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Dia da Água: como as enchentes podem contaminar o líquido mais precioso e afetar a saúde

Por Vitor Paiva, ContilNet

O estado do Acre enfrentou uma de suas piores enchentes desde que as medições são feitas pela Defesa Civil, em 1971. A elevação nos níveis do rio já traz grandes problemas para aqueles atingidos, mas muitos dos problemas surgem apenas após a descida das águas.

Normalmente, o que se pensa é que os maiores problemas irão surgir com desbarrancamentos em áreas mais sensíveis ou com a sujeira deixada para trás, entretanto, o que muitos esquecem é de como as águas são afetadas e como o contato com ela pode agir na saúde das pessoas.

O doutor em geografia, Alexsande Franco, realiza pesquisas em segurança hídrica e gestão de recursos hídricos e explicou alguns efeitos negativos para o próprio rio, ao passar pela enchente.

“As enchentes elas vão sim influenciar a qualidade da água de forma negativa, quando as águas sobem encontram ruas, calçadas, quintais, muitas vezes com lixo, fezes de animais, invadem fossas, e todo esse material vai contaminar as águas”.

O pesquisador reforça ainda que, pelo estado do Acre estar localizado em uma região amazônica, é comum a população ter poços em casa, e que estes devem ser tratados com cuidado após os níveis do rio retrocederem, já que as águas presentes neles se contaminam e se tornam, muitas vezes inutilizadas, podendo trazer consequências à saúde.

É necessário ter cuidado com o retorno as casas após o baixar das águas/ Foto: Acervo ContilNet

As doenças infecto contagiosas relacionadas à água, ou que, de alguma maneira, podem ser levadas a mais ambientes, por decorrência da enchente, são potencializadas, sendo, por exemplo, a leptospirose e a hepatite A são exemplos de doenças que podem ter aumento nos seus números após a baixa nos níveis, os animais peçonhentos também podem aparecer em maior número. Além disso, a qualidade das águas tanto para uso domestico, quanto para consumo, podem ser afetadas.

“O contato com as águas de enchentes pode trazer desde infecções de pele pois as mesmas estão contaminadas por águas de esgotos e detritos e se houverem pequenas fissuras e machucados na pele essas bactérias adentram e se multiplicam”,  explicou a dermatologista Camila Lima.

A médica reforça ainda que na região, é muito comum, que após incidentes como as enchentes,  doenças apareçam em maior quantidade, como a escabiose e leptospirose . “Algo muito comum após as enchentes também são as infestações por escabiose; a famosa ‘curuba’, que se dá por um ácaro. A escabiose ocorre pelo contato ou com superfícies infectadas pelo ácaro ou de pessoa pra pessoa devido lugares aglomerados como os abrigos por exemplo. Outra infecção bem comum pós-enchente é a leptospirose, que se dá pela contaminação da água pela urina dos ratos”, explica ela.

O doutor Franco afirma que os bairros atingidos ficam com a qualidade da água deteriorada e que pesquisa realizadas no laboratório de Hidrologia, Meio Ambiente e Geografia do Risco na Amazônia Sul-Ocidental apontam que o crescimento não ordenado da cidade está acarretando problemas sanitários que diminuem a qualidade da água.

“O crescimento da cidade, sem o planejamento de esgotamento sanitário contribui diretamente para que as águas subterrâneas sejam contaminadas, e isso contribui para a qualidade da água, também para aquela voltada ao consumo humano”, explica ele.

Outro apontamento feito é relativo aos gastos que os órgãos responsáveis podem ter para realizar o tratamento necessário no rio, já que, de acordo com o pesquisador, são rios jovens e devido a isso tem alta capacidade de carregar sedimentos, como areia e argila, por exemplo, o que dificulta o tratamento da água, sendo necessário utilizar mais produtos químicos durante o processo, aumentando assim os custos do procedimento.

O Rio Acre tem alta capacidade de levar muitos materiais o que dificulta mais ainda a limpeza após enchente/Foto: Vitor Paiva/ContilNet

“Nossa rede de distribuição de esgoto é muito antiga, é da década de 80, com muitos problemas estruturais, então existe a possibilidade de que as águas da enchente infiltrem e entrem no sistema de esgoto”, alerta ainda o doutor.

A ciência pesquisa os efeitos das alagações e o artigo científico “Enchentes e saúde pública – uma questão na literatura científica recente das causas, consequências e respostas para prevenção e mitigação” evidencia alguns dos maiores problemas causados pela elevação no nível das águas.

Em relação às causas naturais, as mais comuns são as mudanças climáticas, aquecimento global e chuvas intensas e localizadas, entretanto as ações humanas também têm impacto, como descarte inadequado de lixo, intensificação da agricultura, construções de barragens e hidrelétricas e o desmatamento e consequentemente a erosão do solo.

Já em relação às consequências, para além do grande custo financeiro aos cofres públicos, para restabelecer os locais atingidos, e também da população, que em casos mais extremos pode perder até mesmo sua moradia, estão os impactos ambientais da enchente.

Os principais problemas dentro deste aspecto são a contaminação biológica da água para consumo humano, contaminação química da água para consumo e uso nos solos, comprometimento da rede e fontes alternativas de abastecimento de água, dos serviços de coleta e tratamento de esgoto, de coleta e disposição do lixo e alteração nos ciclos de certas doenças. 

Camila Lima ainda deixa uma recomendação para aqueles que estão retornando para suas casas. “Após as enchentes, ao voltar pra casa, é importante lavar tudo com muita água potável, água sanitária e desinfetante, pois, após inundação, essas águas ricas em bactérias e fungos acabam deixando as paredes e móveis contaminados – o que pode causar coceiras na pele e infecções principalmente em idosos e crianças”.

É importante se atentar a limpeza dos locais antes de um retorno definito, a fim de evitar doenças/ Foto: Juan Diaz/ContilNet

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