O assassinato de Chico Mendes e o pistoleiro que virou político no PL

Ambientalista estava sob proteção de dois PMs, mas saiu de casa para tomar banho e foi surpreendido por assassino, que hoje se apresenta como Pastor Daniel

O seringueiro e ambientalista Francisco Alves Mendes Filho, conhecido como Chico Mendes, sabia que poderia ser assassinado a qualquer momento. Reconhecido mundialmente por sua luta para proteger a Floresta Amazônica, ele havia sido jurado de morte por fazendeiros enfurecidos. Meses antes de ser executado com um tiro de escopeta, em Xapuri, no Acre, o ativista pedira proteção do Estado. Mendes estava sob a escolta de dois policiais militares quando o crime aconteceu, em dezembro de 1988.

Seu assassino confesso, Darci Alves Pereira, de 21 anos, era filho de um grileiro de terras da região. Mais de 35 anos depois, o atirador, que hoje se apresenta como “Pastor Daniel”, ocupava a presidência do Partido Liberal (PL) em Medicilândia, no Pará, mas foi destituído do cargo nesta quarta-feira pelo presidente nacional do partido, Valdemar Costa Neto, após repercussão negativa.

Chico Mendes defendia sua classe de trabalhadores e a preservação da floresta. Talvez o maior legado dele seja a aliança entre seringueiros e indígenas, além de castanheiros, pequenos pescadores e outros moradores de comunidades ribeirinhas. Todos engajados em manter a vegetação local, da qual suas vidas dependem. O trabalho do ativista motivou a criação de reservas extrativistas, para colheita não predatória de matéria prima, aliando a subsistência local com a proteção ambiental.

Ambientalista Chico Mendes foi morto em 1988 — Foto: Divulgação

Ambientalista Chico Mendes foi morto em 1988 — Foto: Divulgação

Seringueiro desde criança e sindicalista a partir do final dos anos 70, Chico Mendes liderou, em 1985, o Encontro Nacional dos Seringueiros. Foi no evento que começou a tomar forma a União dos Povos da Floresta, reunindo representantes de populações locais cuja existência depende da Amazônia. Logo, o ambientalista chamou atenção de organismos internacionais, denunciando a devastação da floresta à ONU, ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e ao Senado dos Estados Unidos.

As denúncias, somadas às desapropriações de terra para criar reservas extrativistas, provocaram a ira de fazendeiros, que viam no sindicalista um obstáculo para os negócios. Ainda em abril de 1988, após muitas ameaças, Chico Mendes solicitou escolta ao Estado e passou a contar com a guarda de dois policiais militares. Mas, mesmo assim, não se sentia seguro. No dia 9 de dezembro de 1988, durante um debate no Rio, ele passou o tempo todo falando sobre como sua vida estava em risco.

“Tenho medo até dos policiais que fazem minha segurança. O tiro pode partir de um deles”, disse o ativista ambiental. “Se adiantasse para alguma coisa a minha morte, eu não teria medo. Mas, na verdade, minha morte significa apenas menos um combatente em defesa da Amazônia”.

Darli e seu filho Darcy durante julgamento pelo assassinato de Chico Mendes — Foto: Mino Pedrosa/Agência O GLOBO

Darli e seu filho Darcy durante julgamento pelo assassinato de Chico Mendes — Foto: Mino Pedrosa/Agência O GLOBO

No dia 16 de dezembro daquele ano, o Centro de Informações da Polícia Militar chegou a comunicar Chico Mendes que já estava em Xapuri um pistoleiro enviado para matá-lo. O seringueiro estava na capital do Acre, Rio Branco, e foi seguido durante cinco dias por estranhos em um Voyage.

No dia 22 de dezembro de 1988, o ambientalista estava na sua casa, em Xapuri, a 180 quilômetros de Rio Branco, com sua mulher, Ilzamar, e os dois PMs que faziam a segurança dele. Às18h30 daquela quinta-feira, o ativista saiu com uma lanterna para uma chuveirada no banheiro, a poucos metros da residência. Foi então que Darci Alves Pereira se aproximou, disparou contra ele e fugiu. Chico ainda foi levado a um hospital, mas já chegou morto à unidade. Ele tinha 44 anos e deixou dois filhos.

Quatro dias após o crime, Darci Alves Pereira se entregou à polícia e confessou o crime. Ele foi preso na casa do pai, o fazendeiro Darly Alves, várias vezes denunciado por Chico como um homem violento e disposto a tudo. O proprietário de terra foi condenado como mandante do assassinato. Em 1990, ele e o filho foram sentenciados a 19 anos de prisão.

Protesto em Xapuri depois da morte de Chico Mendes, em 1988 — Foto: Josemar Gonçalves/Agência O GLOBO

Protesto em Xapuri depois da morte de Chico Mendes, em 1988 — Foto: Josemar Gonçalves/Agência O GLOBO

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