Sérgio Souto, compositor acreano cantado por ícones da MPB, completa 74 anos e conta sua história

Nascido em Sena Madureira, músico criou clássicos da MPB como “Falsa Alegria” e viu uma música feita para o Acre, “Minha Aldeia”, ser tocada em mais de 48 países

Nesta quinta-feira, 11 de julho, o cantor e compositor Sérgio Areal Souto, um acreano do pé-rachado, nascido nas barrancas do Rio Iaco, em Sena Madureira, está completando 74 anos de idade. A frase pode ser velha, mas é real: ele faz aniversário, mas quem ganha o presente é o povo acreano e todos aqueles que acompanham sua música, sua versatilidade musical, autoral ou em parcerias com alguns gênios da Música Popular Brasileira, como Aldir Blanc, um carioca nascido em 1946 e falecido em maio de 2020, por Covid. 

Blanc foi um letrista, compositor, cronista e médico brasileiro, que abandonou a medicina para tornar-se exclusivamente compositor e um dos grandes letristas da música brasileira que compôs coisas belíssimas com o acreano Sérgio Souto.

Outro de seus grandes parceiros foi Amaral Maia, também já falecido, com o qual ele fez a música “Falsa Alegria”, um clássico gravado por um artista do quilate de um Nelson Gonçalves. Ou “Lembrando de Você”, também conhecida por “Albatroz”, gravada por ninguém menos que Elba Ramalho, ou “Navegantes”, outra das grandes obras do artista acreano, gravada pelo falecido Jessé, o dono de uma voz de tenor que encantou o Brasil. Mas a grande parceira de Sérgio Souto tem sido, em todos esses anos, com o povo acreano. 

Ele deixou o Acre em 1965, saindo de Sena Madureira para o Rio de Janeiro, levado pela mãe, que acabara de ficar viúva e procurava, fora do território do Acre, um lugar ao sol para seus filhos. Sérgio era um dos mais novos e, com os olhos de um menino acostumado a contemplar apenas florestas e rios na sua distante Amazônia, viu-se em pleno Rio de Janeiro na ebulição dos festivais de música, em meio à ditadura militar que tomava conta do país e, embora não reclamasse, em meio à saudade do que viram seus olhos de menino do interior do Acre.

Sergio Souto completa 74 anos nesta quinta-feira, 11 de julho/Foto: Reprodução

O menino havia saído do Acre, mas o Acre não havia saído do peito daquele menino. Por isso, já feito homem, o menino gravou a música “Minha Aldeia”, que foi tema de novela da Rede Globo e percorreu o mundo, com registros de sua execução em pelo menos 48 países, por onde a novela foi exibida.

Enfim, Sérgio Souto, o menino do Acre que exportou sua arte para o mundo, está de volta ao seu torrão, há pelo menos oito anos, com um novo casamento (o quarto de sua vida) e fala de sonhos e novos projetos.

Na entrevista a seguir, também fala dos bastidores do festival que o projetou com a música “Falsa Alegria” e como é seu processo de criação.

A seguir, os principais trechos de uma entrevista com o menestrel da floresta, o poeta e bardo cuja arte conta histórias de lugares distantes, sobre amor encontrados e perdidos, sobre eventos e personagens históricos reais ou imaginários – tudo sob o sons harmonizados e eternizados pela delicadeza de um artista completo.

Antes que as cortinas do tempo se fechem e antes que cessemos aplausos, deixamos o leitor na companhia do artista contando, sob perguntas provocativas, um pouco de sua história, uma história que se confunde com a história de todo ser humano que ousa sonhar em pegar seu lugar no futuro.

Sergio souto é um dos compositores mais conhecidos do Acre/Foto: arquivo pessoal

Imagino que a pergunta a seguir, ao longo de tantos anos e de tantas entrevistas, alguém já te fez, mas vou insistir: Quando foi que você se viu como artista, como um acreano que poderia viver de música, e de músicas de sucessos?

Sérgio Souto –  A música, eu já levei comigo [para o Rio de Janeiro] daqui do Acre, de Rio Branco, em 1965. Mas a levei como bom ouvinte, como admirador de grandes cantores que eu ouvia no rádio. Alguns daqueles cantores eu assisti aos shows, ainda aqui no Acre.

