Músico condenado em crime que gerou Lei Seca: “Culpados estão soltos”

Marcello Sales, condenado a 20 anos, diz não ter envolvimento no crime que resultou em 3 mortes. Lei Seca completa 16 anos nesta 4ª feira

“Enquanto os culpados estão impunes, estou assumindo um crime que eu não cometi.” Assim o músico Marcello Costa Sales (foto em destaque) se referiu à condenação de 20 anos imputada a ele por suposta participação no racha que resultou na morte de três pessoas, na Ponte JK, em outubro de 2007. O crime emblemático inspirou o endurecimento da legislação de trânsito, com a criação da Lei Seca, que completa 16 anos nesta quarta-feira (19/6).

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

Pouco mais de uma década e meia do acidente, Sales detalhou ao Metrópoles sua rotina no dia em que as mortes aconteceram e reafirmou ser inocente. “Eu não sei de que forma alguém teve a capacidade de pegar a placa do meu carro para me colocar dentro de um processo e ferrar com a vida de um pobre”, desabafou.

Veja a entrevista completa:

“Eu não tinha nenhum inimigo, nenhuma briga. Até hoje me pergunto o motivo de terem me envolvido nessa covardia. Pegaram a placa de um pobre para assumir o erro de dois”, declarou. Segundo Marcello, uma informação anônima vinculou a placa do carro dele ao racha. O músico afirma que houve falha da polícia na apuração do caso e negligência na investigação da denúncia que o colocou na cena do crime.

Na data em que as mortes aconteceram, Sales dirigia uma caminhonete S10, na cor vinho – mesmas características do veículo que teria disputado um racha com um Golf conduzido pelo ex-professor de educação física Paulo César Timponi.

No início da noite daquele 6 de outubro, o Golf, em alta velocidade, colidiu violentamente contra um Corolla, que trafegava na velocidade da via, na Ponte JK, e matou três mulheres ocupantes do automóvel.

Um laudo emitido à época dos fatos apontou que o carro de Timponi estava a 130 Km/h e o Corolla seguia a 60 Km/h. Logo após a batida, foram localizad0s no veículo dele lata de cerveja, garrafa de uísque e vestígios de cocaína no Golf.

Imagem retirada do processo judicial

Imagem retirada do processo judicial

Imagem retirada do processo judicial

Marcello foi indiciado pela polícia e condenado pelo Tribunal do Júri por participação no racha. Segundo a sentença, não foi o veículo de Sales que causou as mortes, mas ele respondeu solidariamente por ter supostamente participado da disputa. Ele, contudo, alega ser inocente.

“Na data, existiam 712 caminhonetes que seriam investigadas por apresentarem as mesmas características que as informadas pelas testemunhas. Depois da denúncia anônima, não investigaram mais nada. Eu estava com instrumentos musicais na caçamba do carro. E, segundo as testemunhas, a caçamba da caminhonete que participou da corrida estava vazia. Quem não garante que foi o próprio motorista que participou do racha que ligou passando a minha placa, só para poder se safar?”, indagou o músico.

Em dezembro de 2022, após 15 anos da tragédia, Marcello foi condenado por homicídio qualificado por “perigo comum”, por três vezes. Ele poderá recorrer em liberdade.

Mesmo após a condenação de Marcello Costa Sales, Timponi ainda não foi julgado nem há previsão para que isso ocorra. Isso porque o ex-professor foi submetido a exame de insanidade mental, que constatou Alzheimer. Segundo o laudo, Timponi é “inteiramente incapaz de responder ao processo”. Devido a isso, o juiz Frederico Ernesto Cardoso Maciel, do Tribunal do Júri de Brasília, suspendeu toda a ação judicial, em 2020.

Dia do crime

Ao Metrópoles Marcello contou que, em 6 de outubro de 2007, foi convidado para tocar em um evento que ocorreu no clube Agepol, no Setor de Clubes Esportivos Sul. Após a apresentação, saiu do local, por volta das 17h, e seguiu em direção a outro endereço, onde também atuaria como músico.

