Amigo de Lula e Chico Mendes, João Maia ajudou a fundar o PT no Acre e deixou legado na política

Amigo do atual presidente, ex-deputado foi fundador do PT e ajudou a organizar sindicato dos trabalhadores no Acre desde os anos de 1970

O ex-deputado federal João Maia da Silva Filho, natural da cidade de Santa Branca, interior de São Paulo, falecido na tarde desta sexta-feira (1) os 82 anos, em Rio Branco (AC), era amigo pessoal do presidente Luiz Inácio lula da Silva, que deve emitir nota de pesar pelo falecimento, assim como já fez em relação a outros amigos locais já falecidos. Ambos se conheceram nos anos de 1970, meio que por acaso, segundo contou Lula quando exercia seu primeiro mandato, durante a inauguração do Hospital da Criança, em Rio Branco, durante o segundo mandato do então governador Jorge Viana. 

ENTENDA: Morre o ex-deputado federal João Maia, aos 82 anos, em Rio Branco

De acordo com o presidente, num dia qualquer do final dos anos de 1970, ele dava expediente na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, quando a secretária veio avisar que haviam, na sala de espera, dois homens querendo falar com ele, Lula, sobre o PT, que estava em vias de ser fundado. Escaldado com fatos não tão longe para ser esquecidos, quando fora preso com base na lei de segurança nacional aplicada pelo regime militar sob a acusação de que fazer política partidária dentro do sindicato era proibido e criminalizado pelo regime militar, Lula recebeu aos dois homens mas foi logo avisando:

– Política, aqui dentro do Sindicato, não! Vamos lá para o Bar do Gordo.

A reprodução da declaração é feita pelo que disse Lula naquele discurso na inauguração do Hospital da Criança. Os dois homens, trajando roupas estranhas e óculos escuros Rayban no estilo aviador e também muito usados pelos agentes da comunidade de repressão que espionavam sindicalistas e outros adversários do regime, todos foram para o Bar do Gordo, que ficava na mesma quadra da sede do Sindicato.

Ali, entre torresmo, linguiça e cachaça, Lula fica então sabendo que aqueles dois homens à primeira vista suspeitos eram, na verdade, João Maia e Chico Mendes, o primeiro delegado no Acre da Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura) e o segundo, vereador pelo MDB de Xapuri, ambos interessados em fundar o PT no Acre. Ficaram amigos desde então.

Em fevereiro de 1980, Lula anunciava então a criação formal de um Partido de esquerda cuja base de atuação era os sindicatos e a organização dos trabalhadores, do campo e da cidade. No longínquo e desconhecido Acre, a direção do PT recém-fundado como a grande novidade política daquele período ficava a cargo de João Maia, Chico Mendes, Wilson Pinheiro de Souza, do advogado Arquelau de Castro Melo e dos funcionários da Contag Elson Santiago (que seria deputado estadual por seis vezes, por partidos diversos) e seu irmão Carlinhos Santiago (ex-vereador em Rio Branco).

Haveria ainda outros fundadores: Osmarino Amâncio, em Brasiléia, Abrahim Farhat em Rio Branco, e outros – todos prontos para disputar às eleições gerais daquele ano, que ainda não teria eleição direta para presidente da República.

João Maia é ex-deputado federal/Foto: Reprodução

João Maia dirige o PT no Acre desde a fundação, em 1980, e vai até 1985. É ele o principal organizador do ato público na missa de 7º Dia da morte do sindicalista Wilson Pinheiro, assassinado dentro da sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, ao qual compareceu Lula e toda a direção nacional petista daquela época.

Sobre a carroceria de um caminhão atravessado na rua próxima à sede do sindicato onde Wilson foi assassinado, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e principal liderança do PT que estava nascendo, barbas negras como uma graúna e cabelos volumosos, encaracolados e rebeldes sob o vento tropical na fronteira, o qual ainda não havia incorporado o apelido Lula como sobrenome e que certamente nem de longe sonhava chegar um dia à presidência da República, faz provavelmente o mais duro discurso de sua vida:

– Estou cansado de rodar esse país participando de atos como este, de enterro ou de sétimo dia de companheiros mortos pela brutalidade deste regime e pela ganância do capital que contrava pistoleiros para matá-los como mataram nosso companheiro Wilson Pinheiro. Eu penso que já passa da hora da onça beber água.

Hora da onça beber água. Uma frase típica de seringueiros sobre a armadilha usada para matar o maior felino daquelas matas. O seringueiro descobre onde o animal costuma beber água e fica de tocaiva para ceifá-lo com um tiro certeiro. A frase deve ter sido ensinada a Lula por aqueles dias pelos seringueiros locais. 

João Maia morreu nesta sexta-feira (1)/Foto: Reprodução

Mais que uma frase, foi uma senha de vingança: mal Lula e a cúpula nacional do PT deixava a acanhada cidade de Brasiléia, o mesmo caminhão que deveria deixar seringueiros e outros participantes do ato alusivo à missa de 7º dia do sindicalista assassinado, é atravessado na estrada de acesso à cidade de Assis Brasil, por onde deveria passar o capataz de fazenda Nilvo Sérgio de Olviira, conhecido por “Nilão” em alusão a seu corpanzil avantajado em relação à estatura mediana dos homens que passariam a ser seus carrascos a partir dali. “Nilão” era suspeito de ser um dos mandantes ou senão o principal interessado na morte de Wilson Pinheiro. 

