A maternidade é vista por muitos como um momento apenas de muito amor e carinho, entretanto a pressão social envolta no “ser mãe” e romantização das vivências sem considerar as responsabilidades e peso relacionados a cuidar de outra vida.
Para algumas pessoas, este processo vem ainda com mais dificuldades, afazeres e emoções do que a de uma mãe que passou por uma gravidez típica.
Tais Mortari é uma dessas mães, que teve sua filha aos 26 anos, porém a maternidade não foi algo tranquilo para ela, desde o primeiro dia, quando descobriu estar grávida.
“Foi uma gravidez muito repentina, quando eu descobri que eu estava grávida, eu tava com 7 para 8 meses já, e logo no ultrassom já vimos a hidrocefalia da Ana e que ela tinha uma uma formação na parte posterior da cabeça ”, explicou ela, ressaltando que, para além do estágio já avançado da gestação, Ana ainda veio a nascer prematura.
Sobre o parto, ela afirma que não foi uma boa experiência e que por vezes ouviu falas agressivas por parte de muitas pessoas no hospital. “Demorou mais ou menos uma hora e meia para ser atendida, mesmo tendo uma gravidez de risco”, revela.
A mãe relata ainda que por conta das condições observadas através do ultrassom, teria recebido a opção de realizar o aborto legalmente, mas decidiu seguir com a gestação, mesmo com os riscos.
“Todo mundo achava que ela ia nascer e não ia respirar, tanto que até me foi oferecido logo que eu descobri a opção de abortar legalmente, porque tudo indicava que seria uma criança que não ia sobreviver”.
Ainda sobre as situações passadas no hospital, Mortari pontua dois momentos que se sentiu negligenciada ou atacada. “Durante um momento tinha o médico e acho que mais dois ou três residentes, eles nem olharam para minha cara, nem levantaram o olho pra me olhar (…) na hora que o médico entrou para a cesárea, pegou uma ficha, olhou e falou assim ‘Ah, essa que é a mãe do natimorto’ “, relatou ela sobre algumas das violências sofridas ainda durante a gravidez e parto.
Apesar dos problemas enfrentados, Mortari relata que, no geral, sempre foi muito bem atendida pela equipe e que muitos dos médicos e enfermeiros foram sim atenciosos e amorosos com o caso de Ana.
Com um mês, a mãe explica que Ana precisou colocar uma válvula na cabeça, por conta da hidrocefalia, porém ela estava infectada, o que levou a ter meningite bacteriana que levou a uma paralisia cerebral.
“Até os cinco meses ela teve um bom desenvolvimento dentro do possível, só que depois da paralisia ficou bem mais complicado. Ainda mais porque os médicos não nos falaram, só descobrimos quando avaliaram a ficha completa dela na fisioterapia, há cerca de um ano”, disse ela, sendo este mais um dos problemas enfrentados com médicos.
Além das questões já citadas, Ana também sofre com convulsões e tem baixa visão. As convulsões vieram pela falta de equilíbrio entre os quatro remédios que ela precisa tomar, sendo eles Fenobarbital, Baclofeno, Depakene e Clobazam.
De acordo com a mãe, a filha só teve um bom desenvolvimento no último ano, quando conseguiram realizar as fisioterapias necessárias, terapia ocupacional, ocular e fonoaudiólogo.
Mortari contextualiza ainda o fato de que, exatamente no dia em que puderam retornar do hospital, após o parto, foi decretado o início da pandemia no estado do Acre.
Sobre as possibilidades perdidas e experiências não vividas, ela conta que hoje é dependente de sua mãe, já que não conseguiu concluir os estudos na Universidade Federal do Acre e por conta dos cuidados com a filha não pode trabalhar.
“É difícil ter alguém para ficar com a Ana, não adianta uma babá, precisa ser no mínimo uma cuidadora e é muito caro, não que não valha, pelo contrário, eu acho que cuidadores tem que ser muito bem pagos sim, mas infelizmente eu não posso pagar”.
