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Abandonados por seu país, peruanos de cidade isolada procuram menor município do Acre como refúgio

Por Tião Maia, ContilNet

A exemplo do que ocorreu em 1903, na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, quando um acordo seguido de um tratado incorporou o Acre ao território nacional brasileiro, o país poderia vir anexar uma parte considerável do território do Peru, na Amazônia pertencente às duas nações. Trata-se de um território de 17.847,76 km², na fronteira com o Brasil através do Estado do Acre, na região do rio Purus.

Só que uma hipotética anexação do território ao Brasil, nos dias atuais, seria sem armas ou derramamento de sangue, como ocorreu no passado em relação à Bolívia; agora são os próprios peruanos que querem ser brasileiros.

A região é denominada de Província do Purus, pertencente ao departamento de Ucaiáli, cuja capital é a cidade de Puerto Esperanza, na fronteira com o município acreano de Santa Rosa do Purus, onde vive uma população estimada em quase cinco mil pessoas, com densidade populacional de 0,2 hab/km² em meio a uma vastidão de florestas no meio do nada, mas rica em biodiversidade de fauna e flora, com muitas árvores de elevado potencial para o comércio.

Cidade de Puerto Esperanza, na fronteira com o município Santa Rosa do Purus/Foto: Reprodução

O distrito de Purus não é servido pelo sistema de estradas terrestres do Peru e a população local, composta em sua grande maioria por remanescentes de povos originários do Peru e que habitam a localidade desde 1943, quando começou a surgir o núcleo urbano, composto de casas em madeira rústicas e cobertas de palhas, que se tornaria a cidade de Puerto Esperanza. São pessoas que, apesar de viverem em território estrangeiro, mantêm relações sociais e econômicas com o Brasil. Alguns têm até dupla nacionalidade e chegam inclusive a votar nas seções eleitorais em Santa Rosa do Purus, municípios acreano que divide as fronteira entre Peru e Brasil na região.

Em 1994, fundou-se nas imediações de Puerto Esperança uma vila com o emblemático nome de Palestina, uma área de campos onde colonos criavam gado e hoje se tornou o principal ponto de produção  de pecuária, agricultura e cereais como arroz e milho, bem como uma grande variedade de frutas como ananás (abacaxi), banana, coco, cubiu, limão, laranja, pupunha e tangerina.

É a localidade mais festiva daquela vastidão, um dos poucos locais em que a solidão bem que poderia ser medida. Nos costumes locais se festeja no povoado festas nacionais como o Dia das mães, Dia dos pais e Dia do trabalhador e a data de aniversário da fundação do povoado, a cada 12 de novembro. Ademais se celebram as festas rurais: a colheita e a semeadura de melancia, a semeadura e a colheita de arroz, após um ano.

Apesar de isolada na floresta e distante do ocidente, Palestina e seu povo já ganharam o mundo. Um documentário sobre este povoado foi criado com o nome de Web, em cooperação entre a Fundação Wikimedia e a organização sem fins lucrativos, Human Right.O cofundador da Wikipédia, Jimmy Wales faz uma aparição neste filme, onde descreve o impacto do projeto internacional com a imagem de um laptop sendo utilizado por por criança, na escola sendo ensinadas como escrever sobre seu povo. O que era uma pequena experiência se tornou um investimento empresarial, quando empresários peruanos criaram um laptop de madeira reciclada e que funciona com um carregador solar. O nome do dispositivo é WAWA Laptop e foi desenvolvido com o intuito de conectar mais pessoas ao que acontece no mundo.

Segundo informações do site Engenharia E, o laptop ecológico de baixo custo é vendido por 799 soles peruanos, o equivalente a R$ 998,00. As peças podem ser substituídas por outras mais modernas e sua durabilidade é de até 15 anos.

A ideia surgiu da necessidade de fazer com que a tecnologia alcance lugares mais remotos, como é o caso da localidade de Palestina e outras localidades remotas dos Andes.  Segundo a CEO da WAWA Laptop, Alejandra Carrasco, nas viagens que sua família fazia às áreas rurais, ela observava que muitas crianças não tinham acesso à tecnologia. Por este motivo, Alejandra uniu forças com outros profissionais para tentar mudar esse paradigma.

Foi então criado o primeiro protótipo com placas (SBC Single Board Computer) e depois, em 2015, lançaram o primeiro desktop de baixo custo. Levaram-no para algumas regiões dos Andes e da Amazônia, mas não foi suficiente. Criaram então um laptop de 10,1 polegadas, feito de MDF composto de madeira e peças removíveis.

O sistema operacional utilizado é o Linux, que é totalmente gratuito e as opções de carregamento são energia solar e energia comum. Esse projeto garantiu o prêmio Start Up Peru e também o apoio da PUCP, Pontifícia Universidade Católica do Peru.

