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Desmatamento na Amazônia em julho mais que dobrou e saiu de 101,5 km² para 204,29 km²

Por Tião Maia, ContilNet

Pesquisa brasileira alerta para combate urgente do desmatamento

O mês de julho não trouxe notícias alvissareiras para a Amazônia e o futuro de seus povos. Pelo contrário. Nos primeiros dias do mês, a área com alertas de desmatamento na região mais que Amazônia mais que dobrou no período de primeiro de julho a 12 de julho, em comparação com o mesmo período do ano passado.

Os dados são do sistema Deter, produzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De acordo com o Inpe, no período citado de 2023 as áreas com alertas de desmatamento foram equivalentes a 101,5 quilômetros quadrados (km²). No intervalo deste ano, o número saltou para 204,29 km². Os números de alertas, no mesmo período, passaram de 601 para 1.160.

A Amazônia Legal corresponde a 59% do território brasileiro/Foto: Ministério do Meio Ambiente

Apesar da disparada nos primeiros dias de julho, no ano o resultado ainda é de uma retração na perda de vegetação de 32,8%. A área com alerta de desmatamento em 2023 de 1º de janeiro a 12 de julho foi de 2.750 km². Neste ano, o somatório resulta em 1.847 km².

Os dados do Deter não informam a área real desmatada. Ela é medida por outra ferramenta do Inpe, o Prodes, e é calculada de agosto de um ano a julho do outro. O Deter tem como principal finalidade dizer onde há indícios de desmatamento para que a fiscalização possa atuar antes que o crime ambiental seja concretizado.

Mas, no momento, os servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) estão em greve. Eles reivindicam melhores salários e reformas na carreira.

Sem sucesso nas negociações, o governo federal entrou com uma ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para dar fim à greve dos servidores públicos. O pedido foi protocolado no último dia 2 e ainda não foi analisado pela corte.

Os servidores afirmam, em um comunicado distribuído à imprensa, que em 2023 a atuação deles contribuiu para reduzir em 49,8% o desmatamento na comparação com 2022. As declarações estão em uma carta assinada pela Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema).

Cientistas e ambientalistas estão preocupados com o que pode acontecer com a Amazônia nos próximos meses. O bioma teve chuva abaixo da média e são esperadas temperaturas elevadas. É aguardada uma seca severa, o que pode impactar a vida de ribeirinhos, produções agrícolas e degradação do bioma, inclusive, com possíveis queimadas.

No momento, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) trabalha na resposta à crise no Pantanal. O bioma teve aumento de 1.541% nas queimadas de 1º de janeiro até 19 de julho deste ano na comparação com o mesmo período de 2023. No ano passado, no período, foram 243 focos de calor identificados pelo Inpe e agora, em 2024, já são 3.989. Nos últimos dias, o fogo cedeu, mas há preocupação com a chegada de uma onda de calor.

Paralelo a isso, um estudo divulgado nesta terça-feira (23) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Joint Africa Institute (JAI) trazem o nome e a causa do desmatamento ilegal na Amazônia: a pecuária e a pressão internacional por produtos de proteína animal.

O estudo mostra que Amazônia Legal Brasileira (ALB) – que compreende toda a parte da Bacia Amazônica situada no Brasil e vastas porções adjacentes do Cerrado, estendendo-se por nove Estados, incluindo o Acre, soma mais de 5 milhões de quilômetros quadrados e corresponde a quase 60% do território nacional. Mostra ainda que, atualmente, 23% dessa área já foi desmatada e mais de 1 milhão de km2 encontram-se degradados, colocando a região em risco de atingir um ponto de inflexão ecológica que poderia colapsar os ecossistemas e liberar bilhões de toneladas de carbono na atmosfera. Seriam esses os primeiros passos para a possibilidade de, em um tempo nem tão distante, a vida se tornar inviável no bioma.

De acordo com o estudo, algumas regiões da ALB, especialmente nas franjas do Cerrado e no chamado “Arco do Desmatamento”, já são emissoras líquidas de carbono. A manutenção da área preservada e a recuperação de porções degradadas são necessidades urgentes, que mobilizam diferentes atores da comunidade global.

A demanda estrangeira por commodities é frequentemente considerada a motivação principal do desmatamento. Mas, embora esta constitua um fator muito relevante, os mercados domésticos exercem pressão ainda maior. Foi o que constatou o estudo realizado por pesquisadores como Eduardo Haddad e colaboradores, publicado na revista Nature Sustainability.

“O desmatamento é frequentemente avaliado a partir da perspectiva da oferta, ou seja, quais setores produtivos estão promovendo a substituição das florestas por outros usos da terra, como agricultura e pecuária. A metodologia que adotamos permite ver o fenômeno do desmatamento também a partir da perspectiva da demanda, identificando as fontes de estímulos econômicos para que os setores produtivos se envolvam no desmatamento”, explicam os pesquisadores.

