O Acre está na lista dos 20 estados brasileiros em que, em 2022, não houve redução de Mortes Violentas Intencionais (MVI) e que registraram índices acima da média nacional. Enquanto vários estados e o Distrito Federal registraram queda neste tipo de crime, em 2022, o Acre, em comparação com o ano anterior, perfilou-se entre os estados em que tiveram alta de MVI.
A ordem é a seguinte em relação ao crescimento deste tipo de crime no período: Acre (21%), Alagoas (4,2%), Mato Grosso (18,9%), Minas Gerais (2,2%), Pará (0,6%), Paraná (7,2%), Pernambuco (1,3%), Piauí (4,5%), Rio Grande do Sul (3,8%), Rondônia (14%), São Paulo (1,3%), e Tocantins (5,5%). O Acre é, portanto, o quarto Estado mais violento do país em relação às mortes intencionais, atrás do Amapá, da Bahia e do Amazonas. O ranking é liderado pelo Amapá, com taxa de MVI de 50,6 por 100 mil habitantes, mais que o dobro da média nacional (23,4/100 mil). O segundo estado mais letal foi a Bahia, com taxa de 47,1 por 100 mil habitantes, seguido do Amazonas (38,8/100 mil).
Os números foram divulgados pelo Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), por meio do Núcleo de Apoio Técnico (NAT), ao lançar, na segunda-feira (19), a 7ª edição do Anuário de Indicadores de Violência, apresentando uma análise abrangente dos índices criminais no estado no período de 2013 a 2022. O Anuário traz um demonstrativo histórico de indicadores prioritários de violência e criminalidade no Acre.
Com 245 páginas, o documento elaborado pelo Observatório de Análise Criminal do NAT, órgão auxiliar do MPAC, mostra que a partir de 2015, o Estado passou por uma mudança significativa, vivenciando situações de criminalidade e violência até então desconhecidas.
O aumento nos registros de crimes violentos é atribuído, em grande parte, ao conflito entre organizações criminosas, que expandiram suas operações no estado, disputando rotas do tráfico de drogas e domínio de territórios.
No Acre, em relação às Mortes Violentas Intencionais (MVI), o Anuário aponta um aumento de 22,2% em 2022 em relação ao ano anterior, elevando a taxa para 28,6 vítimas para cada grupo de 100 mil habitantes.
O estudo também analisa a frequência dos crimes por dia da semana e horário, destacando a maioria ocorrendo nos finais de semana, entre 20h e 23h, além de dados sobre o perfil das vítimas, feminicídio, população carcerária, suicídio, atuação do crime organizado, acidentes de trânsito, entre outros.
O Anuário tem como fonte dados do Observatório de Análise Criminal do MPAC, do Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp), do Sistema Penitenciário do Acre, do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen), das Secretarias de Estado de Justiça e Segurança Pública, (Sejusp), de Saúde (Sesacre), do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan/Datasus), das Polícias Civil e Militar e do Departamento Estadual de Trânsito (Detran/AC).
Para a coordenadora-geral do NAT, promotora de Justiça Marcela Cristina Ozório, o compilado de dados, além de trazer informações sobre diversos indicadores relacionados a violência, contribui para subsidiar a tomada de decisões, não apenas do Ministério Público, como de toda a área de Segurança Pública e a comunidade jurídica.
Os números dos estados mais violentos do país, no entanto, não foram suficientes para elevar as estatísticas em nível nacional. Em comparação ao anterior, o número nacional é de queda. De acordo com a supervisora do Núcleo de Dados do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), Isabela Sobral, a queda nacional foi puxada principalmente pela diminuição da violência nos estados do Norte e Nordeste, embora, nas regiões Sul e Centro-oeste, as taxas de MVI tenham crescido 3,4% e 0,8%, respectivamente. As demais regiões registraram queda: Sudeste (-2%); Norte (-2,7%); e Nordeste (-4,5%).
A meta do Ministério da Justiça é de, até 2030, fim do prazo de vigência do atual Plano Nacional, a meta de redução desses crimes somados deverá alcançar a taxa de 17 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. Os dados de 2022 mostram que a meta já foi alcançada em 54% dos 5.570 municípios brasileiros.
A queda na taxa de MVI nos estados do Norte e Nordeste em 2022 é uma acomodação dos números, que pode ser explicada pelo patamar alto de comparação dos anos anteriores, a partir de 2016.
“A baixa [no Norte e Nordeste] está muito relacionada a essa questão de ter tido uma explosão muito grande de violência nos últimos anos lá. Agora, está voltando ao patamar anterior a essa explosão. E essa explosão no Norte e Nordeste é muito devida à questão do crime organizado. Facções como o PCC e o Comando Vermelho, que surgem no Sudeste nos anos 2000, migram para as regiões Norte e Nordeste e as mortes explodem”, destaca.
