Apontado como o ano da maior seca dos rios da Amazônia, a maior bacia hidrográfica de água doce do mundo, o de 2023 poderá vir a ser superado em 2024 em matéria de estiagem na região.
O alerta vem sendo feito em todo o país por especialistas e pela ANA (Agência Nacional de Águas) que apontam os níveis atuais dos rios Amazonas, Acre, Negro, Solimões, Juruá e Madeira como os mais baixos para o período do ano e que isso pode levar a região a um novo recorde de vazante, com a morte de peixes e outros animais aquáticos, além de prejudicar a vida de seres humanos que precisam dos rios. No Acre, a água potável já é escassa em alguns bairros da Capital Rio Branco, que começam a ser abastecidos por carros-pipas através da empresa estatal Sanecre.
Ainda sem ter superado os efeitos catastróficos das enchentes no Estado do Rio Grande do Sul, o governo federal agora tem que voltar-se para a seca na Amazônia, uma amostra dos efeitos práticos das mudanças climáticas que assustam ao mundo. O governo brasileiro já se preocupa com esta nova ocorrência de novo evento climático extremo no país, informa a secretária nacional de Mudança do Clima.
A secretaria anuncia que uma seca “muito terrível” está prevista para ocorrer em breve na Amazônia, na definição de sua presidente, Ana Toni.
“O governo já está tentando se adiantar, entendendo que municípios provavelmente vão ser atingidos, que tipo de prevenção [será necessária]. Isso está sendo liderado pelo Ministério da Integração Regional, onde está a Secretaria [Nacional] de Defesa Civil, já pensando em ações de prevenção”, afirmou Ana, em seminário do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) sobre descarbonização da economia, no Rio de Janeiro, nos últimos dois dias.
Na última semana, a Defesa Civil do Amazonas divulgou alerta de que a estiagem este ano no estado deve ser tão ou mais severa que a registrada em 2023. A orientação é para que pessoas estoquem água, alimentos e medicamentos a fim de que possam enfrentar o período mais crítico da seca.
Estável há sete dias, o rio Amazonas registrou no último domingo (15), o seu primeiro movimento de descida do ano, que preocupou os ambientalistas. No mesmo dia, o nível do rio Acre na capital Rio Branco (AC), chegou a apenas 1 metro e 95 centímetros, de acordo com monitoramento do Serviço Geológico do Brasil. No último dia 11, o governo do Estado decretou emergência por conta da falta de chuvas e do baixo nível dos mananciais em toda a Bacia do Rio Acre, que se encontra em situação de alerta máximo.
A estiagem na Amazônia ocorre no segundo semestre, com o pico da vazante dos principais rios da região se concentrando entre os meses de outubro e novembro. Em 2023, a Amazônia já havia enfrentado uma das piores secas de sua história, com grande redução do nível dos rios, o que prejudicou o transporte para comunidades ribeirinhas e, consequentemente, seu acesso a água, comida e remédios.
Estudos indicaram que a principal causa para o fenômeno foi a mudança do clima, decorrente de ação humana. Os eventos extremos provocados por essas mudanças climáticas mostram que não basta apenas mitigação e adaptação, mas é necessário também ter recursos para reconstruções.
No Acre, o abastecimento de água em comunidades rurais, que geralmente inicia em julho, começou na segunda-feira (17) na Capital em Rio Branco. Sem chuvas significativas há 20 dias, completados nesta quarta-feira (19), equipes da Defesa Civil Municipal levam para as comunidades carros-pipas para atender os moradores mais afetados. Nesta terça (18), o nível do Rio Acre na capital acreana chegou a 1,90 metro.
A ironia é que isso acontece após menos de 90 dias em que todo o Acre sofreu com enchentes históricas, em vários rios da região. Durante todo o mês de maio, o Rio Acre, principal afluente do estado, ficou abaixo de 4 metros. Em junho, o Rio Acre subiu de nível apenas no dia 2, quando saiu de 2,59 metros para 2,60 metros. Em todos os outros registros, divulgados pela Defesa Civil da capital de forma diária, o cenário é de queda acentuada.
Agora, o manancial tem atingido marcas ainda mais críticas e já está obrigando ao governo estadual a criar um plano de contingência de escassez hídrica. O plano começou a ser aplicado com o atendimento de 29 comunidades da Capital, com a distribuição de água. A meta de distribuição é de 30 milhões de litros de água. As comunidades em Rio Branco são das seguintes regiões: Panorama, Jarbas Passarinho, Quixadá, Adauto Frota, Liberdade, Vila Manoel Marques, Vila Verde, Maria Paiva de Moura, Ramal do Joca, Ramal do Curica, Padre Nilson Josua, Ramal do Romão, Aquiles Peret.
De acordo com a Defesa Civil estadual, 19 mil pessoas devem ser beneficiadas com a entrega de água. Os caminhões vão estar nas comunidades diariamente sob o comando das equipes do órgão.
