ContilNet Notícias

Cannes 2024 começa “sem polêmica” e com aceno a Hollywood

Por Metrópoles

 Ameaçado pela greve convocada contra a reforma trabalhista e por protestos do movimento #MeToo, a 77ª edição do Festival de Cannes tem início nesta terça-feira (14/5). O organizador do evento, Thierry Frémaux, prometeu um evento sem polêmica. Mas isso não é a cara do festival cuja cerimônia de abertura no Palais des Festivals exibirá a comédia Le Deuxième Acte, de Quentin Dupieux, cujos créditos incluem o terror cult Rubber, O Pneu Assassino (2010), sobre um pneu com poderes telepáticos capaz de explodir cabeças.

Reprodução

Cannes gosta desse tipo de pontapé inicial, fora da caixinha. Em 2022, Cannes escolheu como obra de abertura a refilmagem da cultuada comédia de horror japonesa Plano Sequência dos Mortos. Em Coupez!, o vencedor do Oscar Michel Hazanavicius (O Artista), namorou a arte do cinema enquanto brincava com o gênero zumbi. Já no ano passado, em 2023, de fato houve uma polêmica: o retorno de Johnny Depp às telonas no drama de época Jeanne Du Barry, de Maiwenn. A escolha da obra até provocou questionamento na coletiva de imprensa para a atriz Brie Larson.

Cena do filme Le Deuxième Acte, que fará a abertura de Cannes –Cena do filme Le Deuxieme Acte, que fará a abertura de Cannes

Pode ser um apelo à pluralidade cinematográfica. Pode ser a celebração da arte francesa. Pode ser mesmo, por mais que Thierry afirme o contrário, o famoso ‘fale mal, mas falem de mim’. A cada ano que passa, a propósito, o Festival tem investido mais em sua relação com a meca do cinema, Hollywood, e expandido as fronteiras para alcançar países e culturas menos tradicionais em termos cinematográficos. Meryl Streep é uma das homenageadas deste ano com a Palma de Ouro honorária, que Harrison Ford, Forest Whitaker e Tom Cruise receberam anteriormente em mais um explícito aceno à indústria dos EUA.

George Lucas será agraciado no penúltimo dia de festival. Já o Estúdio Ghibli também receberá uma Palma de Ouro honorária, consolidando a primeira vez na história em que um coletivo de artistas é agraciado. O estúdio de animação, criado por Hayao Myiazaki, Toshio Suzuki, o saudoso Isao Takahata e Yasuyoshi Tokuma, recentemente conquistou o Oscar de Melhor Animação por O Menino e a Garça, e parece estar diante de um período de marasmo criativo com (mais uma) aposentadoria de Miyazaki.

A relevância do Festival pode ser encarada na temporada de premiação do Oscar deste ano: Anatomia de uma Queda, Zona de Interesse, As Filhas de Olfa, Segredos de um Escândalo e Dias Perfeitos venceram e/ou foram indicados após estrearem na seleção oficial na Riviera Francesa. Portanto, não faltam expectativas em torno de Furiosa, que teve a sua première internacional na semana passada, na Austrália, e que será exibido fora de competição com a esperança de repetir a façanha do antecessor.

Um blockbuster em Cannes

Cerca de uma década depois de Mad Max: Estrada da Fúria ter revitalizado a franquia pós-apocalíptica que catapultou Mel Gibson ao estrelato e arrastou meia dúzia de Oscars (na minha opinião, deveriam ter sido), George Miller, a um ano de completar 80 anos, retorna com a história pregressa de Furiosa, vivida por Charlize Theron no antecessor e agora por Anya-Taylor Joy (de O Gambito da Rainha e A Bruxa).

A continuação da obra, que este que assina considera a melhor do século, terá estreia no Grand Théâtre Lumière, o palco das sessões de gala mais concorridas e inacessíveis (ao menos para meros mortais), na noite do dia 15.

