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Conheça Mãe Rubby D’Oxum, mulher trans que já cuidou de quase 100 jovens abandonados no Acre

Por Victor Manoel, ContilNet

No dicionário Cambridge, mãe significa “a mulher que tem filhos”. O que por si só reverbera diversos outros significados. O que é ser mulher? O que são filhos? E ter eles, como é definido isso? Neste dia das mães, todas que se sentem acolhidas nesse substantivo devem se reconhecer como parte desse movimento e receber as flores por sua luta e existência.

A mãe de santo afirma que família e amor verdadeiro não dependem de sangue/Foto: Cedida

Uma das pessoas que merecem ser homenageadas neste dia das mães (12) é Rubby D’Oxum, de 37 anos, servidora pública e moradora da Baixada da Sobral, que desde 2021 desenvolve um trabalho de acolhimento com jovens LGBTQIAPN+ e fora da sigla que precisam de um abrigo em meio a dificuldades por conta das famílias biológicas.

Falando sobre a maternidade, sua religião e como sua identidade atravessa seu trabalho e sua vida como servidora pública, filha de Oxum e mãe.

Acolhimento

Rubby fala que essa missão começou com o seu sacerdócio. Ela conta que recebeu essa missão sacerdotal dentro da religião umbandista. Assim, ela desenvolveu um papel de orientação, com suas entidades, para ajudar pessoas nessas demandas:

Rubby D’Oxum/Foto: Cedida

“Algumas delas enfrentavam problemas em casa, onde às vezes eram excluídas pela família, sofriam violência ou eram expulsas de casa. Outras vezes, a pessoa terminava um relacionamento e não tinha para onde ir”, revela.

Inicialmente, apenas pessoas LGBTQIAPN+ se recolhiam com Rubby, porém, pessoas fora da sigla começaram a ser recebidas por ela, tornando-se assim um “espaço aberto a todas as pessoas”.

Rubby conta que se inspirou muito em sua mãe e seu pai para esse trabalho de cuidado:

Rubby e seus filhos/Foto: Cedida

“Também, na religião da minha mãe, eu aprendi muito sobre essa questão de cuidado com o próximo, de fazer pelas pessoas aquilo que elas não recebem de outras”, comenta Rubby relembrando os aprendizados com sua família.

Primeiro filho

Historicamente, este movimento de travestis e pessoas trans formarem suas casas para acolher marginalizados e párias da família surge desde o século passado.

Na década de 1960, após Crystal LaBeija, uma travesti preta, perder um concurso de beleza de drag queens para pessoas brancas, ela decide criar a House of LaBeija. Esta foi a primeira House (casa) a dar estrutura ao movimento Ballroom, que se tornou um movimento político e artístico, de ocupação de espaços e de celebração da diversidade de gênero, sexualidade e raça, difundindo-se pelo mundo, principalmente na epidemia de AIDS.

Na década de 1960, após Crystal LaBeija, uma travesti preta, perder um concurso de beleza de drag queens para pessoas brancas, ela decide criar a House of LaBeija/Foto: Reprodução

Labeija se tornou a mother (mãe) de todos que chegavam em sua casa, assim como Rubby, que relembra a chegada de um de seus primeiros filhos:

“A primeira pessoa que veio, já não faz mas parte do meu convívio, mas o segundo e o Lucas. Tudo começou em 2021, até
então, ele era um irmão de santo do antigo terreiro ao qual eu pertencia. Ele veio porque enfrentava problemas com a saúde de sua mãe biológica e estava sobrecarregado com várias situações pessoas. Com o passar do tempo, ele já me chamava de mãe”, conta.

Mesmo não estando morando mais com Rubby, Lucas continua tendo uma ótima relação com sua mãe. A mãe de santo até diz que ele chama sua mãe de “avó”. 

Rubby extende seu trabalho por diversas áreas/Foto: Reprodução

Com filhos que chegam para morar e outros que vêm e vão, Rubby já chegou a ajudar quase 100 jovens. Mesmo com tantas pessoas, a mãe fala de compartilhar e como funciona o sistema de união dentro da sua casa:

“A gente divide tudo, sabe? Se tem um ovo, a gente pega aquele e quebra, a gente frita e faz uma farofa com ele. Todo mundo participa deste processo, então tudo é compartilhado”, comentou.

