Jornalista faz documentário sobre história de construção da Ponte Metálica, a 1ª obra de engenharia do Acre

Alcinete Damasceno mostra preocupação com as mudanças vivenciadas e defende a necessidade de mais produção para registrar a história de uma cidade em construção

Ela abriu caminho para a vida profissional, como jornalista, no final dos anos 80, início dos anos 90. Era uma repórter comprometida com pautas relacionadas à preservação do meio ambiente e à justiça social – ou à falta disso. 

O projeto de pesquisa foi financiado pelo Fundo Municipal de Cultural, através da FGB – Fundação Garibaldi Brasil/Foto: Cedida

O certo é que, aos 55 anos, mãe de dois filhos adolescentes, a jornalista Alcinete Damasceno, embora não tenha vínculo empregatício com empresas, continua em ação, agora atuando em outro campo da comunicação: a produção audiovisual.

Seu último trabalho é um documentário sobre a ponte metálica em Rio Branco, contando a saga de sua construção e tudo que envolvia um Acre e uma Rio Branco cujas populações, para cruzar o rio de um lado e outro da Capital, dependiam da catraia. 

O documentário “Ponte de Memória” mostra que a obra surgiu num momento em que o Acre mudava seu perfil econômico, com a falência dos seringais, razão pela qual os grandes navios cargueiros também diminuíram a frequência de suas viagens para a região. Isso, inclusive, fez com que o projeto original da ponte fosse alterado. O vão principal, que seria móvel, passou a ser fixo porque, já naquela época, faz mais de 50 anos, se concluiu que grandes navios não mais navegaram por ali. 

Alfredo Ribeiro (boné) trabalhou como apontador na ponte em 67, talvez o último trabalhador vivo. Começou a trabalha na ponte aos 17 anos/Foto: Cedida

Enfim, um documentário de 29 minutos, com entrevistas com pessoas que viveram a obra, como o comerciante João Batista Queiroz, o “Badate”, que passava por ali antes de a obra se iniciar e que hoje mantém uma casa comercial numa das cabeceiras da ponte. 

O documentário traz também depoimentos do historiador Marcus Vinicius Neves e de pessoas anônimas que testemunharam a feitura da ponte, inclusive quando ela ameaçou ruir ou chegou a ruir, posteriormente. Um trabalho de pesquisa aplicado com a marca da competência e da dedicação de Alcinete Damasceno. 

Por que a ideia de recontar a história da ponte metálica?

Alcinete Damasceno – Sempre tive interesse pelas  histórias do nosso Acre. Gosto de ouvir os moradores mais velhos falando sobre o passado, as lembranças de antigamente. É tudo muito cinematográfico – imagética e narrativamente. Acho a nossa história linda. A ideia de um documentário sobre a ponte metálica vinha sendo pensada faz algum tempo. A ponte é uma obra importante para o Acre. É um cartão-postal da nossa cidade. Foi o primeiro grande projeto arquitetônico e de engenharia construído em Rio Branco, a capital. Uma obra que transformou completamente a vida na cidade e marcou o começo de um novo tempo. O tempo do progresso. Em 1971, quando a ponte foi inaugurada no final do governo do Jorge Kalume, a economia do Acre já não era mais baseada apenas no extrativismo. Depois do Kalume entrou o governador Wanderley Dantas. Naquela época, houve bastante incentivo para que os sulistas viessem ocupar essas terras e abrir fazendas para criação de gado. Isso foi intensificado no governo do Dantinha. Começava a surgir no Acre uma nova economia. A borracha, que antes era o principal produto de exportação do Acre, não tinha mais tanto mercado lá fora. Da mesma forma, a castanha. 

Dona Gilcélia Rocha da Luz (segunda da esquerda para a direita) é filha do catraieiro mais antigo, José da Rocha, o qual cortou a fita na inauguração da ponte/Foto: Cedida

Com o documentário é possível retratar as dificuldades da vida no Acre numa época de tecnologia inferior à que temos hoje?