A causa da escassez hídrica é baixo índice pluviométrico na região. O esperado para junho era de que chovesse 60 milímetros. No entanto, não chove desde o início do mês, o que afeta o abastecimento de água, segundo o coordenador estadual da Defesa Civil, coronel Carlos Batista. “Nós temos redução dos mananciais e isso dificulta a captação de água. Então há todo esse problema na agricultura e na pesca”, disse.
De acordo com o Monitoramento Hidrometeorológico da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), apenas em Assis Brasil, no interior do estado, nos últimos dias houve aumento de 12 centímetros nas últimas 24 horas, saindo de 2,90 metros para 3,02 metros. Houve chuvas de 9,6 milímetros durante este período.
Mas, apesar da pequena oscilação em Assis Brasil, toda a Bacia do Rio Acre está em situação de alerta máximo, com redução no nível. Todos os locais por onde o rio passa registraram enchentes entre fevereiro e março.
O cenário é bem diferente do que foi registrado há 90 dias. Em Brasiléia, o município teve cerca de 80% da área inundada entre fevereiro e março e enfrentou a maior enchente de sua história, quando o manancial chegou a 15,58 metros na cidade. Quase 4 mil pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas. Mais de três meses depois, o nível atual registrado é de 1,13 metro com queda de 10 centímetros desde o início de junho.
Em Xapuri, onde o Rio Acre alcançou 17,07 metros, a última enchente, aponta agora para 1,56 metros. Em alguns pontos do manancial, é possível ver bancos de areia A enchente deixou mais de 200 pessoas desabrigadas e outras 545 desalojadas na região.
“Está se avizinhando a pior seca dos últimos tempos”, disse o presidente da Saneacre, José Bestene, lembrando que em 2023 o município de Epitaciolândia foi o mais atingido com a estiagem. “Com a seca do Igarapé Encrenca, o manancial que abastece a população de Epitaciolândia, ficou com o volume de água bastante prejudicado, mas em nenhum momento faltou água nas torneiras porque o Governo do Estado providenciou caminhões pipas.
É uma preocupação constante da gestão Gladson Cameli não permitir que a população sofra com falta d’água nem que seja preciso improvisar”, relatou Bestene.
O presidente informou que, para a seca deste ano, que já está dando sinais, o Saneacre já está providenciando uma parceria com o Deracre para aprofundar os mananciais e levantar as suas bordas para ampliar suas capacidades de armazenamento. “Além disso, temos feito limpeza nos mananciais para a água não ficar com cheiro de algas”, revelou Bestene.
O programa Calha Norte, de acordo com Bestene, tem recursos para investimento em saneamento básico nas áreas de fronteira e os prefeitos já estão buscando parceria com o Saneacre para o desenvolvimento de projetos de expansão da rede, o que deverá reforçar a oferta de água nos municípios do interior.
De acordo com Bestene, a bancada federal do Acre também está empenhada para mobilizar recursos visando investir no melhoramento dos serviços de captação, tratamento e distribuição nos municípios do interior. “Como sabemos, todo investimento feito em saneamento básico resulta em redução de despesas com internações hospitalares, por isso é uma das prioridades da gestão Gladson levar água tratada e esgotamento sanitário para toda família acreana”, argumentou.
Noutra ponta do Acre, as preocupações com o rio Juruá também não são diferentes. O nível do Juruá alcançou a menor cota para o mês de junho dos últimos cinco anos. De acordo com a Defesa Civil de Cruzeiro do Sul, o nível do manancial está dois metros abaixo do registrado na mesma época no ano passado. O rio tinha uma proporção maior de água, e esse ano, baixou muito rápido. Com a estiagem, que chegou mais cedo, o rio baixou muito rápido.
“Para se ter uma ideia, nesse período no ano passado, o rio estava em 7,54 metros. Esse ano, nessa segunda-feira, chegou a 5,51 metros. Em Porto Walter, está em 1,52. Isso é muito preocupante, porque estamos apenas no começo do verão“, explica José Francisco de Morais, técnico da Defesa Civil Municipal.
Mas enquanto o Governo do Estado se prepara para a crise interna, a preocupação se volta para áreas fora dos limites territoriais do Estado A tendência para os próximos dias é que o nível do rio Madeira diminua ainda mais, caso seja mantida a previsão dos institutos meteorológicos e da Agência Nacional de Águas (ANA).
A previsão do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) é de que a seca deve ultrapassar os recordes do ano passado. Em 2023, o rio Madeira chegou a 1,20 metro, o índice mais baixo das últimas seis décadas.
O Madeira é um dos principais rios do Brasil e o mais longo e importante afluente do rio Amazonas. Sua bacia hidrográfica é enorme, com 125 milhões de hectares, segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). O Madeira banha três países: Brasil, Bolívia e Peru e, além da importância socioambiental, possui imensa relevância econômica, pois possibilita a pesca, o transporte hidroviário e o plantio de diversos produtos em suas margens. O rio possui mais de 1,3 mil quilômetros navegáveis, fazendo dele um grande canal de integração e comércio do Norte do Brasil.