O corpo do libertador do Acre, do principal herói da Revolução Acreana, o gaúcho José Plácido de Castro, 116 após sua morte numa emboscada de seus inimigos na região onde hoje se localiza o antigo seringal Benfica, região da Vila Acre, em Rio Branco, não tem descanso. Depois de ser levado de Rio Branco para ser sepultado no Cemitério do Hospital Santa Casa de Porto Alegre, o jazigo do herói acreano está ameaçado de ser enxovalhado pelas águas que inundam o centro histórico de Porto Alegre e praticamente todo o Rio Grande do Sul desde o final do mês passado.
A preocupação com os restos mortais do gaúcho herói dos acreanos passou a se sustentar desde que começou a circular, pela internet, um vídeo para lá de assustador do Rio Grande do Sul. O jornalista Leandro Demori publicou, em suas redes sociais, imagens de um cemitério, do município de Muçum (RS), completamente destruído pelas enchentes que arrasaram com o Rio Grande do Sul nos últimos dias. A memória das pessoas desse lugar foi inteiramente destroçada. Nada ficou de pé no cemitério da cidade e alguns corpos chegaram a ser arrastados pelas enxurradas.
“Ontem no final do nosso trabalho em Muçum, quase saindo da cidade, avistamos algo que parecia ser um cemitério. O que encontramos foi isso aqui”, escreveu o comunicador em seu perfil do X – antigo Twitter. No conteúdo gravado e compartilhado por Leandro, é possível ver ossadas expostas e um ambiente completamente em ruínas. Árvores caídas, túmulos quebrados, a maioria vazio, ossos espalhados; uma verdadeira cena de filme de terror.
Embora passível de sofrer algo semelhante, o corpo de Plácido de Castro, sepultado no cemitério do Hospital Santa Casa de Porto Alegre, não foi atingido ainda. O Hospital, no entanto, foi atingido pelas enchentes, mas o atendimento no hospital não foi suspenso, segundo nota emitida pela instituição.
“Diante da atual situação da tragédia climática no Rio Grande do Sul, a Santa Casa informa que as consultas, cirurgias e exames eletivos estão suspensos a partir deste domingo, dia 5 de maio”, disse a nota. “Indicamos que os pacientes procurem nossas unidades apenas em casos de urgência e emergência. Aproveitamos para nos solidarizarmos com todo o povo gaúcho neste que é um dos momentos mais difíceis da nossa história. Estamos empenhados a prestar todo o suporte necessário para a rede de saúde de Porto Alegre”, acrescentou a nota.
Quanto ao Cemitério localizado no pátio interno do hospital, não há maiores informações, Mas é certo que, mesmo com o fenômeno climático que aflige todo o Rio Grande do Sul, os restos mortais do herói acreano estão melhor do que estariam se continuassem em Rio Branco, no cemitério acanhado no mesmo local em que Plácido de Castro foi assassinado, no Benfica. O Cemitério, além das estátuas que representam os momentos finais de Plácido de Castro em 9 de agosto de 1908, quando passava pelo local acompanhando de seu irmão Genesco Castro e alguns auxiliares, a caminho de casa, também está abandonado.
Plácido de Castro morreu em 11 de agosto de 1908, após ser alvejado a tiros, dois dias antes, vítima de uma emboscada preparada por desafetos políticos, entre eles o coronel José Alexandrino, então intendente da Vila Rio Branco. Morreu na casa de seu amigo João Rola, para onde foi levado após ser atingido a tiros de fuzil na região do pulmão, com armas disparadas por seus inimigos que o espreitavam no caminho e o acertaram à traição. O herói acreano teve o mesmo destino trágico de seu avô do qual herdou o nome, o Major do Exército José Plácido de Castro, paulista que, após combater na Campanha Cisplatina, trocou o chão de São Paulo pelo Rio Grande do Sul e assim como neto, morreu assassinado por antigos aliados.
O corpo de Plácido de Castro foi transladado do acanhado cemitério do Benfica para Porto Alegre nos anos 20 a pedido do próprio Plácido de Castro, em seu leito de morte. É o que conta seu irmão Genesco Castro, que estava com ele na hora do tiroteio, em seu livro de memórias. Genesco revela no livro que, Plácido de Castro, convalescendo e já agonizando na casa do amigo seringalista João Rola, febril e sem forças, chama-o ao leito tosco onde morreria e faz seu último pedido:
– Logo que puderes, retira daqui os meus ossos. Direi como aquele general africano: ‘Esta terra que tão mal pagou a liberdade que lhe dei, é indigna de possuí-los’. Ah, meus amigos, estão manchadas de lodo e de sangue as páginas da história do Acre…tanta ocasião gloriosa para eu morrer…”, diz Genesco Castro, no trecho do livro.
Antes da hora derradeira, ele faz outro pedido, segundo relata o irmão em suas memórias:
– Tira do meu peito meu coração e o divide em dois. Um pedaço à nossa mãe e o outro à minha amada noiva.
A noiva, cujo nome não é revelado, moraria em Petrópolis, no Rio de Janeiro.
O que Plácido de Castro não contava é que, no descanso eterno, seus restos mortais fossem ameaçados pelas inundações que ameaçaram destruir todo o Rio Grande do Sul. Seus ossos foram sepultados à entrada do Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, em Porto Alegre. Na frente do pedestal, a família fez questão de deixar gravados, um a um, o nome e sobrenome dos seus catorze carrascos. O líder da emboscada, segundo a família, foi o coronel Alexandrino José da Silva, o subdelegado das tropas acreanas na Revolução Acreana. Rumores da época diziam que o coronel Alexandrino estava insatisfeito com a sua posição no poder do Acre, um posto bem menor que o de Plácido, e por isso armou a emboscada. O herói rio-grandense foi covardemente trucidado, aos 35 anos de idade. O crime até hoje, 116 anos depois, não foi completamente esclarecido.