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Cinema nacional rouba a cena em Cannes: ‘Temos uma capacidade de cicatrização muito boa’

Por O Globo

“Bem-vindos de volta”, disse o diretor artístico do Festival de Cannes, Thierry Frémaux, na tarde de ontem, ao comentar em entrevista coletiva de imprensa a volta do cinema brasileiro a um lugar de destaque no evento francês.

Fabio Assunção e Iago Xavier em cena de ‘Motel Destino’, de Karim Aïnouz — Foto: Divulgação

Há dois anos, rompendo uma sequência de 20 edições consecutivas, o cinema brasileiro ficou de fora do Festival de Cannes, em todas as suas mostras oficiais e paralelas: Competição oficial, Un Certain Regard, Cinéfondation, Quinzena dos Realizadores e Semana da Crítica. À época, o cenário foi recebido com desolação por parte da indústria audiovisual nacional. Em 2023, o cenário já foi um pouco melhor, com três longas brasileiros sendo exibidos no evento. “A flor do buriti”, de Renée Nader Messora e João Salaviza, inclusive, deixou o festival com um prêmio (melhor equipe na Un Certain Regard), enquanto que “Retratos fantasmas”, de Kleber Mendonça Filho, e “Levante”, de Lillah Halla, completavam a delegação brasileira. Isso sem falar no cearense Karim Aïnouz, que concorreu à Palma de Ouro por “Firebrand”, uma Aïnouz.

Hoje, o Festival de Cannes estende o tapete vermelho para sua 77ª edição com o cinema brasileiro muito bem representado. Pelo segundo ano seguido, Karim marca presença na mostra competitiva principal, agora com uma produção brasileira: “Motel Destino”, longa estrelado por Iago Xavier, Nataly Rocha e Fabio Assunção que conta a história de um homem que se esconde num motel do litoral cearense e acaba se envolvendo com a mulher que é casada com o dono do local, num thriller repleto de “tensão e tesão”, descreve o diretor. É a primeira vez desde 2019 (com “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho) que o cinema nacional entra na disputa pela Palma de Ouro, troféu que o país recebeu apenas uma vez, em 1962, com “O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte.

— Ano passado, eu estava superfeliz de estar em competição, mas ficava sempre pensando como seria bom estar com um filme brasileiro — diz Karim , que rodou o novo trabalho em seu estado, o Ceará. — Estava com muita saudade de trabalhar no Brasil, estou muito feliz de ter feito um filme falando em cearense.

Além da conquista individual, o diretor comemora o momento coletivo do cinema nacional, que conta com outros cinco representantes na seleção do evento: “Baby”, de Marcelo Caetano, e “A menina e o pote”, de Valentina Homem, estão na Semana da Crítica; “Amarela”, de André Hayato Saito, disputa a Palma de Ouro na competição de curtas; “A queda do céu”, de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, integra a Quinzena dos Realizadores; e “Bye bye Brasil”, de Cacá Diegues, será exibido na Cannes Classics.

— São vários filmes brasileiros, em várias mostras. E obras muito diferentes. Isso prova que temos uma capacidade de cicatrização muito boa. É muito animador que seja só o começo de uma nova retomada — exalta Karim.

‘Forte sensualidade’

Conhecido pelo trabalho em “Corpo elétrico” (2017), o cineasta mineiro Marcelo Caetano também destaca a diversidade das produções, mas também cita pontos em comum. Como “Motel Destino”, “Baby” possui fortes elementos de sensualidade, contando a história de um jovem (João Pedro Mariano) que, logo após deixar um centro de detenção para menores, inicia um relacionamento turbulento com um garoto de programa (Ricardo Teodoro) que conhece num cinema pornô.

— São cineastas de Minas, Ceará, Rio, São Paulo e Pernambuco. Acho isso muito vital pois o cinema brasileiro deve ser cada vez mais descentralizado, trazendo novas vozes e mais visões — diz Caetano. — Há um aspecto visivelmente político na safra brasileira em Cannes, mas também há filmes com sensualidade e sobre o desejo.

Cena de “Baby”, de Marcelo Caetano — Foto: Divulgação

A essência política também está presente no doc “A queda do céu”, inspirado em livro homônimo do líder indígena Davi Kopenawa e do antropólogo francês Bruce Albert.

— Nos últimos anos foram mostradas pelo mundo muitas imagens dos ianomâmis em sofrimento, nessa que tem sido mais uma grave crise sanitária e humanitária — diz Gabriela Carneiro da Cunha, que dirige o longa ao lado de Eryk Rocha. — O filme trata dessas questões, mas trazendo também as imagens dos ianomâmis na sua potência e beleza.

Cena do documentário “A queda do céu”, de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha — Foto: Divulgação

Passados 44 anos desde que participou da competição oficial de Cannes, em 1980, “Bye bye Brasil”, será exibido em sessão especial em homenagem à LC Barreto, produtora que completou 60 anos de atividade no ano passado. A produtora Paula Barreto, filha de Luiz Carlos e Lucy Barreto, irá representar os pais e a empresa na Riviera francesa.

— “Bye bye Brasil” é um filme eterno e atemporal, que mostra a grandeza, a diversidade e a alegria do país e do povo brasileiro — diz Lucy. — A participação do cinema brasileiro no Festival de Cannes é poderosa e expõe sua força e vigor.

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