Em tempos de apatia com a dor alheia, de preconceito com as minorias, de polarização política acirrada, de um cenário em que nas redes sociais se diz o que quer e ouve-se o que não quer, uma centelha de esperança para uma convivência melhor, pautada nos ensinamentos cristãos, se acende, aparentemente, desprendida de vaidades e calcada nos ensinamentos do Evangelho de Jesus Cristo. Trata-se do modelo de aprendizado cristão por meio de células, conhecido assim por ser análogo a uma célula biológica, que carrega informação genética do nosso organismo e pode transmitir essa mesma informação para além, se dividindo e gerando outra célula.
Neste domingo (14), ContilNet aborda o tema, que vem crescendo a cada dia no Brasil, movimentado pelas igrejas neopentecostais que se difundiram nas periferias das cidades, com impactos positivos também no Acre. Em Rio Branco, estima-se que ao menos 5 mil células estão ativas, neste momento.
Antes, porém, é preciso entender que a ‘Visão G12’ – como é conhecido o sistema –, foi impulsionado pelo colombiano César Castellanos Domínguez, um pastor neocarismático que fundou a Missão Carismática Internacional, em Bogotá.
A forma como ele gerou todo esse movimento é bem curiosa. Aos 18 anos, por meio de um encontro místico, no qual segundo ele próprio, foi “purificado e chamado por Jesus”, ouviu o chamado de Deus. em 1983, descansando com a família num balneário. Deus teria falado com ele por 45 minutos e, na ocasião, à beira mar, dito que faria dele um grande pregador, com uma igreja “tão grande como os grãos de areia que ele via ali”.
Décadas depois, no dia 25 de maio de 1997, Castellanos quase foi morto ao ser alvejado com cinco tiros quando trafegava numa caminhonete com a esposa, Cláudia Rodríguez de Castellanos, pelas ruas da capital colombiana. Ela também sofreu um disparo. As circunstâncias que levaram ao atentado apontam para narcotraficantes incomodados com o crescimento de novos fiéis à Missão Carismática Internacional, que supostamente estaria causando prejuízos aos cartéis locais por pessoas largando o tráfico e a dependência química em razão da fé.
”É preciso orar mais e por mais tempo”, recomenda colombiano a mais de 3 mil pessoas no Acre”
Há uma semana, César Castellanos e a esposa Cláudia estiveram pela primeira vez no Acre, para a Convenção Nacional G12, um megaevento intitulado ‘A Grande Colheita’, cuja anfitriã foi a Igreja Batista do Bosque (IBB), na sua catedral de mesmo nome. No domingo, (7), a tônica da pregação de Castellanos aos fiéis evangélicos presentes foi bem simples: “a de que é preciso que as pessoas orem mais e por mais tempo, para que a vontade do Criador se manifeste em suas vidas”.
”É preciso falar mais com Deus pela oração. É urgente que as pessoas se ajoelhem diante do Senhor e conversem com ele, não por alguns minutos, mas pelo menos por uma hora”, aconselhou o colombiano a pelo menos 3 mil evangélicos de praticamente todos os municípios acreanos, além de bolivianos e peruanos, na Catedral Batista do Bosque.
Mas na prática, como funciona o movimento celular? No Acre, o Movimento G12 encontra respaldo em uma dezena de denominações evangélicas. Entre as mais conhecidas estão a própria IBB, a Igreja Quandrangular e a Missão Batista Celular Internacional.
Explica o pastor Agostinho Gonçalves, presidente da IBB, que Jesus escolheu 12 discípulos para acompanhá-lo, anunciando os ensinamentos de Deus. “Então, como no tempo de Jesus, hoje cada pessoa disposta a ser um discípulo Dele pode levantar outro por meio de uma célula, que como uma micro-igreja. Ela tem duração de 45 minutos, onde ouve-se a palavra [por meio dos versículos bíblicos] e os testemunhos do agir de Deus na vida das pessoas”, explica Gonçalves.
Não há limite de convidados e, na reunião, que pode ser na casa de alguém ou até mesmo por meio de reuniões online, versículos bíblicos serão estudados e utilizados como reflexão para o dia a dia. A ideia é de que os frequentadores tenham um momento com Deus de uma forma mais dinâmica e prática, para além dos portões dos templos evangélicos.
A dinâmica ainda prevê que o líder de uma célula é também liderado por outra pessoa acima da sua base, que por sua vez tem um líder acima dele e por aí vai, sucessivamente. Um exemplo é que se 12 levantam outros 12 já são 144 pessoas a difundirem o Evangelho, numa grande corrente em torno do bem comum, o de melhorar a vida das pessoas no âmbito espiritual, com influência positiva significativamente, na vida material de cada um.
Gerações, como são chamados os grupos celulares, se multiplicam todos os dias
Na esquina da Rua Cruzeiro do Sul com a Rua Oriente, no Conjunto Esperança, na região do Bairro Floresta, o casal de pastores Aldeci Costa Leite e Carla Leite são líderes de uma célula com 70 homens e mulheres. A Geração Resgate, que os dois comandam, é ligada à IBB e seus integrantes, chamados de discípulos.
Aldeci e Carla estão sob a liderança do pastor Agostinho Gonçalves. Seus 70 discípulos mantêm, cada um, uma célula com outras dezenas de membros, de modo que a escalada para acessar os ensinamentos de Jesus só cresce.
“O grande objetivo é fazer a vontade do Senhor, a de que quanto mais pessoas conhecerem a Sua palavra que está na Bíblia, mais elas serão libertadas dos problemas que encontram resposta espiritualmente”, ressalta Aldeci. E chega um momento da célula em que todos se capacitam por meio de cursos como o de ‘Capacitação e Destino’ e ‘Universidade da Vida’, destinados a formar pessoas aptas a liderar outras pessoas, e assim, fazendo a vontade de Deus.
“É algo fantástico porque é como uma semente que você planta para Deus e vai vendo a colheita. Vai observando mudanças de comportamento nas pessoas que vão influenciando outras a caminhar da maneira mais correta possível. E quando você nem bem presta atenção, milhares de indivíduos passam a entender que caminhar sob os ensinamentos de Jesus Cristo foi a melhor opção que encontraram para enfrentar as adversidades da vida”, pontua Aldeci Leite.
Ele entende que nos dias de hoje, a desconfiança, a vontade de ridicularizar o meio evangélico e até a falta de conhecimento do crente sobre como lidar com questões polêmicas, que dizem respeito a outras crenças, faz com que o meio evangélico ainda seja visto com preconceito e, com frequência, seja atacado, muitas vezes em razão de membros que não andam em retidão com o que pregam.
“Sobre isso, não há ninguém nesta terra que seja santo. Agora, posso falar por mim e por minha família. Digo categoricamente e todas as pessoas em sã consciência, independentemente de credo religioso, vão concordar: é milhares de vezes mais saudável que tenhamos células e igrejas se multiplicando pelo mundo, que bocas de fumo e bares que arruínam famílias inteiras, todos os dias, com tragédias e sofrimento”, assevera o pastor.