Ainda menino em Goiás, o maquiador John Avelino assistia aos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro pela TV e se encantava com Luma de Oliveira, Luiza Brunet e Monique Evans brilhando como rainhas de bateria na Marquês de Sapucaí. Hoje, aos 33 anos, ele também ocupa um posto de destaque à frente de ritmistas que, ao longo dos anos, foi preenchido (e disputado) quase que exclusivamente por mulheres.
Um dos pioneiros nesta função, Avelino foi escolhido para abrir a série de ensaios de carnaval do gshow, “Gente é para brilhar“, inspirada em um dos versos do clássico de Caetano Veloso, e que festeja a diversidade da festa, de corpos e da democracia na folia carioca.
A festa popular possibilita que anônimos como John Avelino se torne um rei de bateria, este ano mais uma vez à frente da bateria da União de Jacarepaguá, escola do Série Prata do Rio. Avelino também sairá como muso da São Clemente e como destaque na Mangueira.
“Teve um pouco de resistência da minha presença ali, no lugar de uma mulher como rainha de bateria, porque sempre foi uma questão cultural. Quando as pessoas veem uma imagem masculina, às vezes gera uma certa repulsa. E ficam se perguntando: ‘Será que isso vai dar certo?’ Só que tudo que eu faço é com muita verdade, tem muita entrega minha”, diz.
O primeiro rei de bateria que se tem notícia foi o coreógrafo Zé Reinaldo, em 1994, na Grande Rio. O promoter David Brazil também já dividiu o posto com a atriz Susana Vieira, na mesma escola, em 2015.
Mas o reinado de John, que está em seu terceiro ano como rei de bateria pela União de Jacarepaguá, é diferente e ousado. Ele estava entre os homens que, em 2023, aderiram ao fio-dental no carnaval daquele ano. Peça comum para as mulheres que desfilam, mas que causa estranhamento nos musos que atravessam a avenida.
“Fui o primeiro a ser anunciado oficialmente como rei de bateria. Claro que antes de mim tiveram nomes como Zé Reinaldo e David Brazil, os quais respeito, mas eles têm um estilo diferente de mim, do que a gente conhece hoje como rei. E, com isso, fui quebrando barreiras e abrindo portas. Mas ainda tem muito preconceito”, diz.
John foi alçado ao mundo do samba depois que um vídeo seu sambando em uma das arquibancadas da Sapucaí viralizou nas redes sociais. Ele ainda estava longe do Rio de Janeiro, mas fazia questão de marcar presença e assistir aos desfiles.
“Em 2015, um vídeo meu curtindo e sambando na arquibancada viralizou. Quando cheguei em Goiás, começou uma loucura nas minhas redes sociais. Na época, o conteúdo chegou a ter quase 300 mil visualizações, o que era muito. Fiquei sem entender nada, muita gente começou a seguir. E assim me tornei uma figura, digamos, conhecida no carnaval”, relembra.
Já no ano seguinte, começou a desfilar como destaque na Unidos da Tijuca, até que, em 2019, recebeu um convite para desfilar na São Clemente: “Fui crescendo ali dentro até me tornar muso. E aí, minha vida começou a ficar uma loucura.” E dali também nunca mais saiu.
Gay fora do ‘padrão’ carnaval
E, se ao longo da história, só havia espaço para homens gays se estivessem desfilando vestidos de mulher ou trabalhando nos bastidores, John Avelino quer mostrar que esse momento pode acabar de uma vez por todas.
“Eu vim para romper este pensamento. Por que nós, homens gays, temos sempre que estar trabalhando nos bastidores, fazendo a fantasia da rainha ou da musa, colando espelho no carro? Por que a gente não pode brilhar? Eu vim justamente para quebrar essa barreira”, garante.
E as barreiras vão sendo quebradas por ele, mesmo que com o caminho cheio de preconceitos.
“Já ouvi várias vezes e ouço até hoje: ‘O que esse viado está fazendo aí?’. Por mais que eu tenha batalhado muito para chegar até aqui, as pessoas não se preocupam em conhecer a minha essência, quem sou. Parte é preconceito e também porque eu me destaco mesmo. Mas sempre tive minha mente muito tranquila com relação a tudo isso.”
Destaque este que, para um homem de 2,01 metros de altura, não é difícil não ser notado. “Naturalmente, sou uma pessoa que chama atenção. É muito difícil não me notarem, porque tenho dois metros de altura. Mas, quando era adolescente, não gostava muito de ser visto, era gordinho, meio patinho feio. E eu gosto disso: estar vestido com o carnaval, ser visto, comentado e colocando o corpo para jogo. Gosto de ser visto, de ser notado. É uma sensação muito boa, de poder“, se diverte.
Fio-dental e nudez
No carnaval de 2023, John Avelino decidiu que era o momento de ousar. Apostou em uma fantasia com fio-dental para cruzar a Avenida e, é claro, corpo nu não faltou.
“Acho que ninguém imaginou uma figura como a minha, de um Rei de Bateria, desfilando nu. Mas eu topo qualquer parada. Pode me colocar a fantasia mais pelada possível, que topo. A escolha do fio-dental foi algo que chamou a atenção das pessoas e eu adorei. Gosto de desfilar confortável, me sentir bonito. Desfilar de calça? Não gosto, me prende para sambar. Me sinto livre assim”, diz.
Tanta ousadia rende, além de muitos olhares, até uma paquera ou outra: “As pessoas ficam intimidadas com a minha presença, mas é claro que sou assediado. Recebo muitas mensagens, principalmente no pós-desfile. Já recebi muito: ‘Nossa, fiquei animado quando você passou na Avenida’. E sempre rola alguma coisa.”
Com tudo em cima
Pensando no carnaval de 2024, John adiantou a sua preparação para ficar com tudo em cima. Adepto da boa e velha academia, o maquiador e rei de bateria já começou a pegar firme há meses.
“Desde setembro do ano passado estou intensificando em trabalhar com personal trainer na academia, além de nutricionista, endocrinologista e esteticista. Não faço nada sozinho, tenho uma equipe por trás e é bem puxado”, enumera.
E, para quem acha que é fácil, puro engano. A rotina é pesada: “Acordo todo dia às cinco da manhã e vou treinar. Volto à noite para a academia e faço aeróbico. O meu objetivo é para ganhar mais massa. São treinos intensos, bem puxados, com alimentação e dieta restrita para perder gordura ainda para o carnaval. Segunda, quarta e sexta são dias de academia e terça e quinta de ensaio nas quadras.”
Com tanta disposição, John Avelino vem colhendo os frutos de sua dedicação. Mesmo fazendo mistério, o resultado é nítido: “Já até levei cantada de integrante de escola, intérprete, compositor, acredita? A gente que é solteiro está aí para isso.”