A música brasileira é muito mais abrangente do que se imagina. Apesar de o português não ser uma língua tão popular, os ritmos nacionais são amados por músicos de várias partes do mundo. O britânico Tom Misch e a islandesa-chinesa Laufey são dois dos nomes da nova geração que encontraram na música do Brasil inspiração para um trabalho que conversa com gêneros e realidades distintas.
Misch é um guitarrista de 29 anos muito celebrado no meio da música pop e jazz. Ele é conhecido internacionalmente por colaborar com diversos artistas. Nomes como Yussef Dayes, De La Soul, Michael Kiwanuka e Loyle Carner renderam ao músico mais de 1 bilhão de reproduções nas plataformas de streaming.
Atualmente, Tom está no processo de lançamento de singles sem participações. Os primeiros, Cinnamon curls e Insecure, estão disponíveis nas plataformas. Outras duas canções se juntarão, formando um EP de faixas que estavam guardadas desde antes da pandemia. “Eu me vi sentado em boas músicas, músicas nas quais eu acreditava. Eu sabia que precisava liberá-las para poder andar para frente”, afirma o músico em entrevista ao Correio, exclusiva para o Brasil. Ele também confirma que um álbum solo está previsto para 2025 e que será: “bem diferente do estou lançando agora”.
As músicas de Tom Misch têm uma característica clara de fundir gêneros, enquanto canta com uma voz leve. Entre os estilos musicais que explora, as referências dos ritmos brasileiros se destacam. O guitarrista, que é ouvinte de Tim Maia, Tom Jobim, Sandra Sá, Ivan Lins, Elis Regina e os clássicos da bossa nova, afirma ter Marcos Valle como “um herói de vida” e descobriu a música brasileira ainda adolescente, por meio da paixão pelo hip-hop. “Eu fiquei obcecado com hip-hop quando eu era mais novo, com 16 ou 17 anos comecei a ouvir muito JDilla, fiquei vidrado nele e tive de descobrir os artistas que ele sampleava. Muitos eram brasileiros”, lembra Misch
No entanto, conforme foi aprendendo sobre a música nacional, percebeu que havia um sentimento envolvido que ele não sabia nomear. “Só parte do trabalho foi do JDilla. Afinal, eu sempre me senti muito conectado com essas músicas. Mesmo sem ascendência brasileira e de até então nunca ter ido ao Brasil. Me chamava muita atenção a Bossa Nova, a combinação de ritmos e as harmonias de jazz”, diz Misch, que afirma que a música brasileira é: “cheia de alma”. “Mesmo não sabendo pronunciar nenhum nome ou palavra em português, eu sinto que tenho uma conexão especial com os sons do país”, conta.
Apenas em 2022, no ano em que completava 10 anos de carreira, Tom Misch teve a oportunidade de conhecer a terra da qual germina a música com a qual ele se conecta. O cantor surfou, e conheceu o herói pessoal Marcos Valle, a quem convidou para uma participação no show que fez no MITA do Rio de Janeiro. “Foi muito especial tocar no Rio de Janeiro para mim, com o Marcos Valle, naquele ambiente lindo e dia ensolarado. Eu estava muito doente, quase não fiz o show, mas sou muito grato de ter feito, porque foi incrível”, recorda o artista, que ainda se apresentou em São Paulo e Porto Alegre.
O guitarrista encontrou um novo ponto de vista sobre crenças que tinha em relação à música brasileira que mais ama: a Bossa Nova. “A experiência que eu tive com brasileiros quando mencionei bossa nova foi que me explicaram que era uma música que apelava bem mais para os ricos. Então, me deu a impressão de que era exclusiva em um sentido ruim, de não incluir”, explica.
O fato mudou os horizontes do músico. “Eu não sei se gostaria de fazer uma ‘Bossa Nova do Tom Misch’, mas eu definitivamente bebo muito do gênero”, pontua. Hoje, ele percebe o que fez com o ídolo em estúdio de outra forma. “Passei muito tempo compondo e gravando com o Marcos Valle, algumas músicas são bem dentro do gênero, passam a sensação de Bossa Nova”, antecipa.
No fim, ficou o sentimento da maioria dos artistas amados pelos brasileiros que voltam ao Brasil. Tom Misch já quer voltar às terras tupiniquins, e o álbum novo pode ser o que falta para esse novo carimbo no passaporte. “Eu amo o Brasil, eu vou amar voltar. Quem sabe ano que vem quando eu sair em turnê”, supõe.
Admiradora a distância
Ainda mais nova do que Misch, a artista islandesa-chinesa Laufey também tem como principal referência a música brasileira. Aos 25 anos, a cantora já conta com diversos marcos significativos na carreira — além de ser vencedora do Grammy de Melhor Álbum Pop Tradicional de 2024, ela é responsável pela maior estreia de um disco de jazz no Spotify. Ambas conquistas são graças a Bewitched, segundo trabalho de estúdio da cantora, que conta com a Bossa Nova From the start.
Unindo elementos do jazz e do pop com o ritmo tipicamente brasileiro, Laufey destaca admiração por artistas como Luiz Bonfá, Tom Jobim e, a maior delas, Astrud Gilberto. “Ela é minha cantora preferida de todos os tempos”, aponta a cantora. “Quando descobri esse tipo de ritmo, brasileiro, me senti muito tocada, porque é como se essas músicas estivessem contando uma história, só que sem exagerar. Durante meu crescimento, tudo que eu aprendi sobre música sempre foi muito grandioso. Por exemplo, eu tocava violoncelo e amava Ella Fitzgerald, o que envolvia emoções muito grandes”, conta.
“Com a Bossa Nova, no entanto, sinto que essas grandes emoções são expressadas de forma muito delicada, quase que de uma forma cursiva. Eu acho isso tão lindo. Parece que há algo muito familiar na Bossa Nova, como se fosse um tipo de música que você canta em casa com seus pais”, avalia. “A batida da bossa realmente transcende o tempo, é algo que a gente escuta de novo e de novo na música pop. Algo que muitas pessoas se sentem confortáveis em escutar”, complementa.
A cantora e compositora, que nunca veio ao Brasil, confessa que recebe diariamente dos fãs milhares de pedidos de uma turnê nacional. “Eu sei que as pessoas clamam a visita de muitos artistas ao Brasil, mas quando esses pedidos são direcionados a mim, sinto que é mais pessoal. Minhas músicas mais populares são todas inspiradas pela música brasileira”, revela. “Eu tenho total noção do fato de que estou pegando elementos emprestados da música brasileira, e os transformando na minha própria música, assim como também faço com a música clássica e o jazz”, esclarece.
Segundo Laufey, os fãs brasileiros são os primeiros a relacionarem as músicas dela com o ritmo nacional. “Eles sempre comentam nas minhas músicas: ‘Nossa, se parece com bossa nova’. Eu não quero nunca desonrar isso. Eu sempre torço para que as pessoas entendam que não estou roubando da música brasileira, eu sei de onde minhas influências vêm e realmente me importo com essas raízes”, declara a cantora.
Ainda sem planos de vir ao Brasil, a islandesa-chinesa garante que mal pode esperar a hora de, finalmente, visitar o país que tanto a inspira. “Eu sou muito influenciada pela música e pela cultura brasileira, e quero muito poder enxergar tudo isso com meus próprios olhos, até mesmo aprender mais sobre outros artistas brasileiros. A bossa é um dos estilos de música que mais estão interligados com a cultura de um país que eu conheço. Eu não consigo pensar em outro lugar que me inspire tanto quanto o Brasil”, finaliza.