De quem, por exemplo?

Sérgio Souto – Aqui, assisti Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Waldick Soriano, Luiz Gonzaga – essa galera toda. A minha referência de música na minha infância foi toda essa. Quando eu saí daqui, nos meus 14 anos a 15 anos, já tocava na rádio Roberto Carlos e os Beatles também. 

Mas certamente não havia as facilidades de hoje para ouvir. Você ouvia músicas basicamente no rádio?

Sérgio Souto – Um pouco difícil de ouvir, sim. Mas eu já ouvia Roberto Carlos com a música “Quero que você me aqueça neste inverno e que tudo mais vá para o inferno”, e os Beatles, porque alguém, naquela época, veio do Rio de Janeiro e trouxe para mim uns discos, aqueles Long Play. Era comum isso.

Nas suas origens, há algum poeta ou outro artista? Ou você é o primeiro artista da família?

Sérgio Souto – O meu pai, Teodomiro Souto, era um político, um homem que escrevia. Como político foi prefeito de Sena Madureira, foi juiz, e lia muito e escrevia…

Quando você saiu de Sena Madureira?

Sérgio Souto – Sai de Sena Madureira em 1965, para vir para Rio Branco. E aquilo, para mim, foi um choque: movimento, carros nas ruas.. Aquilo tudo era uma festa aos meus olhos, olhar de um menino acostumado a ver apenas a floresta, os rios. Meu pai, quando aqui chegou,  foi diretor do Serda, a chamada Imprensa Oficial.

Ele dirigiu aquilo lá e sempre granjeou grandes elogios sobre o trabalho pela seriedade dele. Mas ele morreu jovem, com 72 anos, no mesmo ano da inauguração de Brasília [em como capital do país [em 1961]. Eu fui embora para o Rio em 1965.

Quantos irmãos você tinha, qual a sua posição entre os irmãos, se o mais velho ou se é um dos mais novos, e quem era sua mãe? 

Sérgio Souto – Meu pai ficou viúvo da primeira esposa com pouco mais de 50 anos. Já tinha, na época, sete filhos –  seis mulheres e um homem.

Todos mais velhos que você?

Sérgio Souto – Sim, bem mais velhos que eu. Eu tenho, por exemplo, duas irmãs que eram mais velhas que minha mãe, que casou com meu pai, ainda muito jovem, uma mocinha…

Sergio Souto é compositor das músicas ‘Falsa Alegria’ e ‘Minha Aldeia’/Foto: Reprodução

Como era o nome da sua mãe? 

“Eu era acostumado a contemplar apenas florestas e rios em Sena Madureira e me assustei com aquele movimento de carros nas ruas, quando chegamos a Rio Branco. Mas, quando meu pai morreu, fomos para o Rio de Janeiro. Posso dizer que foi um choque, mas um choque gostoso de sentir…” 

Sérgio Souto – Irani Nobre Souto. Foi ela a responsável pela nossa mudança para o Rio de Janeiro. Quando meu pai morreu aqui, a gente ficou meio que solitários, sem a presença do velho, que nos fazia muita falta.

Isso me leva a uma pergunta do ponto de vista econômico: como é que sua mãe conseguiu sustentar os filhos e a família, no Rio de Janeiro? Vocês viviam de quê? 

Sérgio Souto – Ela tinha uma pensão do governo federal, pelo fato do meu pai ter sido servidor do então território federal. Mas ela era uma mulher brava. Fomos todos para o Rio de Janeiro ainda muito jovens. Eu tinha em torno de 15 anos. Meu irmão mais novo tinha 11 a 12 anos. Havia um irmão meu que tinha uma doença que só podia ser tratada lá no Rio, onde havia mais recursos médicos. Era um negócio de epilepsia e, graças a Deus, ele está curado e leva uma vida normal. Foi então lá no Rio que descobri tudo o que sei hoje.

Você falou de seus olhos que só viam florestas e rios e, de repente, se ver no Rio de Janeiro, diante do mar e com aquela efervescência dos anos 60? Como era o olhar daquele menino em relação a isso tudo?

