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Encarceramento de indígenas envolvidos com o crime aumenta no Acre e situação preocupa a justiça

Por Tião Maia, ContilNet

O mês de abril, dedicado à causa e à defesa dos povos originários no Brasil, acabou na segunda-feira (30), mas deixou um dado preocupante: é cada vez maior o número de indígenas que deixam suas aldeias e vêm para as cidades cometer crimes ou são aliciados por criminosos em suas próprias terras. Isso fez com que aumentasse consideravelmente o número de indígenas encarcerados no sistema prisional do Acre ou sob medidas restritivas de liberdades, como o uso de tornozeleiras eletrônicas. 

De acordo com os dados, no sistema prisional do Acre há, na atualidade, 46 presos indígenas, de várias etnias e povos diferentes, e outros 30 obrigados ao uso das tornozeleiras. O sistema prisional do Acre tem, atualmente, mais de 5,5 mil pessoas, e outras 2,4 mil pessoas em monitoramento eletrônico.

Em Cruzeiro do Sul há uma cela especial no presídio para indígenas, com espaço para um pessoa, mas estar superlotada, com seis/Foto: Reprodução

No mês em que se comemorou o dia dos Povos Indígenas, o Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), por meio do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), realizou o primeiro encontro do Grupo de Trabalho 6 (GT6), de Proteção à Pessoa Indígena em Diálogo com o Sistema de Justiça Criminal, que ocorreu no Palácio de Justiça. O debate foi embasado em Resolução  do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabelece procedimentos ao tratamento das pessoas indígenas acusadas, réus, condenadas ou privadas de liberdade, e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário.

O Comitê de Políticas Penais, regulamentado pela Portaria 2297/2021, é composto por seis Grupos de Trabalho, e o sexto GT está sendo coordenado pela juíza de Direito Ana Paula Saboya, também aborda os procedimentos relativos à pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade e ações de enfrentamento ao racismo no âmbito do sistema de justiça criminal.

Os principais objetivos são a transparência e divulgação dos dados sobre indígenas no SJC, aprimorar os serviços judiciários no âmbito da justiça criminal e promover o acesso à justiça e às garantias processuais culturalmente apropriadas. Os dados voltados para indígenas que estão privados de liberdade têm como fontes de levantamento as Delegacias de Polícia, as Unidades Prisionais (Iapen-AC) e os sistemas SAJ e SEEU/TJAC. Os dados parciais que irão compor o Relatório Estatístico tem como referência março de 2024 com levantamento realizado em abril de 2024, contando com o apoio técnico do Programa Fazendo Justiça (CNJ).

O chefe de Serviço de Promoção dos Direitos Sociais, da Fundação dos Povos Indígenas (Funai) da Regional Purus, Samyr Farias, avaliou o encontro e as tratativas de alinhamento.  “Avalio (a reunião) de forma positiva, pois como primeira agenda do GT dentro do Comitê (de Políticas Penais) foi importante para compreender melhor os propósitos desta iniciativa do TJAC e iniciar um processo de alinhamento que vai ser longo, mas espero que seja muito proveitoso, não só para as instituições, mas sobretudo para os povos indígenas e para os indígenas que infelizmente ingressam no sistema prisional”, finalizou.

Durante as inspeções realizadas pelo GMF Acre, a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, por exemplo, não foi implementada em nenhuma unidade prisional visitada. Assim como não foi identificada, em nenhum desses espaços inspecionados, políticas de educação indígena e nem o oferecimento de material didático para fins de remição pela leitura em línguas indígenas. Ou seja, os princípios e fluxos preconizados pela Resolução nº 287/2019 38 do CNJ e da Resolução nº 13/2021 do CNPCP39- que tratam das pessoas indígenas, e pela Resolução CNJ nº 405/202140 – que trata das pessoas migrantes, não são observados nos estabelecimentos. Poucas foram as unidades que informaram que a FUNAI presta assistência aos reeducandos indígenas.

Na Unidade Penitenciária Manoel Néri da Silva, em Cruzeiro do Sul, por exemplo, existe uma cela destinada para indígenas. Contudo, o espaço tem capacidade para uma pessoa, porém é ocupado por seis pessoas.

Para implementação efetiva do que rege a Resolução 287/2019, do CNJ,  na reunião foi apresentada um Plano de Trabalho com quatro componentes disposto da seguinte forma: Diagnóstico sobre indígenas privados de liberdade; Normativa Estadual que regulamente possibilidades e fluxos; Estruturação e funcionamento regular de serviços auxiliares ao judiciário em matéria indigenista, envolvendo (Art. 15, Res. CNJ  287/2019); e o Processo formativo.

O encontro contou ainda com a presença de representantes do Ministério Público do Acre ( MPAC), da Defensoria Pública do Estado do Acre (DPE-AC), da Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas do Acre (SEPI), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do Instituto de Administração Penitenciária do Estado do Acre (IAPEN/AC), da Rede Mulherações, e demais instituições parceiras.

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