População teme que reforma de mercado possa fazer sumir personagens históricos da cidade

Empina Jó, Cachimbo, Biluca e outros personagens cujas vidas se confundiam com a existência do chamado Mercado Velho sumiram com o progresso, lembram historiadores

No momento em que a Prefeitura Municipal de Rio Branco anuncia mudanças na estrutura física e histórica de seus mercados, como é o caso da Feira Coberta “Elias Mansour”, personagens locais, historiadores e outros interessados que acompanham a extensão de uma cidade em permanente construção, se manifestam na esperança de que a atual gestão do município, não cometa os mesmos erros de outras administrações quando da reforma do chamado Mercado Velho, também no centro da capital.

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Erguido inicialmente na administração do então governador do território Hugo Carneiro, nos anos de 1920, o chamado Mercado Velho, na Avenida Epaminôndas Jácome, foi o primeiro prédio em tijolo e alvenaria construído em Rio Branco e só foi reformado 60 anos depois, nos anos de 2000, na gestão do então governador Jorge Viana, quando passou a ser chamado “Novo Mercado Velho”.

Mercado Municipal Elias Mansour/Foto: Reprodução

De tão novo, o Mercado, que passou a ser um ponto turístico, recebeu iluminação, boxes padronizados e ações de higiene que antes não se via, quando no entorno do Mercado foram edificadas dezenas, às vezes centenas, de palafitas em madeira, de pau a pique, que davam ao local um ar de um imenso “favelão” e uma imagem triste no centro da capital, o que afastava nativos e turistas daquela região da cidade.

Novo Mercado Velho é um dos pontos turísticos de Rio Branco/Foto: Carina Menezes/ContilNet

A reforma de Jorge Viana mudou a paisagem do local. Se transformou em um local atrativo, inclusive para o turismo, o Novo Mercado Velho praticamente apagou a memoria da paisagem humana do local. Um exemplo desse tipo de mudanças é que o busto dedicado ao patrono do Estado da Paraíba, João Pessoa, foi retirado do local no qual fora erguido, na chamada Praça da Bandeira, junto com o mostro do Pavilhão Acreano.

A reforma de Jorge Viana mudou a paisagem do local/Foto: Reprodução

Mas, a principal mudança, foi o total desprezo às pessoas históricas que viviam por ali. Nenhuma referência, mas lembranças para muitos os que acompanharam e conviveram no mercado, como é o caso do funcionário público aposentado Francisco Saraiva, ex-servidor da Universidade Federal do Acre (Ufac).

Empina Jó, um dos personagens citados na reportagem/Foto: Reprodução

 

É o servidor público que lembra de muitos personagens cujas vidas se confundiam com a existência do mercado, os quais desapareceram sem deixar pistas do que com eles aconteceu. Eram personagens como o chamado “Empina Jó”, um homem de mais de 2 metros de altura que, ao grito de “Jó, Empina”, ele passava a andar na ponta dos pés sempre descalços e assim ficava de fato muito mais alto que a grande maioria da média dos acreanos. Gente também conhecida como “Cachimbo”, o “Sorriso”, a “Biluca”, o estivador “Basílio”, e o “Vesgo” – os dois últimos carregavam água do Rio Acre para abastecer às Bancas de Verduras e às muitas Pensões ali instaladas, e Biluca era dona de uma das pensões mais famosas, onde se degustava as autênticas iguarias da cozinha regional.

Novo Mercado Velho/Foto: Carina Menezes/ContilNet

“Esses personagens podiam ser vistos quase todos os dias circulando ou trabalhando na área do Mercado Velho. Empina Jó acelerava as passadas se alguém gritasse: empina Jó! Biluca era muito trabalhadora, mas se algum gaiato se metesse com ela, ficava mais braba do que siri dentro de uma lata. Sorriso ganhou esse apelido porque tinha os dentes salientes e o Cachimbo era um paquerador de sorriso maroto que caminhava faceiro penteando os cabelos crespos com uma daquelas escovinhas que se prendia com os dedos, apesar da má formação do pés e das mãos”, relembra Francisco Saraiva.

Na época, o Mercado Velho era um ambiente de trabalho e encontro dos moradores da cidade, dos colonos que chegavam cedo para vender a produção e visitantes de outras cidades. Centenas de pessoas viviam no espaço do mercado, onde existia o Restaurante Barriga Cheia e muitas outras pensões.

“Como serventia de água, os frequentadores tinham o rio, e os banheiros do mercado para fazer às suas necessidades fisiológicas e tomar banho, e ainda tinham os banheiros do Remanso, um espaço de trabalho, com destaque para os Botecos, muito frequentados pelos chamados “pé-inchado”, revela Saraiva. “Duas das últimas sentinelas da vida acreana dessa região central da cidade de Rio Branco, há mais de 30 anos, o Braguinha, que tinha uma Banca encostada na parede do Banacre que fica de frente para rio, e vendeu a Banca há pouco tempo, e o Pelé, da Banca de Revista, que fica localizada na ponta da Praça Povos da Floresta, logo depois do Bar Municipal, podem avalizar essa história, revela.

Diversos comerciantes trabalham no Novo Mercado Velho/Foto: Carina Menezes/ContilNet

O temor de historiadores e cronistas da cidade como Francisco Saraiva e o advogado Edson Carneiro, que hoje vive em João Pessoa, na Paraíba, é que personagens como os aqui lembrados, que certamente também existem no entorno do “Mercado Elias Mansour”, também desapareçam em nome do progresso das reformas anunciadas pela Prefeitura. No Novo Mercado Velho, as estátuas gigantescas de um homem carregando um jornal debaixo do braço e de uma mulher representando as acreanas, bem que poderiam ser de personagens reais que hoje só existem na memória de pessoas que conheceram a história bem de perto. Personagens que sumiram assim como devem sumir outros ainda existentes na onda do progresso na Capital”, lembrou Saraiva.

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