A sexta Olimpíada de Marta chega com uma sensação diferente: alívio. A camisa 10 da seleção brasileira aguardou o anúncio das 18 selecionadas do último dia 2 de julho de uma forma diferente. Não ficou em frente ao computador. Preferiu se desligar, deixar o celular longe. Depois de 10, 15 minutos, o nome confirmado na lista. O sentimento de nervosismo se foi e chegou a confirmação de que o que segue fazendo no campo ainda é vital para o Brasil.
– Eu estava muito nervosa. Bastante. Estava nervosa na noite anterior já. Não consegui dormir muito cedo, pensando. Aí no dia da convocação eu ficava olhando o relógio. Em Orlando é uma hora a menos, mas eu não quis assistir à convocação. Eu fui ver só depois de uns 10, 15 minutos – disse Marta em entrevista exclusiva ao ge.
– (Foi) Meio que um alívio. É lógico que se eu for comparar a primeira convocação para ir para uma competição com uma Olimpíada eu acho que a empolgação foi maior. Essa foi tipo assim…(respiração funda). Um alívio porque é bem difícil você chegar em um patamar altíssimo e se manter nele por muitos anos e ter a oportunidade de jogar mais uma Olimpíada, a minha sexta. Eu estava trabalhando para isso, lógico. Quando saiu meu nome ali eu…(respiração funda). O que eu estava fazendo até então resultou nisso. Não foi por nome. Foi por merecimento. Mais um alívio – completou.
Aos 38 anos, Marta cita que a convocação foi por merecimento. Os números comprovam principalmente pela temporada no Orlando Pride. A equipe é atual líder da NWSL. A jogadora seis vezes melhor do mundo esteve em 10 dos 13 jogos do time até aqui como titular. Foram 75 minutos por partida com cinco gols na competição, além do percentual de 83% de passes certos por partida. O momento também é celebrado pelo novo posicionamento em campo.
– Realmente essa sensação de jogar e fazer uma função mais livre, enxergar o jogo de uma maneira diferente e não somente estar lá na frente, esperar a bola chegar, mas sim fazer com que a bola chegue tanto em mim quanto nas minhas companheiras me dá essa sensação boa porque eu estou participando do jogo o tempo inteiro. Eu sei da minha responsabilidade tanto defensiva quanto ofensiva. Mas quando você joga com mais liberdade você tem possibilidade realmente de criar mais jogadas no teu estilo. E o meu estilo é esse. Tentar ler o jogo o mais rápido possível, conseguir achar o espaço para minhas companheiras. Quando tem que ir no um contra um eu vou. Não faço isso com tanta frequência de quando eu tinha 10, 15 anos a menos, mas eu ainda faço isso e dentro do planejamento da equipe e onde eu posso fazer e com segurança. Lógico que estou me sentindo super bem, fazendo essa função no Orlando Pride e aqui na seleção nos últimos jogos eu também tive essa liberdade de alguma forma. Mesmo sabendo a minha função. Nos últimos dois jogos aqui na seleção eu joguei diferente, mas com essa liberdade de voltar, pegar a bola, criar, ir para cima. Sem dúvida para mim é uma situação que me deixa em um momento confortável – disse Marta.
O momento de bom futebol não é por acaso. Marta comenta que sempre trabalhou para ter uma carreira longa em campo. E assim vai sendo com seus 38 anos atuais. Da primeira Olimpíada, em 2004, para a última, em 2024. Mas ela ressalta que nunca se deixou deslumbrar pelas conquistas e não pensa nesse recorde de sua sexta Olimpíada. Ela comenta que refletir sobre isso se dará depois de sua aposentadoria. No momento, o que ela deseja é desfrutar e seguir aprendendo, agora com Arthur Elias e também com as jogadoras mais novas.
– É uma continuidade. Sempre trabalhei muito para ter um carreira longa. Nunca me deixei deslumbrar pelo momento, “ah já fiz o que tinha que fazer, sei de tudo, sou boa para caramba”. Eu sempre deixei muito aberto que há sempre alguma coisa a mais a aprender, posso melhorar mais tecnicamente, taticamente, fisicamente. Sempre procurei pensar dessa maneira. Acho que é por isso que minha vida está sendo longa no esporte. Estar aqui mais uma vez, ter a oportunidade de jogar minha sexta Olimpíada é realmente um marco que no momento não estou focada muito nisso (no marco de seis Olimpíadas). Vou talvez pensar mais sobre tudo que eu vivi no futebol quando eu parar, mas eu quero desfrutar mais essa oportunidade. Quero aprender com as meninas novas, aprender com o professor, a maneira como ele quer que o time jogue, o jeito dele trabalhar e eu quero que isso reflita de maneira positiva dentro de campo. E eu acho que está acontecendo. Treinar com as meninas novas faz com que eu tenha que pensar mais rápido, agir mais rápido então me coloca em uma situação de competitividade o tempo inteiro e isso para mim é importante para que eu possa seguir em alto nível e desempenhar também o meu papel em alto nível – garante Marta.
O marco da primeira disputa olímpica em 2004 contrasta com a nova realidade 20 anos depois. Marta cita que, naquela participação inicial, a maioria das atletas da equipe ainda buscava uma oportunidade de sair do Brasil e viver do futebol – algo que ela já tinha por estar na Suécia. O atual momento revela uma realidade diferente. O cenário mudou. Se antes era questão de sobrevivência, hoje é poder buscar grandes conquistas com a segurança de um novo caminho.
