O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou nesta terça-feira (21) todos os atos praticados pela 13ª Vara Federal de Curitiba contra Marcelo Bahia Odebrecht durante a Operação Lava-Jato, quando o ex-juiz Sérgio Moro estava à frente do caso. O acordo de colaboração firmado por ele sobre o esquema de pagamento de propina a empreiteiras, contudo, segue válido.
O ministro determinou ainda o trancamento de todos os procedimentos penais instauradas contra o empresário, herdeiro da Odebrecht e atual Novonor.
Em sua decisão, Toffoli considerou que integrantes da Lava-Jato, atuando em conluio, ignoraram o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade para garantir seus objetivos — pessoais e políticos —, o que não se pode admitir em um Estado Democrático de Direito.
“Diante do conteúdo dos frequentes diálogos entre magistrado e procurador especificamente sobre o requerente, bem como sobre as empresas que ele presidia, fica clara a mistura da função de acusação com a de julgar, corroendo-se as bases do processo penal democrático”, afirmou Toffoli.
Segundo o ministro, a prisão de Marcelo Odebrecht, a ameaça dirigida a seus familiares, a necessidade de desistência do direito de defesa como condição para obter a liberdade e a pressão retratada por seu advogado “estão fartamente demonstradas nos diálogos obtidos por meio da Operação Spoofing”, o que atesta que magistrado e procuradores de Curitiba desrespeitaram o devido processo legal, agiram com parcialidade e fora de sua esfera de competência.
Além disso, Toffoli destacou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em recente relatório de correição realizada pelo ministro Luís Felipe Salomão, na qualidade de Corregedor-Nacional de Justiça, revelou a gestão absolutamente caótica dos recursos oriundos da Operação Lava-Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba.
A decisão de Toffoli tem efeitos imediatos e só será alvo de análise no futuro se houver um recurso. Se isso acontecer, o tema pode voltar a ser analisado pela segunda turma do STF.
Toffolli também registrou em decisão que “o estudo mais aprofundado” da troca de mensagens entre Ministério Público e a vara de Sérgio Moro ” revelou um complexo sistema de captura do Poder Judiciário e do Ministério Público para o desenvolvimento de projetos pessoais e políticos”.
A decisão menciona várias mensagens extraídas da Operação Spoofing. O ministro diz ainda que a Suprema Corte “tem funcionado como verdadeiro anteparo às ilegalidades praticadas por determinados juízes e procuradores de Curitiba”.
Para Toffoli, o Poder Judiciário e o MPF foram utilizados para a realização de projetos próprios, “deixando-se o absoluto anonimato para vender-se centenas de palestras em valor equivalente ao salário mensal da maioria dos juízes e procuradores da República ou para prestar serviços à consultorias internacionais a peso de ouro”.
Na sentença, o ministro também diz que a força-tarefa foi utilizada com finalidade política, por meio de “candidaturas gestadas dentro das instituições”.
Em março de 2016, Moro condenou Marcelo Odebrecht a 19 anos de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. O empresário ficou preso por dois anos e meio, em Curitiba, e teve direito à prisão domiciliar no fim de 2017.
Em abril de 2022, o ministro Edson Fachin, do STF, reduziu de 10 anos para 7 anos e meio a pena de prisão prevista pelo acordo de delação premiada negociado pelo empresário com os procuradores.
Por meio do acordo, Marcelo Odebrecht confirmou a existência, na empresa que levava o nome da família, de um gigantesco esquema de corrupção que implicava políticos de vários partidos políticos.
Acordo de leniência
No início de fevereiro, Toffoli já tinha suspendido os pagamentos do acordo de leniência de R$ 3,8 bilhões firmado pela antiga Odebrecht e atual Novonor com a Operação Lava-Jato. O acordo foi homologado pelo então juiz Sergio Moro, em maio de 2017.
A Odebrecht “pegou carona” em uma ação do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, para suspender o pagamento do acordo de leniência fechado pela empreiteira com a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba.
Com a correção monetária pela taxa Selic, o valor do acordo da Odebrecht/Novonor chegaria a R$ 8,5 bilhões ao final dos 23 anos previstos para o pagamento.
A Odebrecht considera o seu caso mais grave que o dos irmãos Batista, já que o acordo de leniência da empreiteira foi fechado com a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, cujos integrantes entraram na mira das mensagens hackeadas que vieram à tona com a Operação Spoofing.
Na decisão de dezembro, Toffoli disse que as mensagens captadas ilegalmente pelo hacker Walter Delgatti Neto no caso que ficou conhecido como Vaza-Jato levam a “no mínimo uma dúvida razoável” sobre a “voluntariedade dos acordos” da J&F – apesar de o acordo do grupo não ter relação com a Lava-Jato.
Já o acordo de leniência da Odebrecht foi fechado com a Lava-Jato em dezembro de 2016, quando a empreiteira confessou corrupção em 49 contratos de obras e empreendimentos públicos entre 2006 e 2014.
O mesmo argumento de Toffoli para beneficiar a J&F foi usado para atender aos interesses da Odebrecht.