Sérgio Souto – Posso dizer que foi um choque. Mas um choque gostoso de sentir. Chegamos ao Rio em 1965, em pleno Carnaval, ditadura militar. A gente foi morar em Higienópolis, um bairro que fica ali próximo do Méier. Depois, fomos para Bom Sucesso. Mas Higienópolis era um bairro nobre, construído por alemães e portugueses e ainda é um lugar muito belo. Toda vez que vou ao Rio, faço questão de visitar porque passei boa parte da minha vida ali.

Para sobreviver, eu fiz de tudo um pouco. Trabalhei numa empresa transportadora – naquele tempo podia trabalhar, e eu fazia serviços parecidos com assistente de serviços gerais, o famoso faz-tudo de hoje, entregava correspondências, enfim, era um faz de tudo.

O que mais te marcou nesta época? Como foi sua primeira vez num elevador: Eu pergunto isso porque a minha, acredite, foi horrível, de medo puro…

Sérgio Souto – Lembro. Foi tranquilo. No prédio onde primeiro fomos morar, havia elevador. Era um prédio de cinco andares que tinha o luxo do elevador. Não me causou muito impacto não. Mas, algumas vezes, preferi subir de escada, por medo. Isso acontecia quando o elevador, que tinha lugares para quatro pessoas, e acabava entrando um quinto passageiro. Aí eu saia, por segurança, ia de escada.

Trabalhei em gráfica também – até de um amigo aqui do Acre, que trabalhava no Serda, que era também um grande sanfoneiro, chamado Roberval. Ele era casado com uma enfemereira que veio do Rio de Janeiro para o Acre, uma mulher belíssima, que se encantou pelo Roberval, que era também um cara muito bonito. Ele foi para o Rio e montou uma gráfica lá, no pulmão do Rio, bem no centro.

Fui trabalhar com ele e lá no trabalho passei a ter contatos com várias pessoas do Acre, que iam ao Rio de Janeiro, como o Edson Carneiro [advogado, hoje vivendo na Paraíba], conheci o Rony, que era da banda Os Mugs – um dos melhores guitarristas que já vi tocar na minha vida. O Rony fazia sucesso e lá ele tinha uma banda de acreanos, que tocavam com ele. Entre eles o Quintela, o Pedrinho, irmão dele, era o vocalista, e ainda havia o Augostinho, que hoje vive em Roraima.

Enfim, era uma banda de acreanos que tocava numa boate em São Conrado e o local vivia lotado, tocando bandas da época, como Led Zeppelin.

“O Rony foi o cara que me fez gostar de um instrumento. Eu ficava vendo ele tocar e então ele passou a ser meu mestre, meu guru musical. Eu ficava olhando ele tocar e me dava vontade de também tocar. Mas eu ia para casa e não tinha um instrumento..” .

Sergio Souto é natural de Sena Madureira, no interior do Acre/Foto: Reprodução

Então, depois do rádio no Acre, sua familiariedade com a música, com a batida do som, começou aí?

Sérgio Souto – O Rony foi o cara que me fez gostar de um instrumento. Eu ficava vendo ele tocar e então ele passou a ser meu mestre, meu guru musical. Eu ficava olhando ele tocar e me dava vontade de também tocar. Mas eu ia para casa e não tinha um instrumento. Não tinha violão, morava com a mãe e meus irmãos ainda. Lembro que o Rony, além de um super guitarrista, era um ser humano de uma generosidade absurda, sempre de alto astral. Mas perdemos o contato. Tenho procurado por ele nesses anos todos, mas ninguém sabe notícias dele, não sei nem se está vivo ou morto. Sei que ele é acreano, filho do Raul Marinho. A mãe era acreana e o pai, boliviano, que morreu atropelado no Rio de Janeiro, Aquilo abalou muito o Rony e o irmão dele. Rony Marinho era o nome dele, Ele foi dos Mugs aqui, formado pelo Roberto e o Fernando Galo e outros feras. .

Foi aí então que você decidiu que também seria um artista, um músico?

