Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 88,7% das vítimas de estupro são mulheres, sendo as crianças as principais vítimas. Do total, 61,4% têm entre 0 e 13 anos de idade, e 10,4% têm menos de 4 anos. Esses dados são referentes ao ano de 2022.
A psicóloga especialista em saúde mental, gênero e direitos humanos e cofundadora do projeto Eu Me Protejo, Neusa Maria, explicou que cada pessoa, incluindo crianças, pode responder de maneira diferente quando se trata da violência.
“A criança tem o seu corpo invadido, e essa violência, além de poder gerar um trauma, pode desencadear adoecimento psíquico, automutilação, autoextermínio, gravidez e doença sexualmente transmissível. Cada pessoa vai responder de forma singular à violência, e todas terão danos que precisam ser tratados”, explica.
Os sintomas das vítimas de abuso são variados e podem persistir ao longo da vida. Entre eles, estão a evitação de contato físico, o distanciamento nas relações, o desconforto ao falar sobre o assunto, a irritabilidade e a introspecção.
Neusa também destaca as estratégias para tratar os danos, que seria o acolhimento da família, rede de apoio e atendimento psicólogico. ” Trabalhar a ressignificação da violência através do cuidado”, pontua.
Maternidade após o crime
De acordo com a coluna Guilherme Amado, do Metrópoles, cerca de 25 mil meninas de 14 anos são mães anualmente no Brasil. Os números são do levantamento Aborto no Brasil, do Instituto AzMina, divulgado em 2023. O Código Penal brasileiro considera que toda e qualquer conjunção carnal com um menor de 14 anos é um estupro de vulnerável.
“É muito difícil para uma criança gerar um filho, porque seu corpo não está preparado para isso. Quando uma mãe sofre estupro e tem esse filho, ela se lembrará da violência. No entanto, tudo depende do manejo da relação. Diversos aspectos estão envolvidos nessa situação, sendo a pobreza um deles. As consequências psicológicas podem ser grandes, assim como as consequências sociais, tanto para a mãe quanto para o filho”, destaca Neusa.
Na quarta-feira (12/6), a Câmara dos Deputados aprovou a urgência do projeto de lei (PL) que visa alterar o Código Penal, que, atualmente, não prevê restrição de tempo para interrupção da gravidez. O PL propõe a criminalização do aborto acima de 22 semanas nos casos já previstos em lei, como estupro e risco para saúde da gestante.
O psicanalista Gabriel Hirata analisa as responsabilidades da sociedade de definir o que é ou não uma vida, em relação a gravidez fruto da violência. “A preocupação social e política com pessoas que engravidam após a ocorrência de estupro, e também com os conflitos morais e culturais que envolvem a legalização ou criminalizacão do aborto, demonstram como a vida é uma questão política”, relata o profissional.
“Os argumentos que se fundamentam em um tipo de ciência biológica – ou quando misturam ciência com crenças – mascaram as perguntas que seriam mais importantes de se fazer nesse momento. Quais vidas podem ter autonomia política? Qual classe social tem a possibilidade de escolher abortar em clínicas ilegais ou viajar para outros países em que o aborto é legalizado?”, questiona Gabriel.
No Brasil, seis em cada 10 vítimas de estupro são crianças vulneráveis com idades entre 0 e 13 anos, muitas delas abusadas por familiares e outros conhecidos. Os dados são do FBSP.