa a perder o ar, sua respiração começa a ficar difícil. Começa a suar a aí você começa a pensar em todas as coisas ruins que aconteceram e que podem levar a acontecer essa coisa muito ruim que você não sabe o que é. Você fecha as portas e janelas e o seu único refúgio é o seu quarto. A sua cama. Debaixo do seu cobertor. Você espera a coisa ruim, mas a única má notícia é que você acabou de ter um surto de pânico e ansiedade”.

Ainda no início da fama, PC comparou a gravar seus vídeos a fazer terapia: “Falo na web para tentar melhorar as coisas para mim. Eu lido com minhas frustrações e muita gente se identifica”. Em uma de suas últimas postagens nas redes sociais, desejou “Feliz Natal para você que não tem família, não tem muitos amigos ou não tem grana para fazer festa”. Disse que não também não ia comemorar. “Feliz Natal solitário para você. Feliz Ano-Novo solitário para você. Estamos juntos. Nós não estamos sozinhos.”

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