Ao todo, foram feitas buscas em 22 empresas, quatro cartórios de registro de imóveis no sul do Amazonas e em órgãos públicos como a superintendência do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) no estado e uma secretaria do governo do Amazonas que cuida de questões territoriais, segundo a PF.
O principal investigado é o grupo Ituxi, com atuação na região de Lábrea, sul do Amazonas, uma das regiões mais desmatadas e degradadas da Amazônia ocidental.
Conforme a PF, os mandados de prisão preventiva expedidos pela Justiça se referem a Ricardo Stoppe Júnior, Elcio Aparecido Moço, José Luiz Capelasso, Ricardo Villares Stoppe e Poliana Capelasso. Até o fim da tarde desta quarta, o primeiro suspeito não havia sido preso e era considerado por policiais como foragido.
Em nota, o grupo Ituxi afirmou que ainda não teve acesso aos autos de investigação. “Assim que a Justiça autorizar a liberação do conteúdo das denúncias, a empresa irá se manifestar publicamente.”
Três projetos de geração e venda de créditos de carbono são alvos da investigação da PF. Uma empresa que desenvolveu projetos em parceria com o grupo Ituxi –como são os casos dos projetos Fortaleza Ituxi, Unitor e Evergreen, investigados pela polícia– é a Carbonext, que se apresenta como a maior geradora de créditos de carbono no país a partir da proteção da amazônia.
A Carbonext não foi alvo de mandados de busca ou prisão. Em nota, a empresa afirmou que é prestadora de serviços e não faz regularização fundiária. “A Carbonext não é alvo da operação Greenwashing. Se as acusações contra os alvos da operação forem comprovadas, a Carbonext também figurará como vítima e tomará oportunamente as medidas judiciais cabíveis.”
O esquema investigado envolveu grilagem de áreas da União que somam 538 mil hectares. Uma perícia da PF confirmou que as áreas são terras públicas e que foram avaliadas em R$ 800 milhões. Parte dos terrenos grilados está na Floresta Nacional do Iquiri e em glebas públicas não destinadas.
Ao todo, o suposto esquema de grilagem, esquentamento de madeira e geração de créditos de carbono pode ter movimentado R$ 1,6 bilhão, segundo a PF, valor que deve ser bloqueado para ressarcimento de danos.
As fraudes para viabilizar a grilagem se estenderam por mais de dez anos, conforme a polícia. Títulos de propriedade foram duplicados e falsificados, segundo a PF, que afirmou ter ocorrido inserção de dados falsos em sistemas públicos, com participação de servidores e responsáveis técnicos.
As atividades se expandiram para as regiões de Apuí (AM) e Novo Aripuanã (AM), também no sul do Amazonas, nos últimos três anos, disse a PF.
Ainda segundo a polícia, por meio de fraudes, a suposta organização criminosa cooptava agentes em cartórios e transformava terras públicas em “privadas”.
Depois, planos de manejo eram usados para esquentar a madeira extraída de territórios que deveriam estar preservados, como terras indígenas. Com a área original em pé, começaram a surgir os projetos de créditos de carbono, em cima de áreas supostamente griladas.
Os créditos eram gerados em projetos desenvolvidos em parceria com a Carbonext, certificados pela empresa internacional Verra e vendidos a multinacionais interessadas em compensar suas próprias emissões de gases de efeito estufa.
Créditos de carbono são gerados a partir de atividades que evitam desmatamento e degradação da floresta. O instrumento que permite isso é o REDD+, desenvolvido no âmbito da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima.
Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida para a atmosfera em razão do desmatamento que foi evitado.
Entre as empresas que compraram créditos do grupo Ituxi, segundo a PF, estão Boeing, Gol, iFood, Toshiba, Itaú, Ecopetrol, Nestlé, Spotify e PwC. A PF diz tratar essas empresas como vítimas.
“Esses créditos não poderiam ter sido gerados por esse empreendimento”, afirmou o delegado Thiago Scarpellini, com atuação na PF em Rondônia, um dos responsáveis pela investigação. “A certificação feita está em desconformidade com a atuação brasileira e não verifica ocorrência de grilagem, por exemplo.”
Segundo o delegado, a empresa suspeita chegou a ingressar com ação contra a União, mesmo tendo “usurpado a área, desmatado e desenvolvido um plano de manejo”.
“Eles viram oportunidade de ter novos lucros ilegais, alegando serem proprietários de uma floresta em pé, o que daria direito aos créditos de carbono”, disse o delegado Humberto Freire, diretor de Amazônia e Meio Ambiente na PF em Brasília. “É preciso que haja regulamentação desse mercado, o que facilitaria a atuação de órgãos de fiscalização e persecução penal.”
Para Freire, os créditos de carbono não podem existir em nome da empresa suspeita. “A terra não é deles. Os créditos são nulos.”
O suposto esquema envolveu a exploração ilegal de mais de 1 milhão de m³ de madeira em tora, o que gerou um dano ambiental de R$ 606 milhões, conforme a PF.
Fonte: Folha de São Paulo