Considerada o “berço” da Revolução Acreana, por onde Plácido de Castro teria iniciado o levante armado de brasileiros que expulsou os bolivianos da região, Xapuri, que faz aniversário neste 22 de março (sexta-feira). Não é mais só uma cidade histórica do interior do Acre. É também mundialmente conhecida por ter sido dali, de suas ruas estreitas e de casas acanhadas, que surgiu o maior movimento de trabalhadores do mundo sob a liderança do sindicalista Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, que eclodiria num movimento até então inédito no país pela preservação das florestas e do meio ambiente, no início dos anos de 1980.
Além de berço da Revolução Acreana e cidade de nascimento de Chico Mendes, Xapuri também passou a ser identificada historicamente como símbolo do Movimento Ambientalista Mundial, porque ali também foi assassinado o seringueiro e líder sindical que viveu toda a sua vida na cidade, morto a tiros em 22 de dezembro de 1988.
E quando se aponta os filhos ilustres da cidade, além de Chico Mendes, são listados o político Jarbas Passarinho, nascido em Xapuri, mas que fez carreira no Pará; o médico Adib Jatene, que ficou mundialmente famoso como cirurgião cardíaco, a partir de São Paulo; a cantora Nazaré Pereira, radicada na França e que ano passado revisitou sus raízes na cidade, e ainda o jornalista Armando Nogueira, fundador do Jornal Nacional da Rede Globo, um dos maiores ícones da comunicação no Brasil.
Os primeiros habitantes da região foram os indígenas das tribos dos Xapurys, que dão nome a cidade. Haviam também Indígenas das tribos Catianas e Moneteris. A excursão de Manuel Urbano da Encarnação à foz do rio Xapuri, em 1861, foi o início da colonização da região. As terras, onde atualmente se localiza a cidade, eram de propriedade do cearense Manuel Raimundo, seringalista que chegou à região durante o Ciclo da Borracha. Os seringais da região do atual município de Xapuri eram os mais produtivos do planeta, fazendo com que a região se tornasse a principal referência (em termos sociais, culturais e econômicos do Acre, em outras regiões do país e também do mundo.
Xapuri nasceu em 1883, logo após a fundação de ‘Volta da Empreza’, que hoje é a cidade de Rio Branco. Os primeiros brasileiros e europeus chegaram à região no primeiro Ciclo da borracha, um período de ocupação descontrolada de terras e extração de recursos florestais. A vila de Xapuri no Acre se tornou um dos principais postos de comércio de borracha, da qual a região era um importante produtor, e Castanha do Acre. Até a Revolução Acreana, de 1899 a 1903, o Acre fazia parte da Bolívia, embora a maioria dos novos colonos fossem brasileiros. Na época da Guerra do Acre, os bolivianos chamavam o local de Mariscal Sucre e por conta desta simbologia, o coronel José Plácido de Castro, ao iniciar o levante armado para tomar o Acre dos bolivianos, atacou primeiro a Vila de Xapuri, como era chamada pelos brasileiros.
A importância comercial da pequena Vila fez com que a região fosse palco de intensos entraves com a Bolívia. É que, pelo Tratado de Ayacucho, a Bolívia era o país dono das terras do Acre e os moradores que ali habitavam, sendo grande parte composta por brasileiros oriundos do Nordeste, não se sentiam à vontade para se submeterem aos ditames das leis bolivianas. A Bolívia exigia a saída dos moradores, e passou a enviar tropas para ocupar a região. Em 1902, a região de Xapuri passou a ser integrada ao Território das Colônias, sendo ocupada por autoridades bolivianas, a contragosto da população local.
Com o domínio da região e o acordo feito pela Bolívia com um sindicato americano, o Bolivian Syndicate, os habitantes começaram uma revolta contra a Bolívia, sob o comando do militar gaúcho José Plácido de Castro. Plácido e seus homens atacaram a Intendência Boliviana de Xapuri no dia 6 de Agosto de 1902, derrotando as autoridades e exército boliviano, proclamando o Estado Independente do Acre. Era o início da Revolução Acreana, que só terminaria quando o Exército Acreano dominaria a Intendência Boliviana na cidade de Puerto Alonso, atual Porto Acre.
Durante a Revolução Acreana (Agosto de 1902 – Janeiro de 1903), Xapuri teve um papel de destaque, pois a vila era o principal reduto do Exército Acreano, formado por seringueiros e ex-combatentes na Revolução Federalista, liderados por Plácido. Era a partir da Vila Xapuri que Plácido e seus homens se dirigiam às demais Intendências Bolivianas instaladas na região. A vila também foi palco de intensos combates entre o Exército Boliviano e o Exército Acreano.
