O advogado Walisson dos Reis Pereira, da OAB do Distrito Federal e que representa a família da enfermeira Géssica Melo de Oliveira no Acre, fez, na noite desta sexta-feira (7), graves acusações contra o sistema de Justiça do Estado e, principalmente, contra o delegado de Polícia Civil Romulo Alencar, de Senador Guiomard e que é o encarregado do caso.
A enfermeira foi assassinada aos 32 anos de idade, em dezembro do ano passado após ser baleada durante uma perseguição por policiais militares do Gefron (Grupo Especial de Operações em Fronteira) e seis meses depois o inquérito continua inconcluso, o que levou o advogado a acusar o sistema de justiça estadual e o delegado em particular de protelar a conclusão do caso para beneficiar os policiais acusados de assassinato em primeiro grau.
“O sistema de justiça do Acre, onde se inclui a Polícia Civil, Ministério Público, corregedoria da PM, está sendo muito ineficaz em relação ao caso”. Segundo ele, apesar o Ministério Público já ter concluído a apuração, o mesmo não acontece em relação ao inquérito relatado pelo delegado Romulo Barros.
“O inquérito contra os peixões, os militares que mataram a enfermeira, esse anda em passo de tartaruga manca”, disse o advogado em entrevista exclusiva ao Contilnet. “Este advogado e a família não aguentam mais a demora do delegado. Estamos cansados de promessas”, disse Walisson dos Reis Pereira.
O advogado fez questão de ressaltar a delicadeza e a forma urbana com a qual o delegado Romulo Barros. O trata a cada vez que ele liga de Brasília a procura de informações, mas diz que está cansado de ser “enrolado”. “Ele é educado, prestativo, nos atende com urbanidade, mas, a meu ver, em relação a este caso, não está cumprindo com seu mister. A demora na conclusão do inquérito é injustificável”, afirmou.
O advogado também registrou que a família da vítima está injuriada ao saber do relaxamento da prisão dos militares acusados pelo crime, cujos nomes são inclusive mantidos em sigilo mesmo que os comandantes do policiamento no local tenham forjado o caso plantando uma arma no carro de Géssica a fim de eximirem do crime alegando terem agido em legítima defesa. “Cometeram fraude processual e agora estão em liberdade porque o inquérito permanece inconcluso”, acusa.
A Polícia Militar, que não divulga os nomes dos acusados, informa que os militares saíram do Gefron e foram incorporados às atividades internas da corporação. O advogado da família diz que o relaxamento da prisão de ambos é algo questionável face às circunstâncias do crime.
O laudo pericial do caso mostra que o veículo dirigido pela enfermeira foi atingido 13 vezes por tiros de fuzil. O carro da enfermeira Géssica Melo de Oliveira. O laudo pericial criminal foi feito pelo Departamento de Polícia Técnico-Científica, da Polícia Civil do Acre (PCAC), anexado na investigação do Ministério Público do Estado do Acre (MPAC).
O caso ocorreu em dezembro do ano passado na cidade de Senador Guiomard, interior do Acre, após equipes da Polícia Militar e do Gefron terem perseguido Géssica após ela furar um bloqueio policial em Capixaba, cidade vizinha. De acordo com o Instituto de Criminalística, foram utilizados dois fuzis com calibres 7.62 e 5.56, sendo o calibre 5.56 o que atingiu o maior número de vezes o veículo Peugeot 207, dirigido pela enfermeira.
O laudo ainda afirma que não foram disparados tiros de dentro para fora do veículo, somente de fora para dentro, o que põe por terra a defesa dos policiais de que reagiram e que a ação foi em legítima defesa.
Inicialmente o Gefron afirmava que Géssica estava armada, fazia manobras perigosas que colocavam em risco a vida de outras pessoas e, por isso, atiraram no carro para pará-la. Após a morte, a polícia disse ter encontrado uma pistola 9 milímetros jogada próximo ao local do acidente. A arma é de uso restrito das forças armadas.
Na época do ocorrido, em nota, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Acre (Sejusp) havia dito que foram efetuados cinco disparos em direção ao veículo. Contudo, a família da vítima afirmou que havia mais de dez perfurações no veículo. O carro foi retirado do local em cima de um guincho e, conforme a família, levado para a PRF-AC (Polícia Rodoviária Federal no Acre). Um exame de DNA comprovou que arma encontrada em local não era de enfermeira morta.
A investigação do MPAC conclui que houve indícios do crime de homicídio doloso, com intenção de matar, aliado ao crime de fraude processual, após os policiais inserirem uma pistola no local do ocorrido, dizendo pertencer à vítima. A possível fraude processual também ficou evidenciada pelo fato de os familiares da vítima terem demonstrado não haver qualquer indícios de que houve capotamento no veículo da enfermeira.
O advogado Walisson dos Reis Pereira reafirma que os policiais mentiram e que não houve confronto. “Eles mataram uma mulher indefesa, uma mãe de três filhos e foram soltos sob a alegação de que têm crianças menores de 12 anos e que não poderiam sobreviver sem eles. E os três filhos menores que a Géssica deixou. Podem viver sem ela? É uma vergonha para a Polícia Militar do Acre, policiais forjarem confronto, matar uma pessoa inocente e desarmada para alegar legítima defesa”, disse.
O advogado ainda evidencia que Géssica era mãe, uma pessoa trabalhadora, e nos laudos comprovam que ela não estava sob efeito de bebida alcoólica e nenhuma droga. O advogado explica que o processo administrativo independe do processo criminal e pede providências da corregedoria da Polícia Militar do Acre, mesmo antes da conclusão do inquérito. “Nós vamos lutar por justiça até o final, queremos a condenação desses policiais por homicídio triplamente qualificado e fraude processual”, assegura Pereira.
“Até hoje não foi aberto um processo de exclusão desses agentes fardados supostamente criminosos que marginalizam a Polícia Militar do Estado do Acre, da corporação. Porque o laudo agora comprova que eles simularam um confronto para poder dizer que a morte dela foi legítima defesa. Então é um absurdo. Agora eu quero saber a resposta do comandante da Polícia Militar e do governador do Acre”, cobra o advogado.
Além de questionar o sistema de justiça estadual, acusando-o de inoperante, o advogado volta sua bateria de acusações contra o delegado de Senador Guiomard pela demora no fechamento do caso. “Toda semana, em todas as vezes em que cobro a conclusão, ele marca para a semana seguinte. Isso precisa ter fim”, disse o jurista.
O Outro Lado
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Ouvido pelo ContilNet e informado do teor das acusações e suspeitas do advogado da família de Géssica Melo, o delegado Romulo Barros disse que entende a pressa do jurista e dos familiares da vítima. Ele justificou a demora para a conclusão do inquérito afirmando que trabalha sozinho em Senador Guiomard e que ali há muitas ocorrências diárias, inclusive de flagrante delito.
“Além disso, temos muitos inquéritos a relatar. Não sei a quantia precisa, mas estamos na casa de 800. E atuo sozinho na Delegacia”, disse. “Mas estamos correndo contra o tempo e vamos concluir isso em breve”, acrescentou.