A Universidade Federal de Rondônia (Unir) reviu a decisão de não efetivar a matrícula de uma professora indígena no curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural, conforme exigência do Ministério Público Federal (MPF). A instituição de ensino havia negado a matrícula da candidata, sob a alegação de que a documentação apresentada por ela estaria em desacordo com o previsto em edital. Em recomendação enviada à universidade, o MPF argumentou que, ao negar a matrícula, a Unir desconsiderou aspectos relativos à diversidade étnica e cultural dos povos indígenas.
Além disso, ponderou que a Administração pode e deve moderar o formalismo de seus atos, principalmente tendo em vista que, no caso concreto, a documentação apresentada pela candidata atendia à finalidade pretendida.
O curso de Licenciatura em Educação Básica Intercultural é oferecido pela Unir no campus de Ji-Paraná (RO), com o objetivo de formar e habilitar professores indígenas para lecionar nas escolas de ensino fundamental e médio, e atender à demanda das comunidades tradicionais. Fabriciana Aikanã já exerce o magistério indígena e foi aprovada em 8º lugar no vestibular.
Para garantir a matrícula, ela precisava apresentar cópia do RG e os últimos três contracheques anteriores à data final de inscrição no vestibular, a título de comprovação do exercício do magistério. Mas forneceu cópia de apenas um dos lados do RG e contracheques mais atuais dos que o exigido, o que gerou a negativa da matrícula.
Na recomendação, o MPF destacou que a documentação apresentada pela candidata cumpre os objetivos pretendidos, uma vez que não deixa dúvida sobre sua identificação e sobre o exercício do magistério indígena. A procuradora da República Caroline de Fátima Helpa lembrou também que, em se tratando de candidatos indígenas, a Administração deve adequar suas exigências, “uma vez que o acesso dos indígenas aos serviços prestados pelo Estado e a própria compreensão dos atos administrativos, muitas das vezes, distanciam-se do formalismo, porquanto suas práticas, em várias etnias, prestigiam a oralidade e a boa fé de seus atos”. Para ela, o indeferimento da matrícula da candidata indígena “evidencia possível desconsideração de sua diversidade étnica e social”.
A procuradora afirmou ainda que, segundo o Código de Processo Civil, é legítimo reconhecer a validade de um ato administrativo quando ele atinge a finalidade pretendida, mesmo que tenha sido praticado de forma diversa da exigida, como ocorreu no caso concreto. O MPF ressaltou que o acesso à educação é um direito de todos, garantido pela Constituição, e que as universidades, embora tenham autonomia, devem observar a legislação e seus princípios, a fim de não impedir o acesso a esse direito básico.
Diante do pedido do MPF e de recurso formulado pela própria candidata – que, em prazo posterior, apresentou a documentação conforme previsto em edital –, a Universidade reconsiderou sua decisão e aprovou a matrícula. O procedimento instaurado para acompanhar o caso foi arquivado.