No início de 1902, José Plácido de Castro aceitou um convite para liderar uma revolta contra a Bolívia; Embora ele tenha argumentado para atacar imediatamente a guarnição de 230 soldados em Puerto Alonso (atual Porto Acre), Plácido de Castro foi persuadido a primeiro assumir o posto avançado em Xapuri. Ele entrou em Xapuri com 33 homens no início da manhã de 6 de agosto de 1902 e capturou a guarnição boliviana adormecida sem derramar sangue.
Em 7 de agosto de 1902, emitiu um manifesto proclamando que o Acre era independente. Após mais combates, as últimas forças bolivianas se renderam no que agora é Porto Acre, em 24 de janeiro de 1903. Em 22 de março de 1905, Xapuri foi elevada ao status de cidade pelo prefeito interino Capitão Odilon Pratagi Brasiliense. Xapuri foi oficialmente transformada em município em 23 de outubro de 1912. Logo, a infraestrutura foi construída, incluindo casas comerciais e escolas. Por muitos anos, Xapuri era conhecida como a Princesinha do Acre, devido a sua grande riqueza em borracha.
Em Abril de 1903, Xapuri se tornou Capital do Acre Meridional. Após a Revolução Acreana, Xapuri passou por anos “dourados”. Na época movida e dirigida por famílias de comerciantes de origem sírio-libanesa, assim como em Rio Branco, o município esbanjava luxo no pequeno centro urbano, e ocultava a situação de miséria social a que eram submetidas às famílias que moravam no interior da floresta, extraindo o látex.
A partir da década de 1970, o município voltou a chamar atenção. Por conta da queda do preço da borracha e da abertura da região para a agricultura e pecuária pelo governo militar, muitos seringais foram vendidos para fazendeiros, oriundos principalmente do Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul. Os fazendeiros ordenavam a saída das famílias de suas colocações e, na maioria dos casos, usavam da força para isso, destruindo as casas e deixando os moradores ao relento.
Além disso, os fazendeiros começavam a destruir a floresta, tirando, além das casas, o trabalho e o sustento das famílias seringueiras. Começou um conflito entre os seringueiros, indígenas, os quais, depois, passaram a ser conhecidos como Povos da Floresta, e sindicalistas contra os fazendeiros que ali chegavam. Nesses conflitos, muitos sindicalistas importantes, como Wilson Pinheiro, em Brasileia, foram assassinados e os crimes de seus assassinos ficaram para sempre impunes.
Ao redor dos conflitos destaca-se o nome de Chico Mendes, seringueiro, e que depois se tornou líder sindical, político e ambientalista. Chico Mendes organizou movimentos pacíficos contra a destruição da Floresta Amazônica e a favor dos direitos dos Povos da Floresta. Chico Mendes organizou debates e palestras para discutir a situação da região, além de ter feito inúmeras denúncias contra a forma com que os fazendeiros e o governo brasileiro estavam tratando a Amazônia.
Sua luta passou a ser acompanhada e reconhecida por ambientalistas e ONGs em defesa do Meio Ambiente, culminando no Prêmio Global 500, oferecido pela ONU. Entre as ideias e conquistas de Chico Mendes estão as Reservas Extrativistas e Reservas Indígenas, criadas a partir da década de 70. As conquistas de Chico e as suas repercussões ao redor do mundo passaram a incomodar os fazendeiros e autoridades do Acre e do Brasil, fazendo com que Chico recebesse inúmeras ameaças de morte, chegando ao seu assassinato em 22 de dezembro 1988. Apesar de sua morte, Chico Mendes deixou um legado importantíssimo na história do movimento ecológico mundial.
Mudanças no cenário político municipal ocorreram após a morte de Chico Mendes em 1988, e alguns de seus companheiros foram eleitos para cargos do legislativo e executivo, tanto no município de Xapuri quanto no Estado do Acre.
A economia da cidade é basicamente voltada para o setor primário e a pecuária, destacando-se o extrativismo vegetal. A borracha e a castanha ainda são os principais produtos do município. Atualmente a cidade vive uma tendência para a industrialização de produtos da floresta (borracha, castanha e madeira). Em 2008 foi criada na cidade a primeira fábrica de preservativos naturais do planeta, a Natex, que utiliza a borracha natural retirada das reservas extrativistas da região para a fabricação dos preservativos. Há incidência também de gipsita, matéria prima do gesso e do giz. O empreendimento, no entanto, não foi á frente e a Natex está atualmente fechada.