Sérgio Souto – Não, naquele momento eu ainda era um meninão, que não pegava ninguém… [rindo]. Aí teve um outro amigo meu, chamado Eudes Garcia, de uma família tradicional daqui de Rio Branco, ali do Ipase. Ele comprou um violão e tentava aprender a tocar, mas tocar não era a dele. Ele não conseguia aprender porra nenhuma, porque não era o ramo dele. Ele era um matemático, um cara bom no que fazia e dava aula nos melhores colégios do Rio de Janeiro., Um dia, eu tinha um óculos Ray Ban, daqueles que os aviadores usam, eu sabia que ele gostava do óculos. E disse: olha, eu tenho um óculos,  como ficou muito bem em você, eu troco o óculos pelo violão. Se você quiser…”. Ele disse: leva essa porra! Eu não vou aprender mesmo. E eu fiquei com o violão. Aí passei a ter um instrumento em casa e comecei a praticar. Eu tenho esse violão até hoje guardado comigo.

Então, aí você aprendeu alguns acordes, a tocar… E quando começa a fase do criador, do poeta?  

Sérgio Souto – Aí já foi nos anos 70. Em 1977, escrevi uma música num Festival. Eu ainda era um aprendiz de violão e a minha música ficou em último lugar. Participei de outros festivais mas ainda de forma tímida. Em 1979, rolou o Festival da Brahma. Aí, sim, eu já estava mais maduro e pronto para encarar a estrada. 

Foi então aí que surgiu a música pela qual você será sempre lembrado, a Falsa Alegria? A música é sua e do poeta Amaral Maia? 

Sérgio Souto – Eu diria que 80 por cento. Amaral Maia era um parceiraço, que Deus levou e que ele tenha em um bom lugar, um grande poeta. Eu o conheci num daqueles festivais, o Interclubes, onde ele e a turma dele paparam todos os prêmios, do primeiro ao quarto lugar. Só dava Amaral Maia e Jota Maranhão, outro grande compositor, hoje também um grande parceiro do Jorge Vercilio, a quem conheci através dele e fizemos algumas coisas juntos.

Você ganhou com “Falsa Alegria” o Festival da Brahma, em 1979, portanto, há quase 45 anos. Confere?

Sérgio Souto – Sim, foi em 1979. Na época, esse Festival não era transmitido pela televisão, mas tinha uma produção assim de causar inveja até nos dias atuais. Foi realizado no Teatro Nacional, com direito a show do Chico Anísio no intervalo, uma banda com violino…

Em “Falsa Alegria”, há um trecho que me lembra o Acre. Quando fala de “encosto”, uma coisa muito evocada pelo espiritismo, pela umbanda. Quem de fato escreve isso, você ou Amaral Maia?

“Falsa Alegria foi feita numa mesa de bar, tomando cerveja. Levei a letra para casa e comecei a dedilhar, no banheiro, para não acordar minha mãe e meus irmãos. E não tinha gravador. Eu tinha medo de dormir e esquecer o que havia feito. Não dormi direito àquela noite…”

Sérgio Souto – Eu não sei…Essa letra foi feita eu e ele na mesa, tomando cerveja. Ao final, levei a letra para casa. Ai eu pude transformar aquela letra numa poesia para a música. Lembro que cheguei em casa à noite. Era uma segunda-feira. E em casa tive que me trancar no banheiro, com meus irmãos e minha mãe dormindo, e eu não podia fazer barulho. 

Me tranquei no banheiro, que era o único lugar tranquilo que eu tinha ali. Sentei no chão do banheiro, feliz porque já tinha o violão, mas não tinha gravador na época. Minha preocupação é que eu podia dormir e, no dia seguinte, esquecer tudo. Essa era minha preocupação maior e por isso, não dormi direito naquela noite. Eu sabia que tinha que acordar e lembrar da melodia que eu havia feito, para, no dia seguinte, com tudo manuscrito, correr atrás de um estúdio, um daqueles estúdios caseiros, para poder gravar e participar do Festival. Tinha que ter as letras datilografadas, gravadas em fita cassete. Eu consegui chegar a tempo, com todas as dificuldades. Cheguei lá e  estavam gravando os meus parceiros, as bandas dos meus parceiros Amaral Maia, Jota Maranhão e outros. Tive que esperar todos eles terminarem.

