Os dias de tranquilidade da acreana Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, que nunca foram fáceis, parecem ter chegado ao fim e ganham contornos das crises que levaram a ministra e deputada federal licenciada por São Paulo a deixar o Ministério no penúltimo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A possível nova rota de colisão de Marina Silva com a ala mais desenvolvimentista do governo, como ocorreu com a então ministra de Energia de Lula, Dilma Rousseff, agora atende por Magda Chambriard, a nova presidente da Petrobras em substituição a Jean Paul Prates, mais próximo do PT e dos ideais de Marina Silva, que deixou o cargo no último dia 14 de maio a pedido do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A nova presidente da Petrobras já anunciou que vai postular a exploração petrolífera na foz do rio Amazonas, ação que não teria apoio de Marina Silva e é, não por acaso, combatida pelo Ibama (Instituto Brasileiro de Recursos Não Renováveis), que existe sob o guarda-chuva do Ministério do Meio Ambiente. A outra fonte de possíveis atritos de Marina Silva no próprio governo seria com funcionários do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade), outro órgão sob alçada do Ministério de Meio Ambiente.
Marina Silva defende a criação de um novo órgão federal dentro do governo e sob a guarda do Ministério do Meio Ambiente para ajudar a mitigar as consequências no Brasil das mudanças climáticas em curso e que podem causar danos como o registrado nos últimos dias no Estado do Rio Grande do Sul. O problema é que a proposta de um novo órgão esbarra nos interesses dos servidores dos órgãos relacionados à causa ambiental.
Os servidores entendem que, antes de criar novos órgãos na área ambiental, como fez Marina Silva no último final de semana, o governo deveria agir na valorização da carreira ambiental. A declaração da ministra Marina Silva sobre a necessidade de criação de um novo órgão dentro da estrutura do governo para comandar o futuro Plano de Prevenção a Desastres Climáticos não agradou os servidores da carreira ambiental. Em negociação com o Executivo desde outubro de 2023 por melhores condições de trabalho e salário, os servidores temem serem preteridos no processo, segundo divulgado pela representação dos funcionários.
A declaração de Marina Silva sobre o novo órgão ocorreu durante entrevista à CNN. Quando questionada sobre quem vai comandar o ainda embrionário plano de prevenção de desastres, Marina disse: “Estamos num processo de aprendizagem. O que imaginávamos ter uma magnitude, agora estamos expostos à realidade [de vários eventos climáticos extremos]. Então, no meu entendimento, você tem que ter um operador para dinamizar o plano”, disse a ministra.
Segundo ela, o novo órgão não seria anunciado – e ainda não implementado – “Autoridade Climática”, proposta de autarquia que constava de seu plano de governo como candidata presidencial em 2022 e depois incorporada por Lula no segundo turno da campanha de 2022. “Não me apego ao nome Autoridade Climática, quero que tenha um operador [do plano] para poder dinamizar, que seja eficiente […]. Precisamos tirar os municípios da UTI climática”, completou.
Apesar de não dar detalhes sobre como seria o plano e quem o comandaria, Marina Silva citou o Plano de Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAm), cuja coordenação política é feita pela Casa Civil e a coordenação executiva, pelo Ministério do Meio Ambiente.
“É algo inovador. Não temos um rascunho para nos espelharmos. O que está sendo feito é um esforço para colocar de pé uma sugestão para ser avaliada no centro do governo”, declarou.
Não foi a primeira vez que Marina Silva falou da criação de uma autarquia para lidar com a questão climática. A resposta dos servidores veio em seguida.
“Reestruturação da carreira ambiental é a maior ação de combate à crise climática. O mais coerente seria reforçar, estruturar e garantir mais orçamento com concursos para os cargos vagos dos órgãos já existentes do que criar mais um órgão”, disse Cleberson Zavaski, presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira Especialista em Meio Ambiente (Assema). “O que será rachado agora? Ibama ou ICMBio? Se bobear, vão criar uma carreira nova, turbinada, ganhando mais que a ANA [Agência Nacional de Águas] e fazer novo concurso. E quando o bicho pegar, seremos nós a ir lá resolver o problema”, disse outro servidor.
Habilidoso e escaldado com o passado, quando Marina Silva deixou o PT e o Governo, filiou-se ao PV e inclusive concorreu à presidência da República, em 2010, ficando em terceiro lugar na disputa, o PT já se movimenta em busca de agrados à ministra, segundo observadores da política em Brasília. Um desses agrados viria do futuro líder do Partido na Câmara em 2025, o deputado Lindbergh Farias (RJ).
O deputado é autor de projeto de lei complementar que pode turbinar o orçamento do Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva. A proposta altera o arcabouço fiscal vigente, retirando da meta do resultado primário do governo, a chamada meta fiscal, os gastos com “prevenção de desastres naturais e mitigação das mudanças climáticas”.
Hoje, algumas despesas já ficam fora dessa meta, como é o caso de gastos com educação e da Justiça Eleitoral. A ideia central do projeto de Lindbergh é incluir entre as exceções os gastos com prevenção a mudanças climáticas, cujo projeto, se aprovado, pode pode turbinar pasta de Marina Silva, que passaria ter espaço maior no orçamento para investir, por exemplo, na promoção de pesquisas científicas e tecnológicas e na redução de emissões de gases de efeito estufa.
“Ao excepcionar os gastos relacionados à prevenção de desastres e mudanças climáticas das regras do arcabouço fiscal e do resultado primário, estamos garantindo que o governo tenha flexibilidade financeira para tomar medidas eficazes de proteção ambiental e adaptação às mudanças climáticas, contribuindo assim para um futuro mais seguro e sustentável para todos os cidadãos, das gerações presentes e futuras”, diz Lindberg na justificativa de seu projeto.