Passista que teve braço amputado conta como episódio mudou sua vida e celebra recuperação: ‘Meu samba me salvou’

Alessandra Silva é presença garantida no desfile da Grande Rio, escola que integra há quase 20 anos

Foto: Marcos Serra Lima/gshow

No dia 3 de fevereiro do ano passado, a passista da Acadêmicos do Grande Rio, Alessandra Silva, de 36 anos, enfrentou um drama pessoal quase inimaginável. A jovem nascida e criada em São João do Meriti, na Baixada Fluminense, se internou para retirar miomas e dias depois voltou para casa sem o útero e com um dos braços amputados.

E foi assim, sem mais nem menos, depois de uma intercorrência médica, que ela se tornou uma pessoa com deficiência (PCD).

A cirurgia que seria a resolução de um problema de saúde, virou um abismo que a deixou com sequelas de saúde, sem trabalho – uma vez que ela era trancista e precisava dos braços para trabalhar -, e sem o samba – já que a passista, atuando há quase 20 anos na escola da Baixada Fluminense -, não se imaginava sambando sem aquela parte do corpo para ajudar a dar graça e equilíbrio ao seu bailado.

Alessandra quase sucumbiu.

“Sentei na beirada da janela do quinto andar do quarto do Souza Aguiar [ hospital público do Rio de Janeiro] e pensei: ‘Se eu rolar para lá, só vão ver quando eu cair’. Mas aí, Deus me deu uma resposta na hora. Entrou uma faxineira e falou: ‘Tá fazendo o que aí? Eu sei o que você está pensando. Pode descer daí agora!’ . Eu ia pular, mas ela me acolheu e me colocou para ouvir um louvor , me deu um estalo e resolvi lutar ‘, lembra a passista.

Vida partida

Mas a luta não foi fácil. Deprimida, só queria o isolamento, terminou o noivado de 13 anos com o sargento da Aeronáutica Alessandro França Dias, de 43, e seu único desejo era ficar em casa deitada, chorando e pensando como seria sua vida dali para frente.

“A ideia de ter filho, família, acabou. Meu trabalho, acabou, e pensei que meu samba também tinha acabado, mas foi ele que me salvou”, conta.

Recomeço na vida e no samba

Com o apoio da mãe, a aposentada Ana Maria, de 64 anos, que encorajou a filha a encarar a nova realidade, ela foi à luta. Em uma terça-feira do mês de junho, ela decidiu ir à quadra da Grande Rio para o ensaio da escola.

Quando chegou, foi recepcionada por uma multidão que preparou uma homenagem para ela, e recebeu o convite do mestre de bateria, Fafá, para sambar junto aos ritmistas, no lugar da rainha de bateria, Paolla Oliveira.

“O coração acelerou e pensei: ‘Eu tô viva! Estou sambando! Não posso desistir, não!”, contou emocionada.

Samba desenquilibrado e feliz

O primeiro bailado sem braço foi difícil, meio sem equilíbrio, saía de lado. Mas ela começou a testar em casa como seria sambar assim. A primeira tentativa foi difícil. Se equilibrar, ainda com o salto, fazia o corpo tombar para direita.

“O peso do corpo fica uma coisa impressionante e com as plataformas é ainda mais difícil. Mas fui melhorando e percebi que era importante alinhar o ombro e ficar controlando”, lembra.

Mas, aos poucos, o novo jeito de dançar foi chegando, assim como a força e a alegria para recomeçar.

“Minha escola e as pessoas de lá foram fundamentais para eu reagir. Para eu voltar a querer viver. Recebi muito apoio, carinho e hoje voltei a sambar”, conta.

Ela também foi presenteada pela diretoria da Grande Rio com uma prótese para o braço amputado. Ela está fazendo testes com a peça, que mexe os dedos com o estímulo de onda cerebrais, e deve começar a usar o acessório em breve.

“Quando vi o braço levantando, a mão fazendo assim (mexe os dedos da mão direita) eu disse: ‘’Meu Deus! Eu vou poder me olhar no espelho!’ Fui para a internet comprar manguinhas com tatuagem e penso em colocar unhas de acrigel nos dedinhos (risos). A intensidade do braço mecânico é igual a da outra mão”, conta ela.

Por ser um acessório caro e sensível, a prótese não será usada por ela no Carnaval – Alessandra teme que chuva, por exemplo, danifique o item.

Aos poucos sua vida vai voltando ao normal. O noivado com Alessandro foi retomado e ela garante que esse ano o casamento sai.

Foi ao lado do noivo que a passista saiu pela primeira vez à rua após a amputação. A experiência não foi agradável, mas a fortaleceu.

Em um bar, ela viu duas mulheres rindo e imitando a sua situação. Alessandra foi até elas e confrontou:

“Falei que estava ali para agradecer porque era por causa de pessoas como elas, que me levantava todos os dias para lutar e correr atrás dos meus sonhos. Pessoas como elas me dão munição para levantar e sobreviver. Ainda avisei que tinham duas cervejas pagas para as duas e fui embora”, conta.

Hoje Alessandra se comunica com outras pessoas com deficiência para trocar experiência, partilhar conquistas e se apoiar na hora que algum desânimo bate.

“Tenho que agradecer a Deus todo dia por ter me deixado as pernas para continuar fazendo o que eu gosto, que é sambar. Também nunca perdi a fé, que me salvou em vários momentos. Agradeço muito pela minha mãe que falava para mim: ‘Minha filha, levanta! Não desiste, não perde seu sorriso lindo que a gente ama ver’”, diz ela que agora já vislumbra novamente em ser mãe.

“Meu sonho era ter um barrigão e a criança já ia nascer com roupa de passista! Mas aconteceu esse desastre todo e as pessoas diziam que eu podia adotar. Resisti um pouco, mas agora eu quero”, diz

“Vou adotar uma pretinha com o cabelo igual ao meu e colocar um monte de laço, vai ser a coisa mais linda do mundo“, diz ela lembrando sempre que “Gente é para brilhar” – tema dos ensaios de carnaval do gshow e inspirado em um dos versos do clássico de Caetano Veloso -, e que é espelho da vida, doce mistério.

PUBLICIDADE