A Vila Olímpica de Paris vai abrir as portas no dia 18 de julho para 14 mil pessoas entre atletas e integrantes de comissão técnica. O conjunto de 82 prédios, porém, já abriga polêmicas. A ausência de aparelhos de ar-condicionado instalados é o principal ponto de disputa. O Comitê Organizador dos Jogos foca no projeto de um bairro ecologicamente sustentável, mas muitas delegações, inclusive a do Brasil, defendem o conforto e a saúde dos atletas em um verão que pode ter temperaturas de mais de 40ºC na França. As camas de papelão, apelidadas de camas “antissexo”, também não são unanimidades.
A dez dias para a abertura da Vila Olímpica, o ge detalha a estrutura do complexo ao norte de Paris: do restaurante com veto a batata frita e bebidas alcóolicas ao transporte ecologicamente sustentável, além de uma visão da posição do Brasil no bairro dos atletas.
Entenda a disputa sobre ar-condicionado na Vila Olímpica
Foco na sustentabilidade
O Comitê Organizador dos Jogos de Paris tem o objetivo de promover as Olimpíadas mais “verdes” da história, reduzindo a emissão de carbono do evento. A ausência de ar-condicionado na Vila Olímpica faz parte desse plano para diminuir o consumo de energia e da pegada de carbono.
Tecnologia de geotermia
A Vila Olímpica tem prédios em blocos separados, permitindo a circulação de correntes de vento. O bairro é ligado à rede de refrigeração urbana, um sistema que bombeia água do rio Sena para tubulações subterrâneas, conseguindo reduzir a temperatura em até 6ºC em relação ao ambiente exterior. Mais de 700 prédios de Paris são resfriados por esse sistema, incluindo o museu do Louvre e a Assembleia Nacional.
A preocupação com a onda de calor
Muitas delegações acreditam que a geotermia não vai ser o suficiente para garantir o bem-estar dos atletas, uma vez que as temperaturas no último verão chegaram a ultrapassar os 40ºC – 5 mil pessoas morreram na França por causa do calor no último verão. O estudo científico “Rings of Fire” (Anéis de Fogo), divulgado em junho, alertou para os riscos de ondas de calor durante as Olimpíadas. O relatório afirmou que competir em condições climáticas extremas, incluindo desidratação, exaustão, insolação e até a morte.
A solução: climatizadores alugados
Diante da pressão de delegações como Estados Unidos, Japão, Austrália e Grã-Bretanha, o Comitê Organizador ofereceu uma solução: os países bancarem o aluguel de climatizadores temporários ao custo de 300 euros por unidade. Cerca de 2.500 aparelhos foram encomendados. Assim, cerca de 35% dos 7.000 quartos vão contar com ar-condicionado alugado. Outros países que alugaram climatizadores foram Itália, Holanda, Grécia, Canadá, Dinamarca e o Brasil.
– O objetivo era fornecer uma solução muito específica para os atletas que enfrentam o jogo ou a competição das suas vidas e que podem ter necessidades de conforto e recuperação superiores às de um verão normal – disse Augustin Tran Van Chau, vice-diretor da Vila.
Brasil aluga 130 aparelhos climatizadores
O Comitê Olímpico do Brasil (COB) engrossou o coro dos países que reclamaram por ar-condicionado na Vila Olímpica. O COB chegou a prever o aluguel de 180 climatizadores, mas alugou no fim 130 unidades – a delegação brasileira tinha estimativa de 330 atletas e vai contar com cerca de 270. Assim, o investimento do COB vai ser de 39 mil euros (pouco mais de R$ 230 mil).
