Nesta terça-feira, 6 de agosto, no dia em que o Acre celebra mais um dos 122 anos do início da luta desencadeada pelo gaúcho José Plácido de Castro e seu exército de seringueiros para, enfim, tornar o território parte do solo brasileiro, com trajetória de conquistas, evolução e progresso, não seria por demais lembrar que a luta de trabalho de muitos, principalmente dos que perderam a vida em combate, teve, antes, o trabalho isolado de homens que lutavam a seu modo, com suas ideias de que o Acre era de fato parte do Brasil.
Igual ao espanhol Luiz Galvez, que sonhou transformar o território reivindicado pela Bolívia, fundando uma República ou em um Estado independente no meio da floresta amazônica, às margens do Rio Acre, na mesma data de 14 de julho em que se comprovava o primeiro centenário da queda da Bastilha, pela Revolução Francesa, em Paris, um personagem brasileiro, Rui Barbosa de Oliveira, sem jamais pôr os pés naquelas florestas, teve participação rotunda para que aquele território em disputa se tornasse de fato parte da história nacional.
Barbosa nasceu em Salvador em 5 de novembro de 1849 e morreu em Petrópolis, no Rio de Janeiro, 1 de março de 1923, deixando uma vasta obra como político, jurista, advogado, diplomata, escritor, filólogo, jornalista, tradutor e orador – enfim, como um dos intelectuais mais conhecidos do seu tempo, foi um importante aliado da causa do Acre.
Designado por Deodoro da Fonseca como representante do nascente governo republicano, tornou-se uma de seus principais organizadores, além de coautor da constituição da Primeira República, juntamente com Prudente de Moraes. Rui Barbosa atuou na defesa do federalismo, do abolicionismo e na promoção dos direitos e garantias individuais. Primeiro ministro da Fazenda do regime instaurado em novembro de 1889, chamado de República da Espada, teve sua breve e discutida gestão marcada pelo encilhamento, grave crise econômica provocada pelo aumento indiscriminado da emissão de papel-moeda.
Ainda como ministro de Deodoro, mandou destruir parte importante dos registros documentais de propriedade de escravos, evitando assim que os antigos proprietários fossem ressarcidos. Foi também deputado e senador, tornando-se um opositor ferrenho do comunismo, que classificava como “a invasão do ódio entre as classes” e uma ameaça à liberdade cristã, assim como da vacinação obrigatória, classificando as vacinas como possíveis condutoras “da moléstia, ou da morte”.
Rui Barbosa foi ainda o criador da primeira bandeira da República do Brasil republicano, inspirada na bandeira dos Estados Unidos, que foi adotada pelo governo provisório por quatro dias, sendo substituída pela atual flâmula brasileira. Notável orador e estudioso da língua portuguesa, foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras (1897), ocupando a cadeira n.º 10, e seu presidente entre 1908 e 1919. Como delegado do Brasil na II Conferência da Paz, em Haia (Holanda, 1907), notabilizou-se pela defesa do princípio da igualdade dos Estados. Por sua atuação nessa conferência, recebeu do Barão do Rio Branco o epíteto de “O Águia de Haia”. Teve papel decisivo na entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial. Já no final de sua vida, foi indicado para ser juiz do Tribunal Mundial, um cargo de enorme prestígio, que recusou.
Foi candidato à Presidência da República, na chamada “campanha civilista”, contra o militar Hermes da Fonseca. Apesar de ser considerado um ícone do republicanismo brasileiro, Rui Barbosa se desencantou com o sistema político que ajudou a implementar, realizando vários comentários antirrepublicanos em seus últimos anos de vida. Pouco famosas, suas críticas foram novamente trazidas à tona por movimentos monarquistas brasileiros no início do século XXI (embora Rui Barbosa não tenha se tornado monarquista em vida).
Mas foi, primeiro, como jornalista e depois como senador da República recém-instalada que Ruy Barbosa foi um ardoroso defensor do Acre como parte do território brasileiro. Como jornalista ele entendia que o Acre fazia parte do Estado do Amazonas e isso era pacífico.
Rui Barbosa atuou através do jornal A Imprensa (1899-1901) em favor dos direitos do Brasil sobre a região. Em sua reflexão e ação, Rui expressou uma expectativa, existente na sociedade brasileira, a respeito de como deveria se processar a política externa do país: resguardando o interesse nacional, que englobava, prioritariamente, a salvaguarda da soberania e do elemento gerador de maior identidade no nacionalismo brasileiro, o caráter monumental de seu território.
À solução dada por Barão do Rio Branco à questão do Acre, em 1903, através do Tratado de Petrópolis, portanto, antecedeu um amplo debate público sobre um tema de política externa, a questão do Acre, que o Barão teve que considerar no processo de decisão política.
Há historiadores que defendem a ideia de que o interesse pelos defensores da recém-instalada República brasileira em relação ao Acre não era por patriotismo e sim por interesses econômicos, já que, na época, era daqui que saia o principal produto da pauta de exportação do Brasil, a borracha natural. O Acre já conhecido internacionalmente pela sua significativa produção para o suprimento mundial do produto desde o final do século 19 ao início do século 20. Seria, portanto, o interesse econômico que deu à batalha pela posse do território ainda mais destaque para a região naquela época. A batalha deu-se entre 6 de agosto de 1902 e 24 de janeiro de 1903 e o movimento teve como principal marca a disputa pelo controle dos negócios relacionados à borracha.
A data de 6 de agosto era para a Bolívia, desde 1825, o que o 7 de setembro representou para o Brasil, como data de independência do país que era de domínio espanhol. Alguns historiadores defendem que a data em que deveria começar a batalha era o dia 14 de julho de 1902, numa clara evocação à esma data da fundação do Estado imaginando por Luiz Gavez. Isso não aconteceu porque as armas encomendas em Manaus para o início da guerra não chegaram a tempo do início do movimento no prazo imaginado. A revolução terminou em 1903, com a assinatura do Tratado de Petrópolis, que anexou de vez o Acre ao Brasil.
Não muito diferente dos dias atuais, na época, charges e crônicas de revista humorística do Mário, no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, representavam essa questão negativa sobre o que seria o futuro mais novo estado brasileiro. Rui Barbosa era alvo de críticas duras por defender o interesse do Brasil em relação à região.
Em uma delas, intitulada a Bota do Acre, Barão do Rio Branco, diplomata que negociava o acordo entre Brasil e Bolívia, aparece acometido de calos que lhes machucavam os pés. A ilustração sugere que ao descalçar as botas, o problema seria resolvido. Outra mostra o mesmo Barão do Rio Branco enviando uma bomba, que é o Acre, para ser debatida e votada pelos deputados brasileiros. O Acre seria uma bomba, segundo ilustrações de outra ilustração disponível hoje no Acervo das Charges: Fundação Casa de Rui Barbosa.