“Patriotas” mandam Pix para família de coronel Naime, que reforma casa

Esposa de coronel Naime, símbolo da direita pelo 8/1, diz que vive “situação econômica delicada” e recebe Pix de “patriotas”

Símbolo da direita após o 8 de Janeiro, o coronel Jorge Eduardo Naime vem recebendo ajuda financeira de “patriotas”, sensibilizados pelos pedidos de Pix da esposa nas redes sociais. Mariana Fiuza Taveira Adorno Naime diz ter “dívidas urgentes que precisam ser pagas”, vende a imagem do marido como um herói “preso político” e arrecada doações on-line, enquanto o policial, atualmente réu, não pode usar as redes. Ao mesmo tempo em que o casal recebe doações, a casa da família passa por uma grande reforma.

Em nota, Mariana disse que recebeu doações e apoio “enquanto o salário esteve bloqueado e enquanto o provedor de sua família esteve preso”. Veja a nota completa ao final da reportagem.

A família Naime reside em uma casa de alto padrão em condomínio fechado em Vicente Pires. O local passa por uma reforma com melhorias, principalmente próximo da área da piscina. Jorge Eduardo Naime era chefe do Departamento de Operações (DOP) da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), mas não estava no cargo em 8 de janeiro de 2023, quando extremistas invadiram os prédios da Praça dos Três Poderes com a intenção de promover um golpe de Estado. Naime, de licença-recompensa na época, é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de omissão frente os atos antidemocráticos. Ele foi o primeiro militar da alta cúpula da PMDF preso em investigações do 8/1.

A transformação do coronel em um símbolo da direita aconteceu após uma série de mobilizações de parlamentares e outras figuras políticas, que passaram a “adotar” o policial evangélico, que tinha mensagens no celular chamando homens do Exército de melancias e foi detido por ordem de Alexandre de Moraes.

Durante o período em que esteve preso, Naime recebeu apoio público de diversos parlamentares da direita. Em julho de 2023, por exemplo, um grupo de 19 senadores e deputados federais apresentaram requerimentos à CPMI dos Atos Antidemocráticos fazendo apelo pelo pela soltura do coronel. Na Câmara do DF, Bia Kicis (PL-DF) comemorou a liberdade do PM, chamando ele de “coronel honrado”Nikolas Ferreira (PL-MG) fez até documentário defendendo o policial.

Os pedidos de contribuição financeira nas redes começaram quando o Naime teve o salário suspenso por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), no final de agosto de 2023. Mariana chegou a classificar o corte do salário como “tortura psicológica”, na época, e abriu uma conta no X, antigo Twitter, logo depois, em setembro.

“Fazer parte dessa união”

As primeiras postagens eram pedidos de ajuda financeira. “Nossa família está contando com sua ajuda, seja doando ou compartilhando nossos dados. Cada gesto faz a diferença. Venha fazer parte dessa união”, escreveu em um flyer com a foto de Naime fardado. Ela também compartilhava notícias relacionadas ao período de detenção do marido para pedir Pix, como aconteceu em dezembro de 2023, quando Gilmar Mendes negou o pedido para soltar o coronel.

Mariana escreveu que o PM estava com febre e muito abalado psicologicamente. Um “patriota” questionou: “Quais outros sintomas ele teve? Pode informar o seu Pix?”, e ela respondeu informando apenas a chave para a transferência. O CPF que a esposa de Naime usa para arrecadar dinheiro é destacado na biografia do perfil dela. A chave é a mesma que o coronel usava para receber valores que passaram a ser investigados pela PGR.

Enquanto era militar da ativa, entre março de 2022 e fevereiro de 2023, Naime recebeu pelo menos 10 depósitos em dinheiro, sem a identificação da origem pela instituição financeira, no montante de R$ 50.900. A PGR documentou, na apuração: “É possível que Jorge Eduardo Naime Barreto utilize a conta bancária da esposa Mariana Fiuza Taveira Adorno para recebimento de valores indevidos”.

O documento indica que o militar mantinha relações econômicas aparentemente ilícitas com um homem identificado como Sérgio Assis, como, por exemplo, quando ele teria usado o aparato público da polícia para transportar R$ 1 milhão, em favor do indivíduo. Na época, Sérgio era sócio de Mariana. Nas conversas entre o empresário e o policial, eles usavam codinomes para supostos repasses de dinheiro, como “Caloi”, “bicicleta” e “garagem”.

Em dezembro de 2022, Sérgio mandou para Naime: “Irmão, a Caloi”, e, em seguida, o comprovante de uma transferência de R$ 8 mil para a conta de Mariana. Em outras ocasiões, Naime já enviou também mensagens como: “Serjão pode soltar a caloi na garagem de sempre”, “Me ajuda tb com a caloi patroa me deixando louco” e “Mariana me cobrando a Caloi dela”.

Associação

Enquanto os “patriotas” contribuíam com os pedidos pelas redes, a Associação dos Oficiais da PMDF (ASOFPMDF), que era presidida por Naime antes da prisão do militar, também colhia dinheiro, principalmente de homens da corporação.

A campanha de arrecadação contou até com vídeo de uma major que trabalha na Corregedoria da PMDF, fardada, pedindo Pix para a família de Naime, em outubro de 2023. Na divulgação, Cristiane Caldeira, tesoureira da entidade, e coronel Leonardo Moraes, presidente da Asof, afirmam que o dinheiro era “destinado totalmente aos familiares”, para “manutenção das famílias”.

Julgamento no STF e no X

Atualmente, a esposa do coronel vive ativamente nas redes sociais interagindo com “patriotas e outras pessoas que formam a rede de apoio do PM. Em junho, uma seguidora questionou a mulher em um pedido de Pix, enviando a notícia que informa que Moraes determinou à PMDF que volte a pagar o salário integral do coronel.

Mariana respondeu: “Além de ter uma diminuição espantosa do valor da receita, nossa despesa triplicou com advogados e outras decorrentes da injusta prisão. Quem puder, será ótimo! Mas quem não puder, também entendo! Solidariedade é um sentimento de identificação em relação ao sofrimento dos outros”.

Também há uma boa parte de bolsonaristas frustrados com Naime. Como o Metrópoles mostrou com exclusividade, o coronel elogiou Moraes durante julgamento no STF. Um internauta rebateu Mariana: “Peçam para o ministro, teu marido saiu de lá cuspindo elogios para ele. Eu ajudei e orei muito por ele. Hoje, não dou mais nem um centavo”.

Mas a maior parte das respostas vem com apoio. “Até sexta-feira estarei te enviando uma ajuda”, “Pix enviado, em oração todos os dias”, “Fiz um Pix agora e já programei para os próximos 3 meses”, “Já fiz uma vez e farei novamente! Odeio injustiças!”.

O coronel é réu e hoje responde ao processo em liberdade provisória, cumprindo medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de sair do DF ou usar redes sociais. Ele prestou depoimento de forma virtual em maio deste ano. Atualmente, o processo está em fase de diligências para coleta de provas. Em seguida, têm início as alegações finais e, posteriormente, a sentença. Além de Naime, outros seis PMs respondem ao mesmo inquérito.

Mariana diz que precisou de ajuda

Ao Metrópoles, Mariana Naime afirmou ter compromisso com a verdade e disse que “recebeu doações e apoio enquanto o salário esteve bloqueado e enquanto o provedor de sua família esteve preso”. “Quando da ida à reserva, ele [o marido] recebeu valores/acerto da polícia e tem utilizado em casa. Essa associação que se faz é tendenciosa.”

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