Você mostrou o resultado de “Falsa Alegria” para o Amaral Maia? Ele gostou?

Sergio Souto – Sim, ele gostou Era um parceiraço como já disse. A gente se entendia e com ele fizemos coisas belíssimas. “Minha Aldeia” é um exemplo. Mas, voltando à “Falsa Alegria”, gravei precariamente, só violão e voz, até um tom que não era o meu, em La Menor. Gravei e levei a fita cassete para a empresa que promovia o festival, ali ao lado da Candelária.

Era uma corrida porque as inscrições se encerravam às cinco horas da tarde daquele dia. Mas cheguei a tempo, fui o último a me inscrever. E eram muitas inscrições. Quinze dias depois recebi um telegrama da Brahma dizendo que eu havia sido selecionado entre as 20 músicas do Festival para comparecer à rua Teófilo Otoni, etc, o mesmo local onde fiz a inscrição…Claro que fiquei contente e, naquele momento, disse a mim mesmo: meu caminho é esse. E tudo foi muito rápido. O festival foi no dia 29 de agosto de 79. Fui para o teatro assistir. E não cantei. Uma moça, que até me perguntou: você quer cantar. E eu disse: não, não estou preparado para isso não.

Ele deixou o Acre em 1965, saindo de Sena Madureira para o Rio de Janeiro/Foto: Cedida

E quem cantou, afinal?

Sérgio Souto – César Costa Filho! Um cantor que vinha dos festivais universitários, com Ivan Lins, Gonzaguinha… Ele é parceiro do Aldir [Blanc, já falecido]. Ele também já morreu, está do outro lado. A Ned Helena, que era irmã do Nelson Ned e produtora do festival, disse: Sérgio, já que você não quer cantar eu posso indicar alguém? E eu disse: pode. E ela indicou o César Costa Filho, cuja obra eu já conhecia. E ganhamos o festival. Ele cantou muito bem e tirou em primeiro lugar. Ganhamos o festival. Dos grandes nomes da música que estavam naquele festival, eu posso dizer assim, era o Moacyr Luz, que tirou em quinto lugar.

E aí, o que aconteceu depois de ganhar o Festival?

Sérgio Souto – Bem, eu ganhei o Festival e depois gravei meu primeiro disco, em 1979 mesmo. No final daquele ano, estava com o disco pronto, com 12 músicas, todas minhas. Para lançar em 1980, inclusive aqui no Acre. 

Você tem ideia de quantas músicas já gravou e quais as que mais fizeram sucesso e as que não vingaram?

Sérgio Souto – Olha, eu gravei muita coisa. A medida do sucesso é algo que nunca consegui aquilatar. Acho que tenho umas 300 ou 400 músicas gravadas.

“Falsa Alegria foi a música que me colocou na estrada e é o carro chefe de qualquer show. Foi gravada pelo Nelson Gonçalves e por vários outros artistas”

Qual seria o seu maior sucesso? Seria Falsa Alegria?

Sérgio Souto – “Falsa Alegria” foi a música que me colocou na estrada. Ainda é o meu carro chefe em qualquer show.

Mas você tem sucessos como “Navegantes”, “Minha Aldeia”, “Albatroz”… Essas músicas então vieram depois de “Falsa Alegria”?

Sérgio Souto – Vieram logo, poucos anos depois. “Minha Aldeia” veio num disco… não, “Minha Aldeia” não veio em disco. Eu a inscrevi num Festival da Globo, outra vez com estúdios caseiros, em 1985. Mas antes aconteceram outras coisas, como a música “Navegantes”. Era um festival que tinha concorrendo Caetano Veloso, Macalé, Moreira da Silva, Zé Ramalho, Alceu Valença, Fagner, enfim, um timaço de grandes astros da Música Popular Brasileira (MPB), essa música ficou entre as 12 melhores.

