A segurança dos alimentos é uma prioridade de saúde pública em todo o mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 600 milhões de pessoas (um em cada dez habitantes do planeta) adoecem depois de ingerir alimentos contaminados com microrganismos, como vírus e bactérias, ou substâncias químicas nocivas. Essa é a causa de 420 mil mortes todos os anos, resultando na perda de 33 milhões de anos de vida saudável.
É para mudar esse retrato que desde 2018 a rastreabilidade dos vegetais é obrigatória no Brasil. Em toda a cadeia, do campo à mesa, vegetais frescos destinados à alimentação humana devem apresentar informações padronizadas que permitam ao consumidor identificar a origem do que ele está colocando no prato.
Mas se este é um assunto relativamente novo para os próprios produtores rurais – há menos de dois anos, uma pesquisa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) revelou que só 41,9% sabiam de fato o que é rastreabilidade –, para os consumidores é ainda mais novidade.
Por isso, a fim de tornar mais clara a questão, a seguir estão as respostas para dez dúvidas sobre o tema.
- O que é rastreabilidade de alimentos?
Na definição do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), é o conjunto de procedimentos que permitem detectar a origem e acompanhar a movimentação de um produto ao longo de sua cadeia produtiva, da origem ao consumo. Para isso, é preciso que cada elo dessa cadeia registre informações e documentos que identifiquem qual é o produto, de onde ele veio e para onde ele vai depois.
- Quais os benefícios desse controle?
São diversos os ganhos, e para todos os envolvidos. Para o consumidor, o sistema possibilita saber quem produziu, distribuiu e vendeu o que ele está levando para casa, para que tome decisões mais conscientes sobre o que consome ou na hora de solicitar informações.
Para o produtor, ajuda na profissionalização da cadeia, com a padronização de produtos e processos, e na gestão da propriedade, tornando mais visíveis os pontos de melhoria. Também abre portas no mercado, principalmente para quem deseja exportar, por atestar a segurança e a qualidade do produto para públicos cada vez mais exigentes.
O sistema traz ainda benefícios ambientais, promovendo transparência aos processos empregados na produção dos alimentos, ponto essencial nas estratégias de sustentabilidade para mitigação das mudanças climáticas.
“Soluções de visibilidade e rastreabilidade são capazes de evitar contaminações de qualidade, garantir especificações de clientes, aumentar produtividade do fluxo de material, garantir a execução de práticas de sustentabilidade e ESG e maior transparência e confiança para clientes, fornecedores, colaboradores, acionistas, órgãos de fiscalização e sociedade em geral”, sintetiza um artigo da consultoria EY.
- Como é feita a identificação dos produtos?
A identificação pode ser realizada com etiquetas impressas, código de barras, QR Code ou qualquer outro sistema que permita verificar os produtos de modo claro. Esses dados devem constar no próprio item ou na sua embalagem.
- Que informações devem ser disponibilizadas?
As informações são padronizadas e se referem ao produto (nome, variedade, quantidade, lote, data do recebimento) e ao fornecedor (nome ou razão social; CPF, inscrição estadual ou CNPJ ou Cadastro Geral de Classificação no Mapa; e endereço).
- Apenas o produtor rural participa?
Não. É uma corrente em que todos os elos da cadeia produtiva dividem a responsabilidade. A cadeia de produtos vegetais, segundo o Mapa, abrange as etapas de produção primária, armazenagem, consolidação de lotes, embalagem, transporte, distribuição, fornecimento, comercialização, exportação e importação.
Cada ator dessa cadeia deve manter no mínimo as suas próprias informações, as do elo imediatamente anterior ao seu e posterior, ou seja, de quem comprou o produto e para quem vendeu depois, sempre com nota fiscal ou documento correspondente. Esses registros devem ser mantidos à disposição das autoridades por 18 meses após o tempo de validade ou de expedição dos produtos vegetais.
O produtor primário, em especial, precisa manter registros dos insumos agrícolas utilizados no processo de produção (fertilizantes, defensivos e inseticidas, por exemplo) e de tratamento fitossanitário dos produtos vegetais frescos (o chamado caderno de campo); a data da aplicação; a recomendação técnica ou receituário agronômico emitida por profissional competente; e a identificação do lote.
- Quem fiscaliza esses dados?
A fiscalização e o monitoramento, segundo a normativa, têm competência conjunta do Mapa e dos serviços de vigilância sanitária (Anvisa, no âmbito federal, junto aos órgãos estaduais e municipais). As informações obrigatórias são verificadas em varejistas, centros de distribuição, atacadistas, importadores, estabelecimentos beneficiadores ou manipuladores, packing houses (empacotadores), armazenadores e consolidadores.
- O elo que não se enquadrar é penalizado?
O Decreto nº 11.130/2022 diz que todos que deixarem de assegurar a rastreabilidade ou não dispuserem de registros do produto em posse podem ser penalizados com “advertência, multa, suspensão da comercialização do produto, apreensão ou condenação das matérias-primas e produtos, suspensão, cassação ou cancelamento do registro”.
- Quais são os objetivos desse monitoramento?
De acordo com a Anvisa, a intenção da regulamentação é co-responsabilizar os entes da cadeia produtiva de frutas, legumes e hortaliças pela qualidade e segurança dos alimentos comercializados. Por meio desse processo, é possível controlar e racionalizar o uso de agrotóxicos no plantio e prevenir ou minimizar riscos físicos, químicos e microbiológicos aos consumidores.
- O produtor ou varejista receberá mais pelo produto rastreado?
Segundo a CNA, não necessariamente – até porque a rastreabilidade é obrigatória, não um diferencial. Porém, a adoção da rastreabilidade pode ampliar e fortalecer os negócios. “A adequação à rastreabilidade é um primeiro passo para a obtenção de certificações e para maior abertura a novos mercados, inclusive para exportação. Além de uma maior difusão da marca, caso seja de interesse do produtor”, avalia a entidade.
- A rastreabilidade só vale para vegetais?
Não. Uma série de outras cadeias estão adotando e aperfeiçoando o sistema, desde cosméticos a medicamentos. Dentro do setor de alimentos, a rastreabilidade na pecuária, por exemplo, vem avançando significativamente.
Em maio, o Mapa inclusive instituiu um Grupo de Trabalho para elaboração do plano estratégico para implementar uma política pública de rastreabilidade individual de bovinos e bubalinos, que deve tornar o processo ainda mais refinado. Dessa maneira, será possível saber a raça utilizada, o sistema de produção, questões ligadas a bem-estar animal e sustentabilidade, entre outras informações importantes para a escolha dos consumidores.