Alcinete Damasceno – Sim. Aos poucos, tudo foi mudando. Os seringais foram sendo abandonados e transformados em pastos de boi. E essa ponte é um marco histórico nessa transição. Simboliza essa mudança dos tempos no Acre. Podemos datar o que mudou a partir da construção dela. Inclusive a paisagem geográfica, cultural, comercial e social. Na verdade tudo mudou com a construção da ponte metálica, ainda que pouco tempo depois uma nova ponte – a de concreto (Coronel Sebastião Dantas) também fora construída nas proximidades. O documentário explorou um pouco da história do Acre a partir dessa obra de arte especial que é a Ponte Juscelino Kubitschek. Enveredamos pelo Acre Território Federal no período em que se iniciou o projeto de construção da ponte sobre o rio Acre para investigar como se deu esse processo até a concretização da obra. “Ponte de Memórias”  trouxe à tona revelações importantes sobre o passado do Estado, sobre a travessia para um novo tempo. Além dos fatos históricos que me motivaram a realizar o projeto, eu gosto de atravessar a ponte velha a pé para apreciar o pôr do sol do lado de lá. Acho muito poético. Inspirador. À noite, também é lindo ver a lua da beira do rio. Essa paisagem me encanta. A travessia do rio, os barcos subindo e descendo, com aquele barulho característico dos motores de popa. Tudo isso é muito acreano. É uma relação afetiva que eu tenho com a ponte e com o rio. Difícil algum antigos moradores da cidade que não tenha uma memória afetiva com sobre a ponte metálica.

O documentário “Ponte de Memória” mostra que a obra surgiu num momento em que o Acre mudava seu perfil econômico/Foto: Cedida

O documentário tem quantos minutos e se propõe a quem como espectador?

Alcinete Damasceno – O corte final do documentário ficou com 29 minutos de duração. É um filme que interessa à comunidade. Está bem montado, bem estruturado narrativamente e faz um recorte de fácil compreensão da história. Além da pesquisa documental, os depoimentos dos personagens que tiveram suas histórias atravessadas pela ponte são muito ricos e interessantes. Personagens que testemunharam, trabalharam e acompanharam todo o processo de construção da ponte e das mudanças que ocorreram em nossa cidade naquele período. Temos ainda a participação de um historiador que costura a narrativa. 

Um trabalho de pesquisa aplicado com a marca da competência e da dedicação de Alcinete Damasceno/Foto: Cedida

O trabalho está concluído?

Alcinete Damasceno – O documentário não está concluído. Esse foi um corte para atender a execução do projeto com exibições nos lugares planejados. Mais adiante iremos pleitear recursos financeiros em algum edital para a finalização e posteriormente para circulação com exibições para a comunidade em geral. Concluímos, por enquanto, a pesquisa, que foi o projeto contemplado pelo Fundo Municipal de Cultura. 

Alcilene gravando depoimentos/Foto: Cedida

O curta-metragem então mostra a dificuldade de uma Rio Branco sem ponte e que dependia das catraias?

Alcinete Damasceno – Acredito que antes da ponte a maior dificuldade era realmente a questão do transporte. Sem a ponte, o tráfego de veículos entre os dois distritos, apesar de existirem poucos carros à época,  só acontecia através da Pelada – a balsa que fazia a travessia de um lado para o outro do rio. A travessia das pessoas era feita pelas catraias, que por muitos anos foi o único meio de transporte do primeiro para o segundo distrito. Todo mundo tinha que atravessar o rio de catraia. Do boêmio ao estudante. Da autoridade ao mais simples trabalhador. Sem o catraieiro a vida na cidade parava. Todas essas questões são abordadas no curta-metragem.

“Precisamos de mais investimento em pesquisa histórica, registro documental e em tecnologia para que a história acreana possa ser conhecida”, disse Alcilene/Foto: Cedida

Era para ser uma ponte que abria o vão ao meio para passagem de navios? E por que mudaram o projeto original?

Alcinete Damasceno – De fato, no projeto original previa a elevação do vão central para passagem de navios, mas essa ideia foi abandonada porque, com a mudança da economia extrativista dos seringais, o Acre deixou de receber navios de grande porte que traziam mercadorias e levavam borracha, castanha e madeira para Manaus e Belém. A abertura da BR 364 também facilitou a chegada de mercadorias pela estrada. Hoje as roldanas que serviriam para içar o vão central são monumentos na cabeça da ponte. Servem para contar a história.

Exibição do documentário para os personagens, seus familiares e convidados/Foto: Cedida

Depois de tanto tempo, é pacífico afirmar que a ponte é segura?