O nome WAWA é dedicado às crianças que na linguagem quíchua significa “criança”. Segundo os criadores da marca, a ideia é que o laptop ajude estudantes que estão na terceira ou quarta série a se desenvolverem melhor nos estudos. Versões mais atualizadas do dispositivo serão desenvolvidas para acompanhar os estudantes até a universidade.

Mas nem só de boas notícias vive aquela comunidade naquela região de fronteira. Dados da Polícia Federal mostram que a região é uma das rotas mais utilizadas por produtores de drogas do Peru para a exportação de cocaína para o Brasil e que Santa Rosa do Purus é uma espécie de entreposto dos traficantes. 

Numa das últimas operações na região, a Polícia Federal no Acre desarticulou uma organização criminosa especializada no tráfico internacional de drogas, que agia na cidade acreana de Santa Rosa do Purus e Vila Palestina, no Peru. Foram cumpridos seis mandados judiciais em Santa Rosa do Purus, sendo um de prisão e cinco de busca e apreensão. Outros dois mandados de prisão devem ser cumpridos na Vila Palestina.

Os criminosos brasileiros, segundo a PF, adquiriam a droga na Vila Palestina e comercializavam em Santa Rosa do Purus por meio de pequenas bocas de fumo espalhadas pela cidade. “Isso ocasionou o aumento do consumo de drogas e, consequentemente, o aumento na prática de crimes contra a vida e contra o patrimônio”, destacou na época nota da PF.

Participaram da operação também a Coordenação de Aviação Operacional da Polícia Federal – CAOP, as polícias Militar e Civil de Santa Rosa, além do 4º Batalhão de Infantaria de Selva do Exército Brasileiro. Também foi solicitada a cooperação policial internacional com a polícia peruana para cumprimento de medidas judiciais naquele país, uma vez que dois investigados peruanos estão com seus mandados de prisão incluídos na lista de Difusão Vermelha da Interpol.

Apesar do tráfico pesado, as relações entre brasileiros e peruanos são boas, diz que conhece o problema bem de perto, como é o caso do deputado estadual Tanízio de Sá (MDB), cuja base eleitoral é a região do Purus e que vem a se irmão do prefeito de Santa Rosa, Tamir de Sá, também do MDB. “Os peruanos vendem produtos como cobertas, lençóis e utensílios domésticos para nós, brasileiros. E adquirem no nosso comércios produtos alimentícios e outros produtos, que vão desde a Coca-Cola à combustíveis”, disse o deputado. 

Deputado Tanízio Sá/Foto: Juan Diaz/ContilNet

As relações sociais na fronteira são tão boas que muitas mulheres peruanas deixam o território peruano para virem dar à luz em Santa Rosa, por causa das melhores condições de saúde oferecidas pelo Brasil em relação à saúde. “Por causa disso, muitos peruanos deixam a unidade de saúde de Santa Rosa com certidão de nascimento brasileira e assim adquirem dupla nacionalidade. 

“Muitos desses peruanos inclusive votam aqui em Santa Rosa. Mas, mesmo assim, acho muito difícil o território peruano se tornar parte do Brasil. Na atualidade, nenhum país admite perder um palmo de seu território para outro. Daí as razões de tantas guerras como as que vivemos atualmente”, avaliou o deputado estadual.

No entanto, lideranças políticas da região peruana reclamam do abandono do governo de seu país e fazem abertamente a necessidade de se tornarem brasileiros de vez, conforme mostrou um documentário da própria televisão peruana. 

O assunto, aliás, deixou as cercanias de fronteira e é debatido abertamente na Câmara dos Deputados no Brasil desde 2009, segundo acordos aprovados entre Brasil e Peru para integração na fronteira. Do lado brasileiro, a Zona de Integração Fronteiriça Brasil-Peru compreenderá municípios do Acre e do Amazonas. Não seria a anexação da região peruana ao Brasil, mas a criação de acordo para o estabelecimento de uma zona de integração fronteiriça, firmado em Lima, em 2009. O texto está em análise pelo Senado.

Conforme a exposição de motivos enviada pelo Poder Executivo, a Zona de Integração Fronteiriça Brasil-Peru (ZIF Brasil-Peru) estará dividida em três setores ao longo da fronteira, denominados Setor Norte, Setor Central e Setor Sul. Do lado brasileiro, compreenderá municípios do Acre e do Amazonas.

O acordo conferirá base legal para o processo de integração fronteiriça entre Brasil e Peru. O objetivo é promover a integração econômica, comercial e social da região, por meio de planos elaborados para cada um dos três setores.

Veja o vídeo:

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