Espionagem do Facebook: como a Meta pode ter usado um VPN para comprar e ‘clonar’ rivais

Um executivo citou via email que, naquela época, a ideia era pegar "dados analíticos valiosos" porque a empresa "estava tentando construir um clone do Snapchat"

Uma grande parte das decisões estratégicas tomadas nos últimos anos pela Meta, a dona do Facebook, envolveu um polêmico aplicativo espião.

Documentos divulgados como parte de uma ação judicial em andamento revelaram como a empresa de Mark Zuckerberg estudava os passos de concorrentes.

O serviço era de conhecimento de executivos de alto escalão da companhia e elogiado pela capacidade de fornecer dados precisos sobre a popularidade desses rivais, além de como consumidores utilizavam os apps. Os serviços que passaram pela avaliação da marca incluem YouTube, Snapchat, WhatsApp e Amazon.

O problema? Em nenhum momento, a Meta publicamente detalhou as capacidades de análises de dados do Onavo — e nem que ele era capaz de rastrear hábitos de consumo de usuários.

As múltiplas personalidades do Onavo

O Onavo nasceu em 2010 como uma série de ferramentas para dispositivos móveis. A empresa foi criada por dois empreendedores israelenses, Roi Tiger e Guy Rosen, oferecendo serviços como uma rede virtual privada (VPN) gratuita e a análise de tráfego da sua rede para economizar dados móveis.

Além disso, ele também era uma plataforma de análise de mercado, que usava dados coletados dos consumidores desses serviços para produzir relatórios sobre o consumo de aplicativos. Esse é o recurso que mais interessou o Facebook, que anunciou a compra do Onavo em 2013 por cerca de US$ 120 milhões.

Um ano antes, o serviço já estava na mira da dona do Facebook pelas capacidades de fazer a “engenharia reversa” em outros aplicativos. Em outras palavras, a ferramenta conseguia obter detalhes técnicos do funcionamento de plataformas digitais sem precisar de autorização, mas também sem realizar algum tipo de invasão.

De acordo com os documentos divulgados no processo, o Onavo foi peça chave na compra do WhatsApp em 2014 — foi ele quem relatou a ultrapassagem do Facebook Messenger pelo rival em popularidade, indicando que o serviço estava prestes a estourar no mercado.

Em 2016, o Onavo voltou a ser acionado pelo Facebook para outro tipo de tarefa. Desta vez, a mando do próprio Zuckerberg, o serviço deveria coletar “taxas de participação e uso do Snapchat” em determinadas atividades envolvendo as postagens temporárias.

Um executivo citou via email que, naquela época, a ideia era pegar “dados analíticos valiosos” porque a empresa “estava tentando construir um clone do Snapchat”. O resultado dessa tarefa não foi um novo aplicativo, mas os Stories — um recurso praticamente idêntico que fez o Instagram se consolidar ainda mais e tirar boa parte do tráfego da concorrente.

Escândalo não é o primeiro envolvendo privacidade e Facebook

O Onavo foi descontinuado oficialmente em 2019, mas o seu fim não teve relação com a espionagem de dados dos rivais. A empresa encerrou as atividades da divisão após o app ser retirado da App Store e ser acusado de pagar adolescentes para usar o programa enquanto eles tinham os dados coletados.

Anos antes, ele foi citado por Sheryl Sandberg, antiga gerente de operações da Meta, como “um presente que continua entregando”.

O atual COO, Javier Olivan, afirmou que ele é algo que ele não gostaria de ver conhecido e imitado por rivais, apesar de achar que não era ideal “publicamente se gabar” da sua existência.

Fora o processo envolvendo o Onavo, que envolve a acusação de monopólio da Meta no setor de anúncios, o Facebook já esteve envolvido em outros casos marcados pela coleta ou comercialização de dados.

Em 2014, uma empresa de análise de mercado chamada Cambridge Analytica coletou dados de perfis de milhões de pessoas de forma inadequada para direcionar propaganda política personalizada a esses usuários.

Anos depois, quando o caso explodiu e resultou na falência da empresa, foi revelado que mais de 87 milhões de membros foram atingidos pelo escândalo — a maior parte delas moradoras dos Estados Unidos.

Em relação ao app espião, a Meta não comentou a divulgação dos emails, mas afirmou ao site Gizmodo que as acusações do processo são “sem fundamento” e que o assunto não é novidade, pois foi reportado pela imprensa na época.

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