Alcinete Damasceno – Registramos os primeiros balseiros descendo o rio quando começamos a gravar o documentário e vimos em poucos dias a água chegar muito próximo ao tabuleiro da ponte. Fiquei assustada com a rapidez com que o rio encheu e  transbordou. Foi muito rápido. O rio Acre é um rio radical. Fica bem seco e, quando enche, espalha água por todo canto. A ponte JK era pra ser maior e mais alta no projeto original. Houve muitas mudanças. Começaria, por exemplo, no final da Getúlio Vargas, onde era a Poupança Banacre, seguindo o fluxo da Avenida. Hoje, nós estamos vivendo um tempo de incertezas climáticas, de mudanças drásticas no volume de chuvas na região, e isso, talvez, possa ser uma situação que requeira sempre uma atenção especial à ponte. Observei, neste ano, o pessoal do Deracre trabalhando para evitar o acúmulo de balseiros na estrutura da ponte. Sempre havia uma equipe e barcos direcionando a pausada para não encalhar nas pilastras. A manutenção que foi feita recentemente reparou muitos problemas decorrentes de desgastes naturais devido ao tempo da obra, mas não sei se existem estudos para elevação da altura da ponte.

O documentário “Ponte de Memórias” é um curta-metragem de 29 minutos. É um tempo bom de filme para exibir nas escolas/Foto: Cedida

A ponte já caiu em uma parte e nos últimos anos teve que ser interditada. Quem passa por ali está correndo risco?

Alcinete Damasceno – A ponte caiu em 1978 poucos anos após ter sido construída. Ficou um tempo interditada e depois improvisaram uma passarela de madeira para a população atravessar sobre ela. O vão que caiu foi refeito e não houve mais risco de deslocamento da pilastra. A manutenção feita recentemente na ponte utilizou tecnologia moderna que garante a segurança da população.

As pessoas que não puderam estar presentes às exibições receberam um link digital para assistirem ao filme de qualquer lugar do Acre e do país/Foto: Cedida

O documentário pode virar um filme? O que falta?

Alcineta Damasceno – O documentário “Ponte de Memórias” é um curta-metragem de 29 minutos. É um tempo bom de filme para exibir nas escolas. Por isso que fizemos com essa duração, apesar da história da ponte JK poder se transformar num longa metragem documental com duração de mais de uma hora. É uma história muito rica, bonita e inusitada. Falta apenas recurso financeiro para que possamos investir na produção de um filme contando mais detalhes do que foi a saga para a construção da primeira ponte sobre o rio Acre. Na conclusão do projeto, que acontece agora no mês de abril, exibimos o resultado da pesquisa em escolas da rede estadual e municipal de ensino, também no SESI, no mercado dos colonos, na filmoteca acreana, CRAS, centro POP. Houve uma exibição especial para os personagens, seus familiares e convidados. Ele será exibido também em maio, na Senama Nacional de Museus. As pessoas que não puderam estar presentes às exibições receberam um link digital para assistirem ao filme de qualquer lugar do Acre e do país. Ponte de Memórias originalmente é um projeto de pesquisa que foi aprovado e financiado pelo Edital 07/2023 do Fundo Municipal de Cultura de Rio Branco, através da Fundação Garibaldi Brasil.

Vem outros projetos seus nesse sentido de resgatar a história?

Alcinete Damasceno – Tenho várias ideias de projetos para contar nossas histórias acreanas. Algumas são prioritárias porque os personagens já têm avançada idade e muitas memórias se perdem com o tempo. A cidade também está se transformando rapidamente e não estamos registrando para a posteridade aspectos da arquitetura, da paisagem, dos costumes da nossa gente. Mas temos que conseguir recursos para produzir esses filmes. Produção audiovisual tem um custo elevado para realização. Temos apenas os editais para submeter os projetos e conseguir recursos. Nem sempre dá certo. O Acre precisa ter um Centro de Memória ou Museu da Imagem e do Som para que nossa história seja preservada, contada e recontada por gerações. Precisamos de mais investimento em pesquisa histórica, registro documental e em tecnologia para que a história acreana possa ser conhecida e acessada pela população do estado e de qualquer lugar do Brasil e do mundo.

Quem patrocina o projeto?

Alcinete Damasceno – O projeto de pesquisa foi financiado pelo Fundo Municipal de Cultural, através da FGB – Fundação Garibaldi Brasil).

PUBLICIDADE