“Navegantes” é uma música que é inspirada no rio Tejo, em Portugal. Como foi isso? Você pensava em Portugal, na velha Europa quando fez esta canção? 

Sérgio Souto – Esta é uma parceria minha com o Jota Maranhão. A letra é dele e a música é minha. O Jota Maranhão, pelo que sei, não tem nenhuma ligação com Portugal. O meu parceiro Amaral Maia era português, mas era também um carioca de essência. Amaral seria o Vinicius de Moraes da Tijuca.

Você teve parcerias também com o Aldir Blanc, que foi parceiro do João Bosco e é um dos grandes, está entre os maiores letristas da MPB. Como é que se deu isso?

Sérgio Souto – A história do Aldir é interessante. Eu sempre admirei o Aldir, que era um tijucano. Eu já morava na Tijuca e fui evado até ele por um parceiro meu e dele, chamado Paulo Emílio, que é um paulista à carioca – o paulista mais carioca que eu conheço. Escreveu com o Aldir uma canção chamada Nação [Sérgio Souto canta à capela, batucando na mesa]

Dorival Caymmi falou pra Oxum

Com Silas tô em boa companhia

O Céu abraça a Terra

Deságua o rio na Bahia…

Paulo Emílio é que me levou até ao Aldir. Era um domingo, de manhã. Paulo Eílio me disse: Sérgio, estou indo lá no Aldir. Quer ir lá comigo? Eu disse: vou, cara. Chegamos lá e fui muito bem recebido pelo Aldir, ele já tinha ouvido falar de mim. Havia uma mesa de sinuca na casa dele que tomava quase a sala toda, aquela coisa profissional. Ele já tinha produzido a grande obra dele, junto com o João Bosco, como “O Bêbado e Equilibrista”, “Dois pra lá Dois pra cá”, o “Mestre Sala dos Mares”… O Aldir era um cara assim aparentemente formal, mas tinha um coração gigante. Quando alguém me apresentou como compositor, ele foi logo dizendo: conheço, pô, estou sabendo da onda dele. Dez e meia da manhã, num domingo, e a gente já estava tomando cerveja. Ele, o Aldir, na sinuca e havia ali uma outra figura presente, um cara chamado Melo Menezes, um artista gráfico fantástico, que fez grandes capas de discos – as capas do Aldir e João Bosco, quase todas são do Melo Menezes. Ele se ofereceu para fazer uma capa minha, mas eu não deixei porque não gostei das fotos que ele fez. Eu não fiquei bonito [rindo, gargalhando…]. E acabei fazendo com um outro fotógrafo que era amigo deles também, o Sodré, Henrique Sodré, casado com uma irmã do Paulinho da Viola, parente do Rafael Rabelo, enfim, de uma família de artistas.

Rafael Rabelo era um violonista, não é?

Sérgio Souto – Sim, um grande violonista, que morreu cedo, muito jovem. Ele tocou comigo quando tinha 18 anos. Participou do meu primeiro disco e eu tenho o maior orgulho disso.

E na casa do Aldir Blanc surgiu o que?

Sérgio Souto – No primeiro momento, nada. Só cerveja, papo, muitas risadas. Na saída, peguei o telefone dele e disse: Aldir, estou com uma música aí. Posso te mandar? Ele disse: não manda só uma não; manda umas duas ou três. E assim eu fiz.

Você mandou quais?

Sérgio Souto – Mandei “Valsa Dividida”, que eu acho um clássico, “Senhor da Floresta”, em homenagem a Chico Mendes, “Máquina do Tempo” e mandei uma outra que não estou lembrando. Mandei quatro. Ele me mandou o resultado por fax. Mandei as músicas e ele escreveu as letras. Uma coisa perfeita. “Senhor da Floresta”, o texto que ele fez [recitando]: “Ninguém silencia o senhor da floresta; Seu verbo ainda vibra entre nós…”. É lindo isso. Mas essa música se perdeu e eu não me esforcei em procurá-la – na verdade já havia homenagem para o Chico Mendes, e o Aldir lamentava por isso. Ele me contou que viu uma foto de uma seringueira  tombada e o seringueiro tirando leite dela, já tombada. Ele escreve: o vivo sai do morto.

