O major da Polícia Militar que foi torturado durante um curso do Batalhão de Operações Especiais (Bope), em Goiás, desmaiou e entrou em coma, ficando vários dias intubado em unidade de terapia intensiva (UTI). A vítima teve lesão neurológica, perdeu força nos braços e pernas, lida com sequelas renais, formigamentos e choques no corpo, além de um trauma emocional.
De acordo com denúncia do Ministério Público de Goiás (MPGO), as agressões e tentativas de ocultação dos crimes, segundo investigação do Ministério Público, foram praticadas por sete policiais militares, que foram denunciados à Justiça.
Segundo o MP, na intenção de ocultar a violência, os policiais esconderam o caso da família do major e tentaram fingir que o oficial estava internado com Covid-19 e 40% do pulmão comprometido. Isso foi possível porque a vítima foi inicialmente transferida para um hospital de confiança dos militares e era monitorada por um coronel médico, integrante do curso do Bope.
“Certos de que o estado de saúde do ofendido havia atingido níveis críticos e que, por certo, ele não se recuperaria, preferiram aguardar até o seu esperado falecimento, quando poderiam entregar o seu corpo em um caixão lacrado à família, alegando a contaminação pela Covid e impedindo que os fatos viessem à tona e fossem investigados”, escreveu o Ministério Público na denúncia, assinada por três diferentes promotores.
PMs denunciados à Justiça
Conforme revelou reportagem do Metrópoles no mês passado, o Ministério Público ofereceu denúncia contra sete PMs pelos crimes de tortura e tentativa de homicídio, após investigação da Corregedoria que indiciou os militares.
Os crimes aconteceram em outubro de 2021, mas foram mantidos em segredo durante mais de dois anos. A denúncia ainda não foi acatada pelo Judiciário.
De acordo com as investigações, o major João (nome fictício) foi torturado com varadas, pedaços de madeira e açoites de corda durante três dias seguidos no 12º Curso de Operações Especiais do Bope, na Base Aérea de Anápolis.
O curso de operações especiais da PM de Goiás é destinado aos policiais que querem servir no Bope, unidade destinada ao atendimento de ocorrências de alta complexidade, como as que envolvem reféns. O modelo de treinamento ficou muito popular após o filme Tropa de Elite, de 2007. Os formados em tal curso são apelidados de “caveiras”.
João, o major torturado até quase morrer, tinha o sonho de concluir esse curso. Ele vinha se preparando há anos para tal empreitada e, segundo a investigação, apresentava mais resistência ao “treinamento” que os colegas de patentes mais baixas. A persistência e a alta patente teriam, inclusive, motivado os instrutores em aumentar o grau de tortura contra ele.
O major levou tanta pancada que ficou em estado gravíssimo (foto em destaque). Em um primeiro momento, ele chegou ao Hospital de Urgências de Anápolis (Huana) em coma profundo, com lesão neurológica grave, sem responder a nenhum estímulo e com rabdomiólise, que é uma ruptura do tecido muscular que resulta na liberação de uma proteína no sangue, que, por sua vez, danifica os rins.
Mesmo em estado tão grave, os policiais decidiram transferir o major para o Hospital Santa Mônica, na cidade de Aparecida de Goiânia, a uma hora de onde estava, onde ele foi assistido pelo médico que supervisionava o curso do Bope, o coronel David de Araújo Almeida Filho. Tudo isso foi feito sem informar a família do oficial ferido.
Crimes e pedidos
O Ministério Público apresentou denúncia por tentativa de homicídio e tortura por omissão contra os seguintes policiais: coronel Joneval Gomes de Carvalho Júnior, tenente-coronel Marcelo Duarte Veloso e coronel David de Araújo Almeida Filho.
Já no caso do capitão Jonatan Magalhães Missel, coordenador do curso do Bope, o MP apresentou denúncia por torturar diretamente o major e tentativa de homicídio. Em relação ao cabo Leonardo de Oliveira Cerqueira e os sargentos Erivelton Pereira da Mata e Rogério Victor Pinto, o Ministério Público apresentou denúncia por tortura.
O MP pede que todos os denunciados sejam afastados de suas funções e que seus armamentos sejam recolhidos.
Advogado que representa o tenente-coronel Veloso, Caio Alcântara informou ao Metrópoles que os autos são sigilosos. “Portanto estamos legalmente impedidos de fazer qualquer comentário a respeito”, escreveu.
A reportagem tentou contato com os outros indiciados, mas não obteve retorno até a publicação da matéria. O espaço segue aberto.
Em nota, a PM de Goiás informou que o inquérito policial militar sobre o caso foi concluído e devidamente encaminhado para a Justiça Militar. “A Polícia Militar reafirma seu compromisso com o cumprimento da lei e a colaboração com as autoridades judiciais”, escreveu no documento.
A reportagem entrou em contato com a vítima e sua família, que não quiseram se manifestar.