O Ministério Público Federal (MPF) expediu, neste mês de abril, conhecido como Abril Indígena pelo feriado do dia 19 (dia dos Povos Indígenas), uma recomendação para garantir que os cartórios do Estado do Acre registrem indígenas recém-nascidos com nomes em suas línguas tradicionais.
Além da ordem, o órgão deu também um prazo de 15 dias para os cartórios de registro civil de todo o estado informarem sobre o acatamento da recomendação e as providências adotadas para cumpri-la.
A recomendação também deverá ser enviada às Coordenações Regionais da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no Acre, à Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá e à Federação do Povo Huni Kui do Estado do Acre, para que o maior número possível de comunidades originárias tome ciência do texto.
Em caso de recusa do registro do nome na língua tradicional, o MPF deve ser acionado, com a indicação do cartório, funcionário responsável pela negativa e nome do indígena que teve o registro negado.
Esta recomendação é resultado de procedimento preparatório instaurado após denúncia de liderança indígena da etnia Huni Kuin, sobre a resistência existente no estado para que os registros indígenas sejam feitos com os nomes próprios de suas línguas.
Informações prestadas pela Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Acre confirmam que ainda há negativa dos cartórios acreanos em registrar os indígenas recém-nascidos com os nomes em suas línguas tradicionais, conforme relatos repassados por lideranças dos municípios de Assis Brasil, Feijó e Tarauacá.
Na recomendação, o MPF reforça que a Constituição Federal de 1988 reconhece aos povos indígenas o direito à organização social e aos seus costumes, línguas, crenças e tradições (art. 231), além de destacar que a negativa do registro do nome indígena pode caracterizar discriminação em razão da etnia, costumes e crenças, o que configura o crime de racismo, nos termos do art. 1º da Lei nº 7.716/89. O MPF alerta ainda que o não acatamento da recomendação pode implicar adoção de medidas judiciais cabíveis.
A Carta Magna assegura também o pleno exercício dos direitos culturais (art. 215), estabelecendo como patrimônio cultural brasileiro, objeto de especial proteção, os modos de criar, fazer e viver das comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas (art. 216, inciso II).
“Incumbe ao poder público a garantia das manifestações culturais indígenas concernentes ao seu nome, já que refletem a cultura de cada povo, não podendo seu exercício ser arbitrariamente limitado”, destaca o procurador da República Luidgi Merlo Paiva dos Santos, que assina o documento.
O MPF explica que o Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (Rani), documento administrativo fornecido pela Funai, pode servir para solicitar o registro civil e constitui um meio subsidiário de prova, mas que não é requisito para o registro e nem o substitui.
Além disso, a Resolução Conjunta nº 03/2012, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), não condiciona o registro civil à apresentação do Rani e garante que, “no assento de nascimento do indígena, integrado ou não, deve ser lançado, a pedido do representante, o nome indígena do registrando, de sua livre escolha”.
A recomendação cita também a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 5.051/2004, que garante o direito de autodeterminação dos povos e reforça o dever dos Estados de adotar medidas para proteção das populações tradicionais.