“Com base nesse critério, nosso estudo mostrou que 83,17% do desmatamento foi desencadeado por demandas de fora da Amazônia e apenas 16,83% por demandas da própria região. Na composição dos 83,17%, verificamos que 59,68% foram decorrentes de demandas do restante do Brasil e 23,49% de demandas do comércio internacional”, acrescentou Hlata Haddad.

O pesquisador é professor titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e consultor de agências internacionais de desenvolvimento, como o Banco Mundial (BM), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), A metodologia adotada no estudo baseou-se principalmente na chamada Matriz de Insumo-Produto (MIP).

Criada pelo russo naturalizado norte-americano Wassily Leontief (1906-1999), a MIP (Input-Output Matrix, em inglês) representar matricialmente as relações entre os diversos setores da economia, registrando os fluxos de bens e serviços e possibilitando conhecer os impactos que as alterações em um setor produzem nos outros. No Brasil, a MIP mais recente foi feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2015. Devido à complexidade matemática e à restrição de acesso aos dados de milhões de empresas e suas estruturas comerciais, não houve atualização depois disso. Usar dados de 2015 poderia ser inadequado se não fosse pelo fato de que, infelizmente, a estrutura da economia brasileira mudou muito pouco desde então.

A década de 2010 foi a pior da série histórica de 120 anos do Produto Interno Bruto do país, com crescimento de apenas 0,3% ao ano. Por isso, utilizamos a MIP de 2015 adaptada para a Amazônia Legal Brasileira, combinada com dados setoriais e regionais de desmatamento e de emissões de gases de efeito estufa, para medir os impactos diretos e indiretos da demanda doméstica e internacional por insumos e produtos finais da ALB, com foco em setores intensivos em desmatamento, como a agricultura e a pecuária”, explica Haddad.

A Amazônia passou por enormes transformações no último meio século. Inovações técnicas, investimentos em infraestrutura e mudanças políticas facilitaram a expansão do cultivo de soja da região central do Cerrado para vastos segmentos da ALB. A produção local de soja, que era inferior a 200 toneladas em 1974, representando apenas 0,02% do montante nacional, alcançou 50 milhões de toneladas em 2022, 41,5% do total brasileiro. Igualmente vertiginoso foi o crescimento da pecuária: de 8,9 milhões de cabeças de gado em 1974 (9,5% do rebanho brasileiro) para 104,3 milhões de cabeças em 2022 (44,5% do total).

“A expansão da pecuária atendeu principalmente ao crescimento do consumo de carne, produtos lácteos e couro em outras regiões do país. Impulsionado pelo aumento da renda média per capita e pela rápida urbanização, o consumo de carne no Brasil subiu acima da média global após os anos 1960. Dos 1,4 milhão de hectares desmatados pela pecuária, 61,63% visam atender, direta ou indiretamente, à demanda interna de fora da Amazônia e 21,06% à demanda internacional. O desmatamento por atividades agrícolas mostra um padrão diferente, com 58,38% atendendo à exportação e 41,62% ao mercado interno”, informa Haddad.

O estudo ressalta que, apesar de afetar diferentes biomas da Amazônia Legal, o desmatamento ocorrido até agora no Brasil se concentrou geograficamente nessa região. Em 2015, a ALB respondia por 65,7% do total do desmatamento acumulado no país. A pecuária foi a principal causa imediata (93,4% do total regional), seguida pela produção agrícola, principalmente de soja, milho e algodão (6,4%), e pela mineração (0,2%). A construção de infraestrutura e o processo intensivo de urbanização também fazem parte dos fatores antrópicos diretamente ligados à eliminação ou à degradação da cobertura vegetal original da Floresta Amazônica e do Cerrado.

“Atividades ilegais, como a grilagem de terras, são muito relevantes no contexto. Um estudo recente mostrou que metade do desmatamento da ALB nas últimas duas décadas ocorreu em terras públicas ocupadas ilegalmente por grileiros. Disputas legais têm levado décadas e não impedem que a maioria das áreas ilegais ou do desmatamento ilegal em propriedades privadas participe tanto do mercado de terras quanto do processo de produção”, acrescenta Haddad.

O estudo em pauta demonstra que a demanda econômica originada no centro-sul mais desenvolvido do Brasil impõe uma pressão ainda maior sobre o desmatamento na Amazônia do que as exportações internacionais. Esse conhecimento é muito relevante para orientar políticas públicas e ações da sociedade civil voltadas para preservação ou regeneração. E, como as mudanças no uso da terra, por meio da pecuária e da agricultura, continuam sendo as principais fontes de emissões de dióxido de carbono (CO2) no Brasil, o controle do desmatamento e da degradação torna-se imperativo para que o país possa cumprir suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa.

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