Qual de suas músicas fizeram sucesso tanto quanto “Falsa Alegria”?

Sérgio Souto – “Minha Aldeia” foi muito legal. Foi uma música que rodou o mundo. É uma homenagem ao Acre e ali eu dei uma viajada legal. Foi trilha sonora de novela da Rede Globo e, tocou em pelo menos 48 países do mundo, e em alguns deles repetidamente. A novela era “Sinhá Moça”, da Rede Globo, e a música foi tocada na Espanha, Portugal, Argentina, por onde a novela passou. Foi uma música que me deixou muito feliz.

Essa música é só sua?

Sérgio Souto – Não, foi feita com o Amaral Maia também. Eu trouxe o Amaral Maia aqui no Acre. Ele passou um mês comigo aqui, em 1982, antes de fazer “Minha Aldeia”. Ele viu o Acre de perto, fez amizades aqui, conheceu a nossa essência, viu o que é a floresta, o que era de fato a minha aldeia. O nome da música, aliás, foi eu que dei. “Minha Aldeia”.

A música “Falsa Alegria” foi gravada por quantos artistas? Muita gente consagrada gravou, como Nelson Gonçalves. Você lembra quem mais gravou sua música?

Sérgio Souto – Sei que gravou o Nelson Gonçalves e depois algumas bandas de samba. Gravaram em Pernambuco, um grupo de Manaus. Gravações de muita qualidade.

Essa música chegou ao exterior?

Sérgio Souto – Não, “Falsa Alegria” não. “Minha Aldeia”, sim. Me rendeu o pagamento de muito direito autoral do exterior.

“Depois eu soube que a Elba gravou a pedido do então marido dela, Maurício Mattar, que gostou muito da música. Quando do lançamento do disco dela, ela falou o seguinte: “Essa música aí eu já ouvia, cantava em casa e um dia meu marido disse: por que você não grava essa música, Elba? Você canta ela o dia inteiro aqui na cozinha, no banheiro… Deveria gravar”

Como foi que você teve acesso à Elba Ramalho ou ela a você para gravar e fazer tanto sucesso com a música Albatroz, aquela que diz que o autor, você, nem sabia o que era um albatroz…?      

Sérgio Souto – É, “Lembrando de Você”. Eu compus essa música com o Moacyr Luz. No caso, a música é minha e a letra dele. Nesse tempo, eu não fazia letra. Eu participava, mas não era o criador principal. A música pronta, ele disse: Sérgio, vamos mandar essa música para a Elba?

Eu respondi: tudo bem, mas eu não tenho o contato dela. Ele também não tinha e disse: mas a gente pode achar. Nisso, eu gravei uma versão minha, que já estava no meu segundo disco, mandei a gravação para a Elba, via editora da Som Livre. Penso que se eu fosse que tivesse mandado diretamente, ela nem teria ouvido. Mas como foi a Som Livre, ela ouviu com carinho e  gravou. E não foi só com ela. Foi com ela, Nelson Gonçalves, com o Jessé e tantos outros. Depois eu soube que a Elba gravou a pedido do então marido dela, Maurício Mattar, que gostou muito da música. Quando do lançamento do disco dela, ela falou o seguinte: “Essa música aí eu já ouvia, cantava em casa e um dia meu marido disse: por que você não grava essa música, Elba? Você canta ela o dia inteiro aqui na cozinha, no banheiro… Deveria gravar”. Aí ela resolveu gravar.

E como foi “Navegantes”, com o Jessé?

Sérgio Souto – Quase a mesma coisa. O Moacyr Luz que mandou. Mas eu tive contato com todos esses cantores. Com o Jessé, Nelson Gonçalves. A Elba eu conheci também no Festival dos Festivais. Ela foi jurada lá em Pernambuco e depois encontrei com ela  – aliás, quem encontrou foi a Socorro [a advogada Socorro, sua esposa] numa igreja. Quando ela falou meu nome, ela disse ‘manda um abraço para ele’, essas coisas.

