O site Repórter Brasil publicou nesta segunda-feira, uma reportagem especial para fazer a apuração do caso do fazendeiro José Carlos Bronca (71), conhecido na Amazônia e região, que está sendo acusado de “grilar” (lotear ou registrar terra pública sem autorização de órgão competente) e desmatar área pública no Sul do Amazonas, explicando o caso e como funcionam estes esquemas de fachada que dificultam a responsabilização de infratores.
Uma fazenda chamada Nova Liberdade, situada na Gleba João Bento (gleba é um terreno que não foi objeto de parcelamento aprovado ou regularizado e registrado em cartório), ou seja, um terreno público que fica entre Porto Velho/RO e Rio Branco AC, onde encontram-se os maiores índices de desmatamento da Amazônia. Entre 2016 e 2019, o Ibama emitiu multas no valor de R$ 28,7 milhões por desmates que, somados, totalizam 5,3 mil hectares nesta fazenda.
A gleba João Bento é um dos alvos mais fáceis dos grileiros, porque ela ainda não tem um uso definido pelo governo, não é nem área indígena, nem unidade de conservação, estando mais vulnerável a invasões. Há inclusive indícios de existência de indígenas isolados, e já perdeu quase metade de sua cobertura florestal original, segundo o Greenpeace.
“É um verdadeiro faroeste”, observa Humberto de Aguiar Júnior, promotor do Ministério Público do Acre, referindo-se às frequentes disputas de terra na região, muitas das quais culminam em tiroteios. “Às vezes, seis pessoas alegam ser proprietárias da mesma área”, completa.
Uma equipe do órgão ambiental flagrou vários homens desmatando a floresta com motosserras dentro da Nova Liberdade. Eles confirmaram que a área pertencia ao “Sr. Bronca”. Autoridades da República tentam responsabilizá-lo por desmatamento ilegal em Lábrea, no sul Amazonas. No papel, a fazenda teve sua área dividida em várias parcelas menores, que foram registradas no Cadastro Ambiental Rural em nome parentes ou empregados do proprietário, o que sugere o uso de “laranjas”.
Pessoas humildes que não tem noção das consequêcias, são as chamadas laranjas, e são a estratégia adotada pelos grileiros para burlar leis de regularização fundiária e se proteger de processos judiciais, prisão e multas ambientais, o que é bastante comum na Amazônia, segundo as autoridades, e é um grande obstáculo nas investigações. As infrações nunca são pagas pois os laranjas geralmente não têm dinheiro.
O método, semelhante ao do maior desmatador da Amazônia apontado pelas autoridades, Bruno Heller, que foi alvo de uma operação da Polícia Federal em agosto de 2023, indica que ambos supostamente falsificaram registros de terras no âmbito do Cadastro Ambiental Rural, segundo o inquérito policial.
Broca teve seus bens bloqueados e novas multas e embargos foram emitidos pelo Ibama em seu nome, porém ele enviou uma nota informando que nunca utilizou laranjas “para qualquer finalidade, muito menos para fraudar processo de regularização fundiária”. Já Bruno Heller se manifestou anteriormente sobre seu caso, em nota enviada à Repórter Brasil, onde seu advogado informou que a família “desde os anos 70 exerce a posse mansa, livre e pacífica da propriedade rural familiar situada no Estado do Pará”.
“Você vai procurar os bens que estão no nome do cidadão multado e não encontra nada”, explica César Guimarães, superintendente do IBAMA no estado de Rondônia.
Ainda em agosto de 2016, um funcionário de Bronca, Cheyenne Figueiredo de Souza, foi ao Ibama mostrar um contrato de compra da Nova Liberdade de Bronca em 2014, sendo o então responsável pelo desmatamento. Em 2023, o funcionário moveu uma ação pública contra seu ex-chefe, onde afirmou que o contrato foi assinado em um cartório no dia anterior à sua visita ao escritório do Ibama e “escancaradamente forjado com data retroativa”.