Até mais aguardado é o retorno do lendário diretor Francis Ford Coppola (de O Poderoso Chefão, Apocalypse Now e A Conversação), cerca de 13 anos depois de seu longa-metragem Virgínia ter sido recepcionado com desapontamento por público e crítica.

Coppola finalmente estreia o aguardado Megalopolis – Stephane Cardinale – Corbis/Corbis via Getty Images

Megalopolis é uma obra ambiciosa e autofinanciada que narra a trajetória de um arquiteto, interpretado por Adam Driver, com a missão de reconstruir Nova York como uma utopia após um evento devastador ter destruído a cidade. Apenas a história da produção já merece investigação. Coppola havia escrito o roteiro na década de 1980, mas os débitos acumulados da produtora American Zoetrope suspenderam os planos. A obra respirou de novo no início do século, mas voltou a ser enterrada e agora é realidade, meses após a morte da esposa do diretor, Elaine Coppola. Megalopolis disputa a mostra competitiva do festival.

Além de Miller e Coppola, um terceiro medalhão de Hollywood estreia o seu trabalho mais recente também na competição: Paul Schrader, o roteirista de Táxi Driver, e que apresenta OH! Canada. A obra é baseada na trajetória real de Leonard Fife, interpretado na velhice por Richard Gere e na juventude por Jacob Elordi, um dentre dezenas de milhares de jovens convocados para a guerra no Vietnã e que desertou em direção ao Canadá.

Contudo, não pense que Hollywood está sufocando o Festival. Paolo Sorrentino, diretor do vencedor do Oscar A Grande Beleza, disputa a competição com o misterioso Parthenope, estrelado por Gary Oldman. O grego Yorgos Lanthimos, retoma a parceria com Emma Stone e Willem Dafoe de Pobres Criaturas, no igualmente elusivo e misterioso Tipos de Gentileza. O português Miguel Gomes, dos celebrados no circuito de festivais Tabu e As Mil e Uma Noites, apresenta Grand Tour, enquanto o canadense David Cronenberg, retorna a Cannes com The Shrouds, dois anos Crimes do Futuro ter decepcionado a maior parte do público.

Brasil marca presença

Quem também retorna à competição oficial é o cearense Karim Aïnouz. Ano passado, o diretor trouxe a sua produção internacional Firebrand, estrelado por Jude Law e Alicia Vikander. Já neste ano, ele voltou às raízes cearenses com o thriller erótico Motel Destino, protagonizado por Fábio Assunção e com os estreantes Nataly Rocha e Iago Xavier. Karim não é um acaso. Neste ano, o Brasil está representado por 5 produções em diferentes mostras do Festival.

Baby, filme selecionado para a mostra paralela do Festival de Cannes – Divulgação

Baby, o segundo longa-metragem de Marcelo Caetano, após Corpo Elétrico, foi selecionado para a Semana da Crítica, uma mostra paralela ao Festival de Cannes sediada no Hotel Miramar. No mesmo evento, o curta-metragem A Menina e o Pote, de Valentina Homem. Já A Queda do Céu, de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro, representa o país na Quinzena dos Realizadores, em uma discussão sobre o agronegócio e a invasão de terras de povos originários. Amarela, de André Hayato Sato, concorre à Palma de Ouro na categoria de curta-metragem, enquanto a restauração de Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, será exibido na mostra de clássicos do festival.

E não se pode esquecer que o documentário Lula, dirigido pelo célebre Oliver Stone a respeito do presidente da república brasileiro, será exibido em uma sessão especial no festival. Oliver tem o hábito de dirigir obras políticas críticas, tais como J. F. K., Platoon, Nascido em 4 de julho e o mais recente Snowden.

De 14 a 25 de maio, o Festival de Cannes é a vitrine de autores e tendências mais relevante do cinema contemporâneo, com uma curadoria que concilia artistas consagrados e artistas em evolução na carreira, um palco exibidor vibrante, espalhado até nas cidades vizinhas, e um mercado que terei a oportunidade de apresentar-lhes com mais calma nos próximos dias.

Sair da versão mobile