A próxima sexta-feira, dia 17 de maio, marcará 34 anos desde que a Assembleia Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista da Classificação Internacional de Doenças (CID). Um marco que inspirou a criação do Dia Internacional contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia, em 2005.
Atualmente, a comemoração é reconhecida por mais de 130 países. Uma semana antes da data, na última sexta-feira, o Ministério da Saúde do Peru (Minsa) publicou um decreto que faz o país retroceder na luta contra a discriminação e no reconhecimento dos direitos das pessoas LGBTQI+ ao considerar que elas sofrem problemas de saúde mental por causa de suas identidades.
O decreto, que leva a assinatura da presidente Dina Boluarte, consiste em uma atualização do Plano de Seguro de Saúde Essencial (Peas), um documento que contém uma lista detalhada de condições, intervenções e cuidados que são financiados para todos os segurados e que está em vigor nos centros de saúde públicos e privados do Peru.
No entanto, o Ministério da Saúde incorporou novos diagnósticos na categoria de transtornos mentais e comportamentais, com base na décima versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID-10), que expirou em 2022 quando uma versão atualizada, a CID-11, entrou em vigor.
Assim, “transexualismo, travestismo de duplo papel, transtorno de identidade de gênero na infância, outros transtornos de identidade de gênero, travestismo fetichista e orientação sexual egodistônica” foram incluídos no capítulo sobre problemas de saúde mental na cobertura de seguro do país andino, apesar de a OMS ter excluído a transexualidade de seu manual de doenças há dois anos.
Poderíamos dizer que se trata de mais tempo, já que a CID-11 foi submetida à adoção pelos estados membros em 2019. O termo transexual foi substituído por incongruência de gênero, que se limita a uma condição relacionada à saúde sexual.
“Foram necessários 28 anos para remover as identidades trans da mesma categoria. Não vamos retroceder nem mais um dia”, disse em nota o coletivo More Equality Peru, que coletou assinaturas para enviar uma carta ao ministro da Saúde, César Vásquez.
O cientista Percy Mayta Tristán, diretor de pesquisa da Universidade Científica do Sul, também expressou sua preocupação com o decreto:
— A população trans não tem acesso aos serviços de saúde porque tem problemas com o Documento Nacional de Identidade (DNI). Em teoria, é uma forma de mostrar ‘boas intenções’ em fornecer o acesso. O problema é que eles usam o CIE-10, que está dizendo que eles estão doentes. Então, a comunidade LGTBI, a população trans, se opõe e diz: ‘Como você quer que eu me aproxime do serviço de saúde se eles já estão me dizendo que estou doente por ser trans’? — disse ao site Perú 21.
‘Porta aberta para tortura’
Questionamentos similares foram feitos por Jorge Apolaya, porta-voz do Coletivo Marcha do Orgulho de Lima, que exigiu que o Ministério da Saúde alterasse a lei porque ela se baseia em um conjunto de regras que já estão desatualizadas.
— A lei em si está desatualizada e deixa a porta aberta para terapias de conversão, bem como para o uso de hormônios para corrigir a homossexualidade, terapias que são consideradas tortura de acordo com o direito internacional — disse ao jornal El Comercio.
Diante da onda de críticas, o Ministério da Saúde emitiu um comunicado contraditório: eles afirmaram que gênero e diversidade sexual não são doenças nem transtornos, mas não se retrataram nem fizeram uma autocrítica.
Justificaram o decreto, argumentando que é para “garantir que a cobertura do atendimento de saúde mental seja completa” e que “a CID-10 ainda está em vigor no país, enquanto se inicia a implementação progressiva da CID-11, como em outros países da região”.
“O Minsa reafirma categoricamente seu respeito pela dignidade do indivíduo e sua liberdade de ação no âmbito dos direitos humanos, prestando serviços de saúde em seu benefício”, concluiu a declaração oficial.
O ministro da Saúde, César Vásquez, não comentou o assunto. Em vez disso, usou os holofotes para rejeitar a prisão de Nicanor Boluarte, irmão do presidente, preso por suposto tráfico de influência, bem como para justificar o aumento da pobreza, que passou de 27,5% para 29%.