Dada ordem de parada na caminhonete que ele dirigia, a partir dali travou-se uma longa discussão. “Nilão” negava envolvimento na morte do sindicalista, mas havia quem o acusasse diretamente., “Nilão”  sugere que o prendam mas o deixem com vida, entregando-o às autoridades em Brasiléia. Um dos participantes do grupo, cerca de 50 homens, diz que não. 

– Ele tem dinheiro e poder. Vai fugir, esse ‘fi dum’a’ égua.

Dito isso, com o homem de mãos atadas, todos atiram. “Nilão” tomba morto com mais de 50 tiros. “Difícil foi saber quem não atirou”, disse um dos participantes durante julgamento dos acusados em 2001, na mesma Brasiléia de poucas almas. Entre os espectadores na acanhada sede do tribunal do júri de Brasiléia, presidido pela então juíza Solange Fagundes, um espectador ilustre: Luiz Inácio Lula da Silva, que ali estava já se preparando para ser eleito presidente em seu primeiro mandato. Todos os acusados foram absolvidos. 

Não por acaso, todos os que estiveram sobre aquele caminhão no ato público quando foi dita aquela frase emblemática, João Maia, Lula, Chico Mendes – todos foram presos e indiciados com base na Lei de Segurança Nacional.

Os laços entre Lula e João Maia cada vez mais iam se fortalecendo. Mas, em 1988, quando Lula voltou ao Acre para o enterro de Chico Mendes, já como potencial candidato à presidência da República, que perderia para Fernando Collor de Mello, dois anos depois, João Maia, já estava noutra. O João Maia que dormia no chão nas casas dos seringueiros que visitava e que fumava cigarro de palha em seguidas palestras sobre o futuro político do país, cederá lugar a quem de fato ele era: filósofo, formado em 1962 na Universidade de Montreal, no Canadá, ex-gerente da Cooperativa Agrária dos Trabalhadores e ex-professor da Escola Técnica em Cabo de Santo Agostinho, onde concluiu o curso de Habitação Rural pela Organização dos Estados Americanos.

Chegou ao Acre em 1974. Após percorrer o Acre ao lado de Chico Mendes, como  um dos fundadores do PT no Acre até meados de 1980,  desligou-se do petismo com a chegada da Nova República de José Sarney, ingressando  no MDB. Assim, foi  nomeado diretor-adjunto do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em Rio Branco afastando-se do cargo para disputar as eleições de 1986, quando ficou como primeiro suplente de deputado federal. Assumiu  o mandato por dois anos, quando o então deputado federal Wildy Viana se afasta do cargo para ser secretário de agricultura do governo Flaviano Melo. Eleito deputado federal em 1990, votou pelo impeachment de Fernando Collor em 1992 ,sendo reeleito pelo PP em 1994, migrando para o PSDB e depois para o PFL no curso do mandato.

O ano de 1997 vai encontrar o fundador do petismo acreano no mandato de deputado federal no PFL e como um dos parlamentares que mais trocou de sigla no parlamento brasileiro, perdendo apenas para um então desconhecido Jair Bolsonaro. 

Em nível nacional, as forças políticas buscavam meios de aprovar uma emenda constitucional que permitisse o instituto da reeleição para os cargos no Executivo (presidente, prefeitos e governadores). Valia tudo, dizia-se à boca pequena: inclusive comprar deputados para que aprovasse a emenda que beneficiaria diretamente ao então presidente Fernando Henrique Cardoso.

João Maia, assim como outros quatros deputados do Acre e um sem número de todo o país, teria sido vendido ao preço de R$ 200 mil, dizia o jornal “Folha de S. Paulo”, com base em gravações clandestinas executadas por um certo “Senhor X”. Foi forçado a renunciar ao mandato em 21 de maio de 1997, sob a acusação de receber dinheiro para votar a favor da Emenda da Reeleição e retirou-se da vida pública, sendo substituído na Câmara dos Deputados por Emílio Assmar. Foram citados no caso os deputados federais Chicão Brígido, Zila Bezerra e Ronivon Santiago, sendo que este último também renunciou.

Anos depois, o ex-deputado dá entrada numa clínica de Brasília para remover um pequeno sinal no rosto e saiu de lá, dias depois, sem voz. Não conseguia sequer atender as ligações de seu amigo Lua, que o ligava com frequência a uma pequena fazenda nos arredores de Senador Guiomard, interior do Acre, estando ele com ou sem mandatos. 

Foi da fazenda, sem voz e sem poder, que há pelo menos duas semanas, João Maia saiu para um hospital em Rio Branco, no qual faleceu nesta sexta-feira (1), encerrando mais um ciclo da história e de personagens marcantes da política no Acre.

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