O Conselho Tutelar pediu que a Polícia Civil (PC) investigue denúncias de abusos sexuais e psicológicos na igreja Tabernáculo da Fé, em Goiânia. A denúncia foi feita por uma ex fiel depois que um pastor da igreja disse em um culto que crianças abusadas também são culpadas do crime.
Em nota, o advogado de igreja disse que não tem conhecimento e não foi intimado para “nenhum inquérito policial”. Disse ainda que os fiéis são orientados nas “escrituras públicas”, em “outros valores familiares” e que a instituição combate a “sexualização precoce” de crianças e adolescentes, além de abuso contra elas.
Conforme ofício enviado pelo Conselho Tutelar à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), uma ex frequentadora da igreja denuncia que há “muitos” processos por abusos sexuais e diz ainda que as mulheres são obrigadas pelos líderes religiosos a fazerem abortos, assim, sofrendo com abusos psicológicos.
A conselheira Érika Reis, presidente do Conselho Tutelar e autora do pedido de investigação, disse que as denúncias são recorrentes. “Após o vídeo, as vítimas foram ao Conselho Tutelar. São denúncias graves, recorrentes, de muitos anos e contra vários líderes dessa instituição”, afirmou em entrevista à TV Anhanguera.
Na denúncia, a ex fiel diz ainda que a igreja realiza eventos com diversas crianças e que, apesar dos processos de abusos sexuais, não tomaram “nenhuma” providência. Por isso, segundo o ofício do Conselho, são necessárias medidas para que as crianças sejam resguardadas e tenham os direitos protegidos.
Reis ainda explicou o motivo do ofício. “Pedimos para que eles [a Polícia Civil] abrissem uma investigação para averiguar essas situações e se há outros casos. Isso não pode ficar impune”, disse.
Questionada sobre o pedido, a Polícia Civil (PC) informou que recebeu o ofício e que a denúncia será apurada. O g1 questionou a quantidade de denúncias ao Conselho Tutelar, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.
Questionada se há processos por abusos sexuais contra líderes da igreja, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) afirmou que não pode fazer o levantamento desses dados, pois os casos correm em segredo de justiça. Disse também que aguarda a conclusão do inquérito para se posicionar sobre a investigação da Polícia Civil.
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) disse que pelo nome da igreja não há processos por abusos sexuais. Segundo o Tribunal, seria necessário os nomes dos líderes religiosos da instituição para verificar caso a caso, porém, os nomes deles não foram divulgados.
Culpa por abusos
Declarações do pastor repercutiram no último dia 30 de abril após ele comentar sobre o caso de uma criança de 5 anos, falando sobre a suposta participação e culpa dela no abuso sexual em que sofreu.
“Existem situações que quando acontece um abuso de uma criança, a criança é também culpada, porque ela deu lugar. Crianças também têm culpa, têm participação, mas não todos os casos. Eu quero deixar isso bem claro”, afirmou o pastor.
No trecho, que foi compartilhado por uma página na internet e já conta com mais de 300 mil visualizações, Jonas Pimentel segue falando que o lugar dos filhos é junto dos pais, a não ser quando “existe uma circunstância imperiosa que não permite tal coisa”.
“Os pais e, principalmente as mães, devem ter muito cuidado, devem ter muita malícia quanto às suas filhas. Filho é junto com o pai, junto com a mãe, a menos que exista uma circunstância imperiosa que não permite tal coisa, não é?”, diz o pastor.
Violência doméstica
O pastor ainda incentivou a violência doméstica em outro culto. Durante a pregação, que foi publicada no canal oficial da igreja Tabernáculo da Fé em outubro de 2023, o líder religioso orientou que casais se “peguem na briga” longe dos filhos.
“Se tiver com algum hematoma [risos], cobre com um esparadrapo”, disse Pimentel.
Sobre o vídeo da fala dos abusos sexuais contra crianças, a defesa do pastor pediu desculpas e afirmou que se tratou de um alerta para os pais. Na época, o g1 pediu um novo posicionamento sobre as declarações sobre violência doméstica, mas o advogado não retornou o pedido até a última atualização desta reportagem.
Histórico de polêmicas
Também da igreja evangélica Tabernáculo da Fé, o líder religioso Joaquim Gonçalves Silva, que morreu de Covid-19 em agosto de 2021, foi alvo de uma investigação por abuso e importunação sexual contra pelo menos quatro mulheres que frequentavam a igreja naquele mesmo ano.
Na época, a defesa do pastor negou as acusações e afirmou que elas faziam parte de uma tentativa de retirar o religioso do comando da igreja. Na época, o g1 questionou ao Ministério Público de Goiás se o processo sobre os crimes sexuais seria arquivado após a morte, mas não obteve retorno. O processo corria em segredo de Justiça.
Em reportagem feita pelo g1 na época, as mulheres, que preferiram não se identificar, afirmaram que os abusos aconteceram em momentos de fragilidade, quando elas foram pedir conselhos ao religioso. As vítimas afirmam ainda que, após terem sido abusadas, foram chantageadas a não contar para ninguém ou seriam “amaldiçoadas”
Íntegra da nota da defesa da igreja
A defesa da Igreja Tabernáculo da Fé e pastor Jonas Pimentel não tem conhecimento e nem foi intimada da instauração de nenhum inquérito policial que apura uma fala, extraída de poucos segundos de um vídeo, dentro de uma pregação de mais de uma hora, descontextualizando completamente o sentido da mensagem.
Na oportunidade, informa à sociedade que naquele local vivencia-se o que Jesus FALOU e FEZ. Fala-se da genuína palavra das escrituras públicas e orienta-se os fiéis a vivenciá-las no seu cotidiano. Sim, os costumes pregados são rígidos, os homens são orientados a respeitar, honrar e cuidar de suas esposas e filhos e as mulheres usam vestes longas. Desde a criação da igreja no ano de 1968, combate-se veementemente a sexualização precoce das crianças e adolescentes e qualquer forma de abuso contra elas, dentre outros valores familiares. Naquele local, FAZ-SE o bem: leva-se alimento aos que tem fome, abrigo aos desamparados, remédios aos doentes, além de acolhimento e orientação espiritual. Principalmente, respeita-se a liberdade das pessoas, elas são livres para aderir ou não a tais valores de falar e fazer os ensinamentos bíblicos.
A defesa lutará para que os fiéis da igreja tenham respeitado o seu direito de crença e convicção religiosa e para que continuem falando e, principalmente, fazendo o bem, tendo FÉ PARA VENCER O MUNDO. Muitas são as pessoas que falam, poucas são aquelas que empenham energia e tempo para fazer, limitam-se a julgar e criticar, sem conhecer.
Segundo as escrituras públicas, aqueles que FALAM e FAZEM o bem são perseguidos. Citando a bíblia (Mateus 9 36-38), vendo a multidão de desamparados, Jesus disse: “a seara é grande e os trabalhadores são poucos”.
Pastor causa revolta na web ao afirmar que crianças vítimas de abuso têm culpa pic.twitter.com/n8KLLXKu8w
— fato360 (@fato360online) May 1, 2024