“E essa redução que a gente observa agora tem a ver com o passar desse momento de conflito maior que ocorreu a partir de 2016”, revelou a pesquisadora.
Apesar da queda nos índices, o Norte e o Nordeste ainda têm os estados mais violentos. Já as unidades da federação com as menores taxas de violência letal foram São Paulo, com 8,4 mortes por 100 mil habitantes, Santa Catarina, com 9,1 por 100 mil, e o Distrito Federal, com taxa de 11,3. Ao todo, 20 estados registraram taxas de MVI acima da média nacional.
O FBSP destaca ainda outro dado que pouco varia em relação à série histórica: 50,3% das vítimas de MVI em 2022 tinham entre 12 e 29 anos. Dentre os mortos em intervenções policiais, esse grupo etário concentra 75% das mortes.
Estupros de vulneráveis tiveram os maiores índices no país no período de 2022 em relação ao ano anterior; Acre também está fora lista dos estados onde este tipo de crime diminuiu. Os dados do anuário mostram que o número de registros de estupros e estupros de vulnerável em 2022 foi o maior já registrado pelo FBSP: 74.930 vítimas – 88,7% mulheres e 11,3% homens.
Em relação ao ano de 2021, a taxa de estupro e estupro de vulnerável cresceu 8,2% e chegou a 36,9 casos a cada 100 mil habitantes. Exclusivamente os casos estupro somaram 18.110 vítimas em 2022, um crescimento de 7% em relação ao ano anterior. Já os casos de estupro de vulnerável, com um total de 56.820 vítimas, teve incremento de 8,6%.
Os dados do FBSP mostram que 24,2% das vítimas de estupros, em 2022, foram homens e mulheres com mais de 14 anos, e que 75,8% eram incapazes de consentir, fosse pela idade (menores de 14 anos), ou por qualquer outro motivo (deficiência ou enfermidade).
Segundo o FBSP. 10,4% das vítimas de estupro eram bebês e crianças, com idade entre 0 e 4 anos; 17,7% das vítimas tinham entre 5 e 9 anos e 33,2% entre 10 e 13 anos (a faixa etária mais afetada pelo crime). Ou seja, segundo os dados, 61,4% das vítimas tinham no máximo 13 anos.
“Podemos ter como hipótese que estamos diante de um aumento das notificações já que as vítimas estão mais informadas e empoderadas. No entanto, este argumento precisa ser relativizado quando verificamos o perfil das vítimas. No Brasil, 6 em cada 10 vítimas são vulneráveis com idades entre 0 e 13 anos, que são vítimas de familiares e outros conhecidos. Ou seja, ainda que estas crianças e adolescentes estejam mais informadas sobre o que é o abuso, é difícil crer na hipótese do empoderamento como única explicação para o fenômeno”, ressalta o anuário.
Considerando a autoria indicada no boletim de ocorrência, assim como em anos anteriores, na maioria absoluta dos casos os abusadores são conhecidos das vítimas (82,7%), e apenas 17,3% dos registros tinham desconhecidos como autores da violência sexual. Dentre as crianças e adolescentes entre 0 e 13 anos de idade vítimas de estupro os principais autores são familiares (64,4% dos casos) e 21,6% são conhecidos da vítima, mas sem relação de parentesco.
Pessoas negras seguem sendo as principais vítimas da violência sexual, mas houve crescimento da proporção em relação a 2021. Ano passado, 56,8% das vítimas eram pretas ou pardas (no ano anterior eram 52,2%). Em relação às demais, 42,3% eram brancas, 0,5% indígenas e 0,4% amarelas.
“Estamos no caminho da redução? Sim. De fato, já faz dois anos que a gente observa essa queda nacional. Mas a gente vê também que tem alguns estados que não tiveram queda e tiveram aumento. Há 12 estados com aumento na taxa. Ou seja, é preciso observar o contexto dos estados para que a gente consiga a redução de uma forma mais uniforme no país”, destaca Isabela Sobral.
Registraram queda: Amapá (-25%), Amazonas (9,3%), Bahia (-5,9%), Ceará (-9%), Distrito Federal (-10,1%), Espírito Santo (-4,8%), Goiás (-5,6%), Maranhão (-6,5%), Mato Grosso do Sul (-0,2%), Paraíba (-6,9%), Rio de Janeiro (-5,8%), Rio Grande do Norte (-7,7%), Roraima (-18,4%), Santa Catarina (-9%), e Sergipe (-3,9%). O Acre também está fora desta lista.