O que diz o COB
– Considerando que é possível atingirmos temperaturas acima de 30 graus e que uma boa noite de sono pode fazer a diferença no resultado, o COB tomou a decisão de investir no aluguel de ar-condicionado portátil para, caso necessário, garantir a temperatura ideal de descanso, indicada por especialistas como algo em torno de 21 a 23 graus. Entendemos e apoiamos toda a questão da sustentabilidade dos Jogos, que é importantíssima, e acreditamos que existem outras diversas ações que serão implementadas neste sentido durante a competição. Nesse momento tão importante na carreira dos atletas não podemos correr o risco de comprometer o descanso na véspera da competição – disse ao ge Joyce Ardies, gerente de Jogos e Operações Internacionais do COB.
O que dizem outros países
– Apreciamos o conceito de não ter ar-condicionado devido à pegada de carbono, mas estes são Jogos de alto desempenho. Não estamos indo a um piquenique – disse em entrevista coletiva Matt Carroll, CEO do Comitê Olímpico dos Estados Unidos.
“Teremos ar-condicionado nos quartos da Vila. Temos grande respeito pelo trabalho realizado pelo Comitê Organizador de Paris e, em particular, pelo seu foco na sustentabilidade. Como vocês podem imaginar, este é um período em que a consistência e a previsibilidade são críticas para o desempenho da equipe dos EUA e, em nossas conversas com os atletas, isso foi uma prioridade muito alta, algo que os atletas sentiram ser um componente crítico em suas capacidades de desempenho”, disse em entrevista coletiva Sarah Hirshland, CEO do Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos.
O que dizem os atletas
– Uma coisa que sabemos é que o Comitê Organizador não vai fornecer ar-condicionado em qualquer quarto da Vila Olímpica, o que de um jeito reduz a emissão (de carbono) dos Jogos, mas de outro lado o atleta não pode se refrescar e se recuperar rápido. Acho que da perspectiva do atleta é um ponto negativo. Do lado da sustentabilidade é positivo – disse a triatleta indiana Pragnya Mohan, em painel do estudo climáticos “Rings of Fire”.
– É preciso ter uma visão maior do que o esporte pode fazer nessa área, olhar para a emissão de carbono e o impacto na natureza, para como podemos usar nossa influência para mudar a opinião das pessoas. Em termos do que podemos fazer para isso, a decisão de não usar ar-condicionado é boa, inspira mudanças, apresenta uma missão. É importante. Claro que há outras estratégias (para refrescar o corpo) como uma banheira de gelo, que pode reduzir a temperatura corporal. Tenho certeza de que as equipes farão isso. Acho que é a decisão certa – disse James Farndale, jogador de rugby da Grã-Bretanha, em painel do estudo climáticos “Rings of Fire”.
– Sou do Rio de Janeiro, lá faz bastante calor. Eu gosto de competir quando tá verão lá fora. Eu odeio frio. A gente não fica muito tempo na Vila Olímpica, mas acredito que a gente vai dar um jeitinho. Independente de estar calor ou de estar frio, lá dentro é climatizado, a gente quase não sente na verdade o calor. Acho que vai ser tranquilo nesse aspecto – disse a judoca Rafaela Silva ao ge.
O que diz a prefeita de Paris
– Tenho muito respeito pelo conforto dos atletas, mas penso muito mais na sobrevivência da humanidade – disse Anne Hidalgo à rádio francesa “France Info”, em fevereiro de 2023 – O que importa para mim são esses prédios. Esses apartamentos vão se tornar um bairro onde as pessoas de Ile Saint Denis, Saint Ouen e Saint Denis viverão. Esses novos prédios não precisarão de ar-condicionado, então estamos trabalhando a longo prazo – completou a prefeita neste ano, em entrevista coletiva.
A cama “antissexo”
As camas de papelão foram uma inovação ecológica das Olimpíadas de Tóquio e voltam à cena na Vila Olímpica de Paris. As camas, que são construídas com materiais 80% recicláveis, suportam até 200kg, mas ganharam fama de serem “antissexo” durante os Jogos do Japão. Na ocasião, havia uma regra de proibição de contato íntimo imposta pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). A medida tinha como objetivo evitar surtos de coronavírus em meio à pandemia. Paris encomendou 16 mil camas. Colchões e travesseiros utilizados vão ser doados a instituições de ensino após as Paralimpíadas.