Em junho de 2018, dois anos após o primeiro flagrante, o trabalhador assumiria novamente uma multa pelo desmatamento de 691 hectares na mesma fazenda. “Se alguém apresenta um contrato de compra e venda firmado em cartório, eu tenho que basear meus atos neste documento”, observa César Guimarães, superintendente do Ibama em Rondônia, quando apresentado ao caso.
Os esforços de Bronca para burlar as multas ambientais foram intensos. Nenhum ativo, incluindo suas empresas, poderia ser mantido em seu nome e nenhum dinheiro poderia ser movimentado por ele. Para isso, ele usava cartões de crédito de seus parentes. “Nem mesmo um almoço era pago a partir da conta bancária do próprio Sr. José Carlos Bronca”, escreve o advogado de Souza em uma das peças processuais.
Bronca argumentou defesa de que o funcionário “jamais foi obrigado” a assinar o contrato de compra e venda do terreno. Curiosamente, ele também diz em outro trecho que é o verdadeiro proprietário da fazenda, confirmando, portanto, que o contrato teria sido simulado.
Na justiça, Souza pede uma indenização por ter sido usado como laranja, além de encargos trabalhistas, totalizando R$ 22 milhões. Uma primeira decisão, de dezembro de 2023, concedeu a Souza os direitos trabalhistas não pagos, mas não mencionou reparações relacionadas à acusação de ter sido usado como laranja. Ele recorreu. Procurado, Souza disse que não faria comentários. Bronca não comentou o processo trabalhista.
Documentos obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que entre 2021 e 2022 ele teve quatro reuniões com o Incra – duas delas foram com o presidente do órgão – para discutir o “georreferenciamento” e a “regularização fundiária da gleba João Bento”.
Descobrir quem é o verdadeiro desmatador por trás de laranjas não é tarefa fácil, isso por conta dos “trechos com possíveis atoleiros, enlameados e lisos, em razão da precariedade das estradas de terra”. Um oficial de justiça relatou que, para cumprir um mandado judicial, precisou ir até um ponto na estrada onde um parente de Bronca ajudava a desatolar um caminhão para notificá-lo sobre um processo.
A violência em muitas partes da Amazônia torna o trabalho ainda mais desafiador, explica o superintendente do Ibama no Acre, César Guimarães: “São lugares extremamente hostis. Preciso de dois policiais para cada agente. Porque se o agente chegar lá sozinho, ele será perseguido e linchado”.
Durante uma fiscalização do Ibama, quando um gerente da fazenda identificou Brocan como proprietário da Nova Liberdade e responsável por mais um desmatamento. Ele foi multado em R$ 10 milhões e teve seus bens bloqueados por um juiz. No ano seguinte, as autoridades começaram a rastrear possíveis laranjas, em uma investigação que segue em andamento.
Em abril de 2023, Bronca seria multado novamente. Desta vez, a conta foi de R$ 25,7 milhões por crimes ambientais, sem nenhuma fachada para assumir a culpa por ele.
O fato de que os parentes que alegavam ser os proprietários das terras trabalhavam em atividades completamente alheias à pecuária soou como um alarme para as autoridades. “Desde o início dessas apurações, o MPF sinalizou a possibilidade de José Carlos Bronca estar a utilizar-se de terceiros, laranjas, para ocultar a posse de áreas rurais no Município de Lábrea”, escreveu Ana Carolina Haliuc Bragança, procuradora federal do Amazonas, em agosto de 2022.
Íntegra da nota de José Carlos Bronca – enviada por meio de advogado
Eu, José Carlos Bronca declaro que estou atualmente com 71 anos de idade, com diversas sequelas da covid, inclusive debilitado e realizando tratamento médico. Declaro igualmente que nunca me utilizei de laranjas para qualquer finalidade, muito menos para fraudar processo de regularização fundiária. Quanto ao suposto descumprimento de embargo do IBAMA, informa que o departamento jurídico está tomando as providências perante o órgão ambiental competente.
Veja a reportagem no canal Repórter Brasil:‘Laranjas’ ou ‘testas de ferro’ encobrem crimes ambientais na Amazônia