Comunidade acadêmica da UNIR suspeita de contratação de totens de monitoramento

Altos valores envolvidos, processo de contratação sigiloso e dispensa de licitação são motivos de suspeita

Uma contratação tem chamado a atenção de parte da comunidade acadêmica da Universidade Federal de Rondônia (Unir). Com desconhecimento de técnicos, estudantes e professores, a administração superior da universidade abriu um processo (nº 21118.006845/2023-91) que tem por objeto a contratação de “Serviços de sistemas de repressão, monitoramento e atendimento a emergências”, conhecido como “totem de monitoramento” ou “posto eletrônico de segurança”.

Aberto às pressas no último mês de dezembro, no apagar das luzes do ano fiscal de 2023, as suspeitas foram levantadas por conta da autodeclarada inexigibilidade – dispensa de licitação com exclusividade da empresa contratada. Existem várias empresas que prestam esse tipo de serviço e, no caso da Unir, a inexigibilidade foi declarada pela própria empresa agraciada com o contrato, a Helper Tecnologia de Segurança S/A, dispensando, dessa forma, a licitação com ampla concorrência.

Alunos e professores suspeitam da contratação de totens espalhados pelos campi/Foto: Reprodução

Há mais pontos obscuros no contrato, dentre eles os altos valores envolvidos. São R$ 8,17 milhões de custo para a Unir por um contrato de locação para dois anos, ou seja, a universidade não está adquirindo os equipamentos. São 18 totens, câmaras, central de monitoramento e serviços de instalação. O valor não considera o pessoal que vai atuar no monitoramento – até o Estado de Rondônia está com dificuldades para resolver essa questão e está ofertando ajuda de custo no valor de R$ 60,00/dia para recrutar voluntários para o serviço.

O estudo preliminar para a contratação apresenta matriz de gerenciamento de risco que aponta quantidade subestimada de equipamentos de monitoramento, o que pode levar à ineficiência da contratação. Em outras palavras, haverão muitos pontos cegos. A Unir pode estar enterrando R$ 8 milhões na locação de um sistema que poderá ser ineficiente, não atendendo as demandas da universidade.

HISTÓRICO

A contratação dos totens pela Unir tem por objetivo atender a recomendação do Ministério Público Federal (MPF) para melhorar a segurança no campus de Porto Velho. Estão sendo colocados em todos os campi e na Unir Centro, alguns em locais totalmente deserto e escuro (não vai captar imagem) e próximo a guaritas onde têm segurança armada e câmeras de monitoramento da própria Unir (casos dos campi de Porto Velho e Rolim de Moura).

Na Unir Centro foi colocado um totem a 300 metros de um outro de propriedade do Governo do Estado. Inútil, já que um equipamento monitora até um quilômetro num ângulo de 360 graus. Além disso, a parte administrativa da Unir que atualmente funciona na unidade do centro está sendo transferida para o campus de Porto Velho, o que reforça a tese de que o equipamento será ineficiente para a proteção da comunidade acadêmica. Como se fosse pouco, a Unir Centro já tem até câmara de reconhecimento facial.

Docentes não têm acesso ao processo, que é mantido em sigilo no sistema SEI. Conselheiros dos Conselhos Superiores da Unir, principalmente do CONSAD – Conselho Superior de Administração –, igualmente não têm acesso. Documentos obtidos pela reportagem dão conta de que a Unir apresentou estudo técnico que direcionou o negócio para a Helper.

O que diferencia o serviço prestado pela Helper é o termo “sistema de repressão”, pois ela é a única que dispõe desse item e, curiosamente, foi exigência da Unir, o que direcionou a demanda para essa única concorrente. Em tempo: não está claro como vai funcionar o sistema de repressão. “Será que a empresa vai fornecer pessoal para fazer essa repressão?”, questiona, sob anonimato, um professor da Unir.

A Unir já tem segurança armada em todos campi e possui câmeras de monitoramento no campus da Capital. A demanda por mais segurança surgiu por conta de alguns sinistros surgidos em 2023 (três casos de pertubação e assédio de homens em banheiros femininos), eventos que ocorreram devido ao vazio no campus. Não foi feito estudos de alternativas mais vantajosas para a Unir. No estudo técnico preliminar ao qual a reportagem teve acesso, consta levantamento de alinhamento da contratação aos planos estratégicos. Um dos alinhamentos diz que a contratação vai diminuir custos operacionais com uso de tecnologia, mas não demonstra de onde virá essa redução. Não se sabe se será reduzido o contrato de segurança humana.

