O ex-seringueiro Antônio Soares de Souza, o Brabo, poderia ser confundido com o Kirk Douglas, a considerar os óculos refinados, o cordão de ouro para fora da camisa e os cabelos engomados. E por nunca ter se envolvido em pau de peia, vale o contrário, é homem pacato, popular e politizado.
No seu bar, do Cortezano ao jucá, da Pitú à Pirassununga e ao conhaque Presidente, as prateleiras estão cheias de birita, para o deleite da moçada, a maioria trabalhadores braçais que encostam no boteco, geralmente no fim de tarde, para tirar a reima do dia pesado.
As garrafas compõem um visual interessante. Brabo não as guarda em estoque. As coloca em amostra no estilo marketing agressivo. Um isqueiro BIC enrolado numa liga sobre o balcão serve aos caprichos de quem bebe e ainda fuma. Até seis anos, ele vendia bem.
– Hoje tá mais fraco por causa da violência. As pessoas têm medo de gente ruim e vou no máximo até a meia-noite – diz.
Emenda outro assunto:
– Eu vou ser sincero. Tem muita gente com medo da polícia. Existe muita gente-boa na polícia, mas também tem gente inocente apanhando dela, só por causa de marginais. Aí, os tiras não querem saber quem é bom, quem é ruim.
Mas a polícia gosta do Brabo. Em 2010, ganhou um diploma da PM por ser grande parceiro da instituição na comunidade. O certificado, mandou pregar na parede, bem na entrada.
Brabo gaba-se de ter conhecido José Afonso Cândido da Silva, o Marrosa, homem que na década de 1980 foi um dos maiores traficantes da região, concentrando seus ‘corres’ no bairro Preventório, a três quilômetros do bar dele. Foi morto pela polícia numa operação chefiada pelo delegado Enock Pessoa, os dois já falecidos há muito tempo.
– O Marrosa vinha sempre aqui. Mas não era esse sujeito que pintavam, não. Era educado, sereno e muito meu amigo. Ele só não gostava de ser contrariado e nem da polícia.
Sobre o amigo, ele confessa:
– O danado me convidou pra vender maconha, mas eu o repreendi, dizendo que preferiria uma boa morte a estar preso ou sendo levado de camburão pra Penal.
Continua:
– Sou digno, moço. Meu pai me ensinou assim. A ser justo e correto. Disso não abro mão até partir dessa Terra.
Para encurtar a história, contou que só entrou no ramo dos birinaites para sair da peleja com a seringueira. Negou a si mesmo a vida aporrinhada de seringueiro, dizendo que iria para a cidade vender “nem que fosse caixas de fósforo”.
Com duas notas de cinco contos [bem, não se sabe ao certo qual era a moeda vigente na época] pegou o batelão e tomou rumo. O pé era o vento e o mocotó, um instrumento. Tocou para Rio Branco. Aqui, montou um boteco no bairro Novo Horizonte. Vinte anos depois, mudou-se para a Sobral onde abriu o Bar do Brabo.
Em 2017, para esta entrevista, tinha 56 anos de casado. Brabo teve 14 filhos e recorda-se com saudade do dia em que deixou o Seringal Revisão, às margens do rio Juruá, para onde fora enviado com a família desde Quixadá, no Ceará.
– Ali, foi a primeira vez que me chamaram de Brabo, um nordestino sem conhecer nada da floresta.