A brasileira que levou US$ 1 bi da Visa e está colocando bancos mundo afora na nuvem

Daniela Binatti, cofundadora da Pismo, conta como empresa está acelerando processo de expansão

Daniela Binatti chega sozinha ao estúdio do InvestNews vestindo calça jeans, camiseta branca, blazer e tênis. Uma diretora da Pismo, a empresa que Daniela fundou em 2016 junto com o marido, a irmã e um ex-chefe, já a esperava. Nada de ostentação, estrelismo ou assunto proibido. O cheque de US$ 1 bilhão que a Visa fez há menos de um ano para comprar a Pismo em nada mudou o jeitão pé no chão de Daniela, uma paulistana nascida na Zona Leste da capital que estudou em escolas públicas, fez faculdade com 80% de bolsa de estudos e que montou sua startup com quase 40 anos de idade.

“Todo mundo fala muito das histórias de sucesso, mas fala-se pouco do quão difícil é o processo e do que é preciso se submeter até chegar a esse ponto”, diz Daniela nessa entrevista exclusiva em vídeo ao InvestNews.

 Em pouco mais de meia hora, ela explicou o processo de criação da Pismo, a venda à empresa global de pagamentos Visa, o acelerado processo de expansão internacional e o selo de segurança que a empresa acabou recebendo, sem querer, quando o mundo viveu o apagão tecnológico provocado por um erro da firma de cibersegurança Crowdstrike. Mas também abordou as crises de pânico pelas quais passou, as decisões difíceis na pele de empreendedora – como quando o casal vendeu o único carro para pagar a escola das duas filhas –, preconceitos, inseguranças e desafios.

A Pismo não é super conhecida do brasileiro, embora esteja presente na vida de muitos deles.  Como diz Daniela, a empresa de tecnologia bancária e de pagamentos fica debaixo do capô. Quando alguém usa um cartão emitido por um banco que tem contrato com a Pismo, é a empresa que grava o cadastro do consumidor, registra o saldo, as transações, aprova a operação, monta o extrato e a fatura, por exemplo. Os bancos já faziam isso. O pulo do gato da empresa foi o de levar tudo isso para a nuvem, com sistemas modulares e integrações.

No Brasil, hoje, a Pismo tem como clientes o Itaú (primeiro grande banco a fechar contrato com a fintech), BTG, B3 e, depois de anunciado o acordo com a Visa, já fechou contratos com Stone, a fintech Cora e o banco BV. Importante: no país, ao aprovar o negócio com a Visa, em janeiro deste ano, o Cade (conselho de defesa econômica) deixou claro que por aqui a companhia não pode fazer negócios junto com a Visa – é a regra de neutralidade.

A empresa segue crescendo em terras brasileiras, mas está no exterior o maior vetor de expansão. A internacionalização começou no fim de 2021, quando foi instalado o escritório em Bristol, no Reino Unido, com apoio do governo britânico. O Citi anunciou no ano passado que usará a plataforma da empresa como seu core bancário em 70 países.

Na Índia, onde a Pismo também tem escritório, há importantes negociações em andamento, segundo apurou o InvestNews. O país é um dos principais casos mundiais de pagamentos em tempo real – quase 90% dos 1,4 bilhão de habitantes usam alguma forma de carteira digital. Há ainda conversas com grandes players na Europa e na Austrália.

Juliana, Daniela, Ricardo e Marcelo – os quatro fundadores da Pismo/ Foto: divulgação

“No processo de expansão internacional, ter uma empresa de meio trilhão de dólares como a Visa nos apoiando nas questões jurídicas, de contrato e na abertura de portas, facilita muito a nossa chegada em alguns mercados”, diz Daniela, sem revelar os nomes dos novos clientes.

Na internacionalização, as negociações mais difíceis são com os bancos tradicionais europeus e norte-americanos, em que os sistemas são complexos, com retalhos e legados. “Nos países menos desenvolvidos, a abertura a testar soluções novas é maior”, diz a cofundadora da Pismo, que diz ver o potencial transformador da inteligência artificial, mas alerta para o gap que ainda há na adoção de tecnologias modernas em instituições tradicionais. “Precisamos preparar a fundação para que o poder da inteligência artificial possa ser usado em soluções mais centrais.”

Vida pessoal

Daniela tem 47 anos e é a mais velha de três irmãs. Os pais vieram da roça. Ela fez faculdade no Mackenzie com 80% de bolsa e trabalhou por 16 anos na antiga Conductor, empresa de processamento de pagamentos. Seu marido, Marcelo Parise, também trabalhou lá, assim como a irmã do meio, Juliana Binatti Motta, e o ex-chefe, Ricardo Josuá – o quarteto se uniu para fundar a Pismo.

Os quatro têm características e habilidades complementares. Daniela é estudiosa, entende muito de arquitetura e estratégia. Marcelo é bom de engenharia, Juliana, de produto, e Ricardo é o professor que sabe os detalhes dos sistemas de pagamento.

Com duas filhas, Júlia e Lívia, hoje com 16 e 14 anos, Daniela deixou a Conductor em 2014 porque estava difícil conciliar a vida de executiva, com responsabilidades sete dias por semana, e a criação das meninas. A ideia era trabalhar com consultoria e ter um pouco mais de flexibilidade. Mas ela foi estudar e acabou vislumbrando o potencial de uma solução de pagamentos na nuvem.

Pouco antes de deixar a Conductor, ela também havia passado por uma fase difícil, com crises de pânico. Em 2011, depois de sair nervosa de uma reunião, teve falta de ar e taquicardia e associou os sintomas a uma certa ansiedade. No hospital descobriu que estava com embolia pulmonar e chegou a ficar na UTI. A partir daí, sempre que sentia algo, não sabia se era ansiedade ou não e passou a ter as crises.

Daniela com as filhas Livia e Júlia em Pismo Beach, cidade na Costa da Califórnia que deu origem ao nome da empresa

“Foi minha fase mais difícil. Às vezes eu ia para o hospital de madrugada, ficava tomando calmante até 6h e às 9h tinha que estar impecável, no salto, como se nada tivesse acontecido”, afirma Daniela. Ela diz que conversar com outras pessoas que tinham passado por aquilo e ver histórias de superação ou de como as pessoas lidaram com o assunto a ajudou no processo. Por isso, fez questão de que o tema fosse tratado abertamente na Pismo.

Os aprendizados são passados também para as filhas. Elas são ensinadas a não desistir nos momentos difíceis, mas também a não se deslumbrarem nos momentos bons. “Tudo passa.”

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