Sob sigilo no SEI, mesmo com pedido dos conselheiros do CONSAD a administração superior da Unir não forneceu documentos solicitados – fundamental para o processo de fiscalização, controle social e transparência. “É sobretudo importante ter conhecimento da carta de exclusividade apresentada para fundamentar a inexigibilidade e se essa carta foi emitida pela própria empresa (autodeclaração de que só ela pode fornecer o serviço) ou se foi apresentada por uma entidade representativa do segmento. Nem o órgão de patentes reconheceu isso. Algumas contratações da empresa estão sob litígio por esse motivo”, disse o professor da Unir e conselheiro do CONSAD, Erasmo Moreira de Carvalho.

HELPER

Uma busca na internet demonstra que a HELPER é protagonista de uma série de negócios obscuros que, não raro, vão parar nos tribunais – de norte a sul do país. Onde houve licitação no Brasil, a Helper não ganhou.

O fato é que uma pesquisa rápida de internet revela que, em vários municípios, estados e órgãos públicos federais onde ocorrem licitação, a Helper perdeu. A empresa só se garante mesmo em certames onde se é declarado a inexigibilidade, ou seja, onde ela não encontra concorrência. Outra curiosidade do contrato celebrado pela Unir é que o Estado de Rondônia comprou os equipamentos por valor inferior aos pagos pela Unir pelo aluguel – R$ 169 mil a aquisição pelo Estado, R$ 170 mil o aluguel pago pela universidade.

Ou seja: O Governo do Estado pagou por um produto que vai ter utilidade por tempo indeterminado enquanto a UNIR locou o equipamento pelo mesmo valor da compra efetuada pelo Estado, em um contrato de dois anos que pode ser estendido por até dez anos aluguel mensal, o que classifica o contrato como suspeito.

INVERSÃO DE PRIORIDADES

Para o professor-doutor, João Gilberto, do campus de Jí-Paraná, um bom sistema de segurança pode ser importante para a Unir, porém, “com R$ 8 milhões dá para se construir duas moradias universitárias e refazer a caixa d’água que está caída no campus de Porto Velho. O fato é que com R$ 8 milhões dá para se comprar 30 mil câmeras de segurança de alta tecnologia, mais de 3,5 mil câmeras por campus. Falta na Unir uma política de permanência dos estudantes, o que faz com que a universidade registre alto número de evasão. Deve-se eleger prioridades e a primeira delas deve ser auxiliar os alunos para que eles fiquem na universidade e concluam suas graduações”.

No campus de Rolim de Moura, o professor-doutor Fernando Bihalva disse que os totens foram implantados durante o feriado de carnaval. “Fiquei sabendo dos valores envolvidos, um verdadeiro escândalo”, disse o docente. “O próprio termo do objeto (repressão) representa a continuidade da política do governo Bolsonaro na Unir – monitorar e vigiar professores e estudantes. Em Rolim temos biblioteca carente de livros, não tem restaurante universitário, auditório é uma tapera caindo aos pedações, estudantes do curso de graduação em Educação no Campo não têm moradia subsidiada, ou seja, esses valores seriam muito mais úteis para o pagamento de um aluguel social”

Para o professor-doutor, Jonas Cardoso, a aquisição açodada de equipamento de vigilância sem um estudo mais detalhado de sua viabilidade econômica e de logística demonstra uso de recurso público de forma ineficiente sem respeitar o princípio da eficiência e o princípio da economicidade. “Os totens estão sendo instalados em locais que, quando não são ermos, são instalados em locais que já tem vigilância apropriada. Isso indica que os custos a serem pagos com os serviços de monitoramento e manutenção estão muito acima de outros sistemas de vigilância disponíveis no mercado”, analisou. E completou Cardoso: “A Unir deve repensar os gastos e refazer o plano de segurança da Unir que reflita os anseios da comunidade e que tenham um custo que não onere o orçamento. Os valores a serem gastos com o contrato atual podem auxiliar na mitigação de outros problemas e demandam atenção especial por parte da gestão, como por exemplo, equipamentos e locais de trabalho para docentes e servidores técnicos, melhorar as condições logísticas dos estudantes que não tem um sistema de moradia e de transporte.

Já o professor Doutor, Otacília Moreira de Carvalho, opinou que os eventos ocorridos em 2023 que resultaram na demanda por maior segurança no Campus de Porto Velho decorreram do vazio humano que vem sofrendo a Unir por conta da inexistência de uma política mais efetiva de permanência de alunos na Instituição, como a falta de um Restaurante Universitário, que até hoje não foi inaugurado, e pelos problemas de estrutura: salas com falta de carteiras ou com carteiras quebradas, com aparelhos de ar condicionado quebrados e sem funcionar devido às instalações elétricas, prédios sucateados, além de outros problemas, como o transporte de alunos da cidade ao campus. “Não temos dúvidas que a forte presença da comunidade acadêmica nos campi da Unir inibe qualquer tipo de evento que venha demandar segurança. É preciso investir em políticas que promova a permanência de alunos na universidade. Atualmente, com a Política de Gestão de Desempenho, percebe-se a ausência e o vazio de servidores no Campus de Porto Velho”.

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