“Esse PL coloca a vítima no banco dos réus”, alerta MPAC sobre criminalizar mulheres estupradas

Patrícia Rêgo condena o que chama de retrocesso civilizatório projeto de lei de deputado do PL do Rio de Janeiro

Projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados com a finalidade de tornar crime de homicídio abortos feitos por mulheres estupradas, após a 22ª semana de gravidez, provocou reação no Ministério Público do Estado do Acre (MPAC). Nesta quinta-feira (13), a procuradora de Justiça Patrícia de Amorim Rêgo, coordenadora do Centro de Atendimento à Vítima de Violência Sexual (CAV), do MP acreano, considerou a medida como um “absoluto retrocesso civilizatório”, já que a lei autoriza a interrupção desde 1940 e como forma de não perpetuar esse tipo de violência.

A medida que penaliza mulheres estupradas provocou reações em todo o Brasil/Foto: Reprodução

SAIBA MAIS: Lira faz votação relâmpago e Câmara aprova urgência no PL que equipara aborto a homicídio

Se o PL, de autoria do deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), virar lei, o aborto seria considerado homicídio simples, previsto no Artigo 121 do Código Penal Brasileiro, com pena, nesse caso, entre 6 e 20 anos de prisão.

Para efeito de comparação, no crime de estupro, que consta no Artigo 213 do mesmo Código Penal, a pena mínima é de 6 anos quando a vítima é adulta, poodendo chegar a 10 anos.

Para a procuradora do MPAC, “se [o PL] virar lei, o Brasil vai legitimar o tratamento cruel, degradante e desumano contra meninas e mulheres vítimas de violência sexual”. “Ele colocará a vítima no banco dos réus, o que é um absurdo total”, alertou Patrícia Rêgo, nesta quinta-feira (13), para o ContilNet.

Patrícia Rêgo é procuradora de Justiça do MPAC/Foto: Reprodução

Segundo a coordenadora do CAV, o Código Penal autoriza o aborto, desde 1940, em duas hipóteses. A primeira é quando coloca em risco a vida da vítima. E a segunda, em caso de estupro, respeitada a sua vontade.

“Veja bem, é assim desde 1940. E agora, falo como mulher, como mãe e como procuradora de Justiça que coordena um centro de atendimento a vítimas de violência sexual: esse PL é um desserviço porque dificulta ainda mais o caminho dessa vítima que procura atendimento no SUS [Sistema Único de Saúde]. E o que é pior, criminaliza gravemente com 6 a 20 anos quem sofreu essa violência extrema, pena essa que, diga-se de passagem, é maior que a do estuprador”, assevera a procuradora do MPAC.

Ela cita números do Instituto Liberta, segundo o qual pelo menos quatro meninas abaixo dos 13 anos de idade são estupradas por hora no Brasil. “E esse número, como sabemos, é subnotificado. Ou seja, na realidade, ele é muito maior”. Cerca de 80% desses abusos acontecem em casa e por alguém próximo que é conhecido da vítima.

De acordo com o MPAC, a Lei 12845/13 prevê atendimento emergencial e multidisciplinar à vítima de estupro, que só após informada de seus direitos, avaliada por profissionais médicos e orientação psicossocial, pode optar pela medida do aborto.

Misoginia e naturalização da violência sem limites

A representante do MPAC lamenta o que ela chama de “misoginia e naturalização da violência no país, que abala a dignidade da mulher e parece não ter limites”.

“Infelizmente, grupos extremistas, pagos por nós, contribuintes, numa perspectiva populista e visando obter votos, aproveitam-se da desinformação da população e, sob o pretexto falso de defender a vida, estão a um passo de retirar a dignidade e promover a tortura para inúmeras crianças e mulheres que sofrem violência sexual diuturnamente nesse país”.

Número de abortos legais é abaixo do número de estupros, diz procuradora

Um fenômeno comum, não só no Acre, quanto em todo o país, para as vítimas de estupro é a burocracia. Conforme Patrícia de Amorim Rêgo, o número de abortos legais no país está muito abaixo do número de crimes de estupros. E o motivo são justamente os entraves, a falta de informação e a capacitação do próprio SUS.

Sobre isso, a procuradora de Justiça do Parquet acreano diz: “O cotidiano revela que na prática, em especial , no caso de crianças , em razão da demora em se descobrir a gravidez, porque a criança – estamos falando de crianças –, sequer sabe, desconfia ou identifica que está grávida e poucas vítimas têm acessado esse serviço e direitos”.

PUBLICIDADE