“Coloquei meus instrumentos na caçamba da caminhonete, com o auxílio de policiais que estavam no clube, e saí para tocar em outro endereço. Passei pela terceira ponte, fiz a tesourinha e fui para a 27 do Lago Sul. Lá, me ajudaram a retirar os instrumentos para que eu pudesse me apresentar. Mais tarde, segui para o Jardim Botânico, na Estância Quintas da Alvorada, para o terceiro trabalho da noite. Como era evento de amigos, passei o fim de semana no local”, detalhou.

Indagado, Marcello informou que, ao passar pela Ponte JK naquele sábado, não viu nada incomum. “Eu posso afirmar que passei antes do acidente, pois não tinha nada na via”, garantiu.

O músico contou que retornou ao lar onde morava, no Cruzeiro, na segunda-feira (8/10/07). Na tarde do mesmo dia, recebeu notificação para se apresentar na delegacia. “Minha irmã me ligou falando sobre a intimação com relação ao racha. Fiquei sem entender, mas pedi para ela assinar e compareci à delegacia. Tudo o que me foi solicitado, na verdade, eu fiz. Só depois de ser processado que eu entendi o que realmente tinha acontecido.”

“Foi aí que fiquei sabendo da denúncia anônima e que foi a partir dela que fui envolvido no caso. Contudo, nada batia. Testemunhas disseram que a caçamba da caminhonete estava vazia, a minha tinha os meus instrumentos. Disseram que a caminhonete do racha tinha detalhes cromados e turbo, o meu carro nunca teve isso, e minhas testemunhas reafirmaram em juízo”, pontuou.

Conforme relatou Marcello, o laudo de uma perícia da polícia também indicou que marcas de frenagem na cena do crime não eram compatíveis com os pneus do carro dele. “A polícia fez testes com minha caminhonete. Pegaram meu veículo, colocaram em cima da 3ª ponte, fizeram todo o percurso do racha e frearam, para deixar a marca do pneu. Compararam com todas as marcas que existiam lá [na Ponte JK] e nenhuma bateu, porque não houve racha da minha parte”, afirmou.

“Sentimento de revolta”

Segundo o músico, também houve falha no momento do reconhecimento da caminhonete. “Colocaram apenas a minha caminhonete no local e levaram as testemunhas para reconhecer. Geralmente, esse procedimento é feito com outros dois veículos parecidos. Há, também, a questão de as testemunhas divergirem sobre ser uma caminhonete com cabine dupla ou simples. Ou seja, não há certezas. Eu fui envolvido em algo que não fiz e me condenaram, apesar das divergências”, disse.

“O que estão fazendo comigo é uma covardia. Meu sentimento é de revolta. Quem matou está solto. Quem matou está impossibilitado. O outro ninguém sabe quem é. Ninguém investigou. Não tem como não sentir revolta. Eu fui condenado a 20 anos por um crime que eu não cometi. Acabaram com a minha vida”, declarou Marcello.

Recentemente, a defesa do músico recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A intenção, segundo o advogado de Sales, é pedir que a Corte “reavalie as falhas no processo”. “O que eu peço é que o STJ e STF [Supremo Tribunal Federal] vejam o que está acontecendo nesse caso. Analisem, por favor. Será que terei de passar por isso mesmo? É isso que a Justiça quer fazer comigo? Analisem o processo. É só o que peço”, finalizou.

O caso

Após ser atingido pelo Golf, o Corolla bateu contra um poste, arremessando as passageiras Antônia Maria de Vasconcelos, Altair Barreto de Paiva e Cíntia dos Santos Cysneiros para fora. O motorista do Corolla, Luiz Cláudio de Vasconcelos, ficou ferido.

“Os acusados agiram para satisfazer sentimento de egoísmo, buscando o prazer de praticar uma conduta perigosa e desregrada sem se importar com o risco que centenas de pessoas que transitavam pelo local se viram obrigadas a sofrer em razão do comportamento dos réus, caracterizando assim o motivo torpe”, diz trecho da denúncia do MPDFT.

PUBLICIDADE