Outra vez, ela foi fazer um show em Niterói e os meus sobrinhos (e sobrinhos lá eu tenho para mais de cem), aí, eles se reuniram na frente do palco e passaram a gritar pela música “Albatroz”, repetidas vezes. E ela, surpresa, disse que não sabia que aquela música era conhecida ali no Rio. “Essa música é do Sérgio Souto”, ela disse, e cantou. Cantou à capela, porque ela não tinha ensaiado aquela música com a banda. 

Sergio ao lado da esposa Socorro Rodrigues/Foto: Reprodução

E com o Nelson Gonçalves você teve contato?

Sérgio Souto – Sim, aqui em Rio Branco. No Barracão do Quinze. Ele veio cantar aqui e eu fui lá. Me apresentaram a ele e foi legal. O Nelson era uma figura. Eu conheci ele aqui em Rio Branco fazendo shows, quando eu era moleque.

Quantas músicas suas estão gravadas?

Sérgio Souto – Contando com as que gravei e com outros cantores, eu acho que umas 300.

E com tantas músicas gravadas, deu para ficar rico como artista?

Sérgio Souto – Não, infelizmente, não. Eu até teria como ficar rico, mas preferi não ficar, para continuar livre. Eu sou um sonhador e acho que sonhar também é uma forma de riqueza.

Você está de volta ao Acre. Desta vez é para ficar? Você veio para morrer na sua terra?.

Sérgio Souto –  Não, eu não quero morrer tão cedo. Mas estou aqui há oito anos, direto em Rio Branco.

Aqui você casou de novo com a bela Socorro. Quantas vezes você casou?

Sérgio Souto – Casei quatro vezes  Só tenho um filho. Fui econômico nessa questão.

“Eu só teria a dizer que tenho uma história, que não me arrependo de nada e que tenho muito orgulho do que fiz. Sem falsa modéstia, eu me acho um puta de um compositor, um cara que escreve fácil e legal. Escrevendo, sou meio ousado. Não faço rimas médias”.

Como é que você gostaria de ser lembrado quando partir para o outro lado, como você diz?

Sérgio Souto – O futuro, segundo diz um grande amigo meu, um pensador, é um lugar onde a gente e ninguém ainda não chegou. Não é bem isso que ele falou, mas é mais ou menos o seguinte: o futuro é um lugar que não existe. Eu só teria a dizer que tenho uma história, que não me arrependo de nada e que tenho muito orgulho do que fiz. Sem falsa modéstia, eu me acho um puta de um compositor, um cara que escreve fácil e legal. Escrevendo, sou meio ousado. Não faço rimas médias. Procuro fazer rimas ricas. Enfim, eu gosto do que escrevo porque sou contra as obviedades. 

O que te inspira afinal?

Sérgio Souto – Não tenho essa história de inspiração clássica. Meu dia é simples. Antes de chegar na frente do computador, faço meu café, chamo a Socorro para o café e depois já estou liberado para ficar na frente do meu notebook e pronto, as coisas saem.

Você já usou droga? Para compor você precisa de algm aditivo, como é comum entre outros compositores?

Sérgio Souto – Não, no máximo uma cervejinha. Eu gosto mais de um vinho.

Está vindo aí alguma novidade artística de sua parte?

Sérgio Souto – Eu tenho tantos projetos… Tenho um com um poeta gaúcho, chamado Carlos de Jaguarão. Nós estamos fazendo um trabalho juntos. Já gravei duas músicas nossas que serão lançadas em breve. Coisas belíssimas. Uma chamada de “Sabores e Essências”. Já estão gravadas. Falta só ir ao Rio de Janeiro, mixar e colocá-las no mundo.

Eu gosto desse poeta porque ele é um cara ousado, porque manda músicas para as rádios do mundo todo. Paralelo a isso, estou desenvolvendo um trabalho com um pianista erudito e popular, chamado Reinaldo Arias. O Reinaldo tem a minha idade e sentei com ele dizendo que queria fazer um disco com ele. Piano e voz. Ele disse que topa. Marcou estúdio. A única exigência dele é que seja um estúdio com piano acústico. A execução dele é uma coisa fantástica. O que posso garantir é que vem coisa boa por aí, para breve.

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