– Acho que eu não tinha tanta noção. Eu já jogava na Suécia, já não morava no Brasil naquela época. Fui para a Suécia com 17, fiz 18 lá. Em seguida tive a oportunidade de participar daquela seleção, o que era realmente muito diferente do que a gente vive hoje. Não digamos 100%, mas a maioria pensava muito em fazer uma boa competição e ter a oportunidade de sair do Brasil, jogar em outros países onde te desse a oportunidade de viver financeiramente somente do futebol. Então era naquele sentido. Hoje nós temos uma equipe muito nova, as meninas querem aprender, estão aqui para aprender e sabem que a gente vai conseguir grandes coisas, nosso país, tanto tendo a oportunidade de jogar lá fora se a gente jogar como equipe e isso pode fazer a diferença nos dias de hoje e no futuro da seleção. Então naquela época eu queria aproveitar, lógico, estar junto com a seleção, vestir a camisa é sempre uma honra, mas eu sentia que naquela época era muito mais uma questão de sobrevivência.
Marta ainda cita o quanto o futebol feminino evoluiu desde aquela primeira medalha de prata olímpica.
– A gente evoluiu porque digamos chegamos a duas finais, 2004 e 2008 e no meio teve uma final de Copa, a estrutura era outra, a maneira como encarávamos os desafios naquela época era outra. Não tínhamos o que a gente tem hoje. A gente falava assim “vamos, se a gente conseguir chegar lá já é algo extra”. Na verdade não nos sentíamos obrigadas porque estruturalmente não era próximo do que a gente vive hoje. Por que não ganhamos? Acho que não era para ganhar. Se a gente for olhar as finais que a gente perdeu, a gente perdeu por detalhes. Poderia ter sido diferente? Poderia, mas não foi. Então dá a entender que o futebol depois daquelas finais teve uma decadência, mas na verdade não. Hoje a gente vê que evoluiu em todos os sentidos, tecnicamente, taticamente, estrutura muito melhor hoje, a gente tem atletas jogando lá fora, tendo transferências altas com relação às nossas meninas aqui do Brasil indo lá para fora. Isso só tem a crescer. Óbvio que tem que existir um trabalho contínuo. A gente sabe da cobrança que é sempre jogar futebol no Brasil independente se você está na seleção brasileira ou em um clube grande. A pressão é sempre muito grande porque é o esporte mais amado do nosso país. Existe uma pressão muito grande, mas a gente precisa também estar sempre mostrando que é importante o investimento, estrutura, é importante dar totais condições para que a gente siga evoluindo. Questão de ganhar são detalhes e acredito muito que essa geração que a gente tem hoje tem tudo para chegar e ganhar – comentou Marta.
O verbo ganhar é o grande objetivo para esses Jogos Olímpicos. Marta vê também como sua provável última oportunidade na Seleção. E projeta que, na Copa do Mundo de 2027, no Brasil, seu papel deverá ser outro, fora de campo. Ela garante que irá “jogar junto” de alguma maneira, mas acredita que dificilmente estará como atleta no gramado. Salienta que é a vez de outras meninas que possuem um potencial altíssimo. E deixa a lição: que as mais jovens não percam o foco no trabalho para almejar um Mundial no país e não se influenciem por comentários ou críticas.
– Se for comigo melhor ainda (risos). Que seja esse ano porque depois desse ano vai ser difícil Martinha na seleção. É engraçado porque o pessoal começa a falar “mas tem Copa do Mundo em 2027, você tem que jogar”. Aí eu fico empolgada no momento e falo “quem sabe?”. Mas depois eu tenho consciência. Em 2027 eu vou estar com 41 e só a Formiguinha conseguiu isso. Eu digo que para servir a seleção eu vou estar sempre disposta. Dificilmente vou estar disposta para servir à seleção jogando uma Copa do Mundo, mas vou estar. Se quiser que eu esteja junto para treinar com as meninas, para dar uma palavra, para estar junto com elas e dar uma chacoalhada, eu vou estar porque seleção é sempre uma honra você estar participando e conectado de alguma maneira. É nesse sentido que eu quero dizer. Copa do Mundo eu vou jogar de alguma maneira, mas eu acredito muito que a gente tem meninas com potencial muito alto e dando continuidade a esse trabalho principalmente fora de campo. Hoje em dia a gente sabe que é muito fácil de você se perder com relação ao foco no trabalho. É muita coisa falada na mídia. E se você for uma pessoa muito fácil de ser influenciada isso pode atrapalhar no teu rendimento. Então quero que essas meninas estejam sempre dispostas a aprender cada vez mais e seguir em frente porque têm tudo para representar muito bem nosso país.
A seleção feminina permanece na Granja Comary até o dia 17 de julho, quando se desloca ao Rio de Janeiro para o embarque rumo a Bordeaux, cidade francesa na qual será a estreia nas Olimpíadas contra a Nigéria, no dia 25 de julho, pelo Grupo C. No dia 28 de julho, em Paris, o compromisso é diante do Japão. A equipe brasileira encerra a primeira fase contra a Espanha, em 31 de julho.