Tais Mortaria enfatiza que até mesmo a alimentação da filha precisa ser feita com um cuidado especial, por conta da gastrostomia, que surgiu por conta de broncoaspirações que a bebê passou. Além disso, hoje Ana respira através de uma traqueostomia, o que também gera um cuidado e preocupação a mais em seus cuidados.
Apesar de todas as dificuldades e todos os sustos, internações e preocupação provocada pela situação de sua filha, ela não trocaria o que tem hoje e se mostra feliz com o desenvolvimento dela.
“Isso não é fácil, mas eu não troco por nada. Às vezes a gente para analisar essa situação e pensar no antes e depois é um amor, um carinho, não dá para explicar a gente fala ‘eu amo muito’ mas não é suficiente, é muito mais que isso. Tudo que eu perdi, eu ganhei vendo cada sorriso dela”.
Tais ainda enfatiza a importância de seu noivo nos cuidados com a filha, e que sem ele seria muito mais difícil ter que cuidar da filha. “Ele me ajuda muito com a Ana, tenho dificuldade com algumas coisas, vê-la sem a traqueostomia é um exemplo e já tem quase um ano que ela usa, então ele dá banho nela por exemplo. Vários outros cuidados que ela precisa ter ele me ajuda porque tenho minhas dificuldades também”
Sobre o impacto financeiro que vem junto com os cuidados necessários para Ana, o casal explica que por mês, os gastos giram em torno de R$2.500 a R$3.500, além dos equipamentos necessários para uma melhor qualidade de vida da criança.
Apesar das dificuldades e admitir ser um tanto “atrapalhada”, como ela mesma põe, ao ser perguntada como se enxerga como mãe, diz que gostaria de ter tido a si mesma como essa figura.
“Não estou dizendo que tive uma mãe ruim, longe disso, tenho muito o que agradecer a ela, mas eu me vejo como uma mãe muito carinhosa, que tenho muito amor pela Ana, e acho que se você tem esse amor, esse carinho pelo filho, o resto vem de maneira natural”.
Ela fala ainda do orgulho que sente vendo como, apesar das dificuldades enfrentadas durante todo o caminho, a filha está hoje, e que a pergunta que ela mais se faz, quando pensa no início deste caminho é “como que você conseguiu chegar até aí “.
“O que eu mais ouvia quando eu estava grávida da Ana é que não iria sobreviver, tanto que quando eu estava grávida a gente foi ver caixão para o velório, lote em cemitério, porque apesar de tudo ela é a minha filha então fomos resolver isso, aquela Taís com certeza pensaria ‘como você conseguiu chegar até aí?’ se me visse hoje”.
Sobre essa contradição de sentimentos no começo do processo, Mortari diz que sua crença, o espiritismo, ajudou a lidar com a situação, e que ela aceitaria viver quaisquer dos processos que estavam para surgir, seja o de luto, ou as dificuldades de criá-la.
“Por ser espírita, achei que eu não tinha motivo para sofrer antes, eu ia sentir o que tinha que sentir, depois da cesária, de tirá-la e não respirar, então eu poderia ter o meu luto, não vou sofrer por antecedência, eu me recusei. Eu tenho alegria de ter ela e ter todas as responsabilidades que vem junto, a gente não imaginaria que seriam tantas, mas é isso”.
Ela ainda enfatiza que, apesar deste pensamento, foi sim um período sofrido e de muita angústia, devido a tantas incertezas do momento e de todos os processos que estariam por vir. Tais e Ana são um lembrete que ser Mãe, vai muito além de ser mãe.
Ser mãe é uma responsabilidade imensurável, não basta querer, não basta ter uma criança, ser mãe é ter para com o próximo um sentimento tão complexo e abstrato, distante da compreensão comum, que convencionou-se a chamá-lo de amor.