Léia da Silva Souza acorda sempre às 4h30. Na sexta-feira (10), fez o café e devorou uma tapioca. Deixou a mesa posta para o marido e o filho. Tomou banho e voltou para o quarto. Retirou do guarda-roupa o uniforme. Pôs um batom vermelho e fez o retoque do rímel nos cílios. Deu uma bitoca no esposo e um cheiro no rebento que dormia.
Chapéu com anteparo contra o sol na cabeça, luvas nas mãos, partiu para uma das maiores satisfações de sua vida: trabalhar nas ruas do centro de Rio Branco varrendo praças e calçadas no ofício de margarida.
Léia é mãe de seis filhos. Cinco já ganharam o mundo. Ficou o João Emanuel, de 6 anos. É casada com Luiz Elclécio, 62 anos, motorista de caminhão de uma empresa de construção civil. A margarida fará 44 anos daqui a 12 dias, no próximo dia 24 deste mês das mães.
A simplicidade é o seu maior trunfo, e o trabalho, a sua reputação. Já a família, ela diz ser a fonte de motivação para acordar de manhã com um propósito, o de entregar o melhor para as pessoas.
“Até um sorriso que você dá para uma pessoa com quem você topa na rua pode mudar o dia dela. Mas confesso que sou orgulhosa mesmo é de mim mesma. Do que me tornei. Eu amo meu trabalho”, diz, abrindo um sorriso largo, gratuito, despretensioso, inocente.
Antes de chegar ao centro, Léia caminhou 300 metros desde a invasão da Sapolândia, onde mora, até a rua principal do Bairro Mocinha Magalhães, no Distrito Industrial. O caminhão que transporta parte dos garis e das margaridas a trabalho, na região central da cidade, passa por lá às 6h30. Uma forcinha das amigas já acomodadas na carroceria estendendo as mãos e ela é solapada para dentro do veículo.
Hoje, a Prefeitura de Rio Branco, por meio da Secretaria Municipal de Cuidados com a Cidade, emprega ao menos 323 garis e 57 margaridas. Eles trabalham de segunda a sexta-feira, tendo um dia de folga para cada dia trabalhado no sábado, no domingo ou nos feriados.
Antes mesmo das primeiras pessoas cruzarem as ruas do centro, as margaridas já estão trabalhando, principalmente, nas praças dos Povos da Floresta, do Relógio e da Biblioteca Pública.
Na sexta-feira, Léia Souza varria as calçadas da Rua Rui Barbosa, onde há um aglomerado de hotéis e lojas, quando topou conceder entrevista. O local também é reduto de ‘gente invisível’, dependentes químicos que circulam diariamente, indiferentes aos olhares de transeuntes, a não ser quando incomodam alguém, pedindo um trocado para sustentar o vício num martírio sem fim.
Servidores públicos, comerciantes, taxistas e estudantes têm muito respeito pelas margaridas, segundo a trabalhadora. “Eu, particularmente, nunca fui distratada por ninguém. Pelo contrário, as pessoas dão sempre um bom dia ou um boa tarde quando nos veem. E isso também é motivo para cuidarmos da aparência”, assevera.
Quando o assunto é beleza, a mamãe margarida tem uma recomendação para as demais: “é preciso estar bonita sempre: para o marido, para os filhos ou no trabalho. Até em casa, eu me arrumo, menino. Imagine quando é para trabalhar”.
Ao cair da noite, o trajeto de volta para casa é no mesmo caminhão. Fim da jornada, ela toma um banho e vai mimar o João Emanuel, que havia ficado com a secretária. Enquanto aguarda o esposo, faz a janta. Às 21 horas, a mamãe margarida começará seu descanso para mais um ciclo. No dia seguinte, o espetáculo da vida limpando a cidade recomeça – para a felicidade da Léia e daqueles que cruzam o seu caminho.