Fim de proibição de intimidade e 300 mil camisinhas
A fama de “antissexo” das camas de papelão pode ser colocada à prova em Paris. O Comitê Organizador dos Jogos anunciou em março o fim da proibição de intimidade imposta nas Olimpíadas de Tóquio por causa da covid. Laurent Michaud, diretor da Vila Olímpica, afirmou que 300 mil camisinhas vão ser distribuídas para os atletas.
A distribuição de preservativos começou nos Jogos Olímpicos a partir de Barcelona 1992. À época, a medida visava o combate à Aids. Desde então, virou uma tradição olímpica na Vila. Os Jogos do Rio de Janeiro, em 2016, têm o recorde de distribuição de camisinhas, com 450 mil preservativos.
O restaurante: consumo reduzido de carne e veto a batata frita e álcool
O restaurante oficial dos atletas na Vila Olímpica também aderiu ao plano de sustentabilidade dos Jogos de Paris. O Comitê Organizador reduziu as opções com carne no cardápio (seja carne vermelha ou branca) para diminuir a pegada de carbono. Os pratos vegetarianos são o destaque do menu, que não conta com batata frita, um clássico francês.
A ideia é oferecer uma alimentação saudável aos atletas. Pelo mesmo motivo, bebidas alcóolicas foram vetadas. O foie gras, iguaria típica da culinária francesa, também foi rejeitado por estar ligado a abusos dos animais – é feito com fígado de ganso ou pato.
Sem ar-condicionado no restaurante
O espaço do restaurante fica na Cité du Cinéma, no coração da Vila dos Atletas, e ficará aberto 24 horas por dia durante as Olimpíadas, com capacidade para até 3 mil pessoas por vez. A expectativa é de que sejam servidas mais de 40 mil refeições diariamente, com 50 receitas diferentes. Assim como nos quartos, o restaurante da Vila Olímpica não vai contar com ar-condicionado. Além da tecnologia de geotermia, ventiladores vão ser responsáveis pela climatização do ambiente.
Transporte ecológico: carros elétricos e bicicletas
Os 82 prédios da Vila Olímpica estão espalhados por 53 hectares (cerca de 330m²), construídos em uma antiga zona industrial entre as cidades de Saint-Denis, Saint-Ouen e L’Île-Saint-Denis, no subúrbio de Paris, sete quilômetros ao norte do centro da capital francesa, seguindo as margens do Rio Sena.
Para o transporte dos atletas dentro do bairro, o Comitê Organizador vai disponibilizar carros elétricos, em alinhamento com a proposta ecológica do projeto. Os franceses querem com os carros elétricos diminuir o consumo de combustíveis fósseis, como o petróleo da gasolina – combustíveis fósseis emitem maior quantidade de carbono. Bicicletas também vão estar à disposição dos atletas.
O Brasil na Vila de Paris
A seleção brasileira de ginástica artística vai ser a primeira delegação do Brasil a entrar na Vila Olímpica, já no dia de abertura do complexo, em 18 de julho. Todo o Time Brasil vai se alojar no prédio 3, que fica no fundo do bairro. A escolha do COB foi estratégica. Ficou longe do agito da área internacional da Vila, onde há mais circulação de pessoas. Ficou mais perto do restaurante, mais perto do setor de transportes e mais perto da saída de Saint Ouen. O COB montou uma base na cidade, no Chateau de St. Ouen.
O futuro da Vila Olímpica de Paris
Todo o projeto da Vila Olímpica foi pensado colocado em primeiro plano a sustentabilidade ao fim dos Jogos. O complexo vai virar um bairro sustentável para 6.000 residentes, com duas escolas, um hotel, um parque público, lojas e escritórios. Cerca de 6.000 pessoas vão trabalhar na região.