Dificuldades e preconceitos

Ano passado, a casa de Rubby foi uma das atingidas pela enchente de 2023, que atingiu a marca 17,72 metros, deixando mais de 4 mil desabrigados ou desalojados, segundo a Defesa Civil da capital. Situação que também se repetiu este ano. A mãe de santo conta como mesmo neste momento difícil, o racismo e LGBTfobia ainda os atingia.

Rubby usou de suas redes sociais para denunciar casos de racismo religioso durante enchente de 2024/Foto: Reprodução

“A enchente, por mais que tenha sido uma coisa ruim, também foi uma coisa boa porque durante a enchente, a gente recebeu muitas doações. Na época da enchente, foi uma das épocas mais prósperas, né? Na época, eu tava com 10 pessoas lá”, diz a mãe de santo.

Com doações de ONGs como o Instituto de Mulheres da Amazônia e da Associação de Mulheres Negras, a casa recebe muitas cestas básicas, além do salário da servidora pública. Contudo, ela revela que se sente, sim, sobrecarregada. Mesmo sendo uma pessoa “difícil de pedir”, faz o que pode ao seu alcance.

Em 2023, conforme o “Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras” foram 155 casos, sendo 145 casos de assassinatos e 10 pessoas trans suicidadas no Brasil. A mais jovem trans assassinada tinha 13 anos. Esse tipo de violência também ronda os corpos de Rubby e seus filhos.

Sobre a maternidade, Rubby fala como ressignificou o significado da palavra depois de “se sentir mãe repentinamente”/Foto: Reprodução

Eles enfrentaram preconceito religioso, racismo e agressões verbais e físicas direcionadas a ela e aos jovens que acolhem. “Já sofremos intolerância religiosa, racismo e agressões verbais e físicas”, relatou Rubi, destacando a dura realidade enfrentada por muitos na comunidade LGBT+.

Apesar das adversidades, Rubi encontra força em sua espiritualidade e na rede de apoio formada por sua família e os jovens que acolhe. “Minha espiritualidade e meus filhos de coração me sustentam nos momentos mais difíceis”, revelou ela, destacando a importância do amor e da solidariedade como ferramentas para superar os obstáculos da vida.

Ela relata que muitos de seus filhos foram vítimas de agressões dentro de suas antigas casas, inclusive algumas famílias ficam contra Rubby por ela acolhê-los.

O que significa ser mãe?

“Geralmente, assim, a minha força maior é a minha mãe, né? Porque mesmo morando fora, ela vai lá e me dá muita força. Em primeiro lugar vem a minha espiritualidade, a força dos meus orixás de Oxum, bem como a força da minha entidade, a pomba gira Menina, e também das outras entidades que me sustentam”, fala a mãe de santo sobre os momentos que se sente acolhida.

Rubby, junto de sua casa, ainda cria eventos beneficentes em seu bairro/Foto: Reprodução

Sobre a maternidade, Rubby conta como ressignificou o significado da palavra depois de “se sentir mãe repentinamente”. Ela lembra a fala da amante de um ex-namorado que, em um episódio violento de discriminação, quando descobriu que Rubby era uma mulher trans falou que ela “nunca poderia ter filhos”.

“A senhora pode não ter tido a gente, mas agora é nossa mãe, muito mais do que outras pessoas, muito mais do que a nossa própria mãe”, essa é uma frase que ela ouve de um de seus filhos, 10 anos depois deste episódio.

Para Rubby, “ser mãe não é parir. Ser mãe é cuidar da educação, dar carinho, dar afeto, entre outras coisas e corrigir também”.

“A senhora pode não ter tido a gente, mas agora é nossa mãe, muito mais do que outras pessoas, muito mais do que a nossa própria mãe”, essa é uma frase que ela ouve de um de seus filhos/Foto: Reprodução

A mãe de santo afirma que família e amor verdadeiro não dependem de sangue. E como existe um hipocrisia em discursos como “pessoas LGBT são contra a família”, sendo crianças abandonadas, excluídas e expulsas são frutos justamente de famílias com este discurso.

“É muito egoísmo de pessoas, de seres humanos, que só pensam em si, só pensam no seu próprio lado. A gente vê a política sempre atacando a gente. Mas a política não vai lá naquele orfanato, a política não vai lá na periferia onde tem crianças sendo maltratadas”, finaliza Rubby.

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