O Dia do Psicólogo comemora a regulamentação da Psicologia como profissão e ciência no Brasil, em 27 de agosto de 1962, pela Lei 4.119/1962. O dia foi oficialmente institucionalizado em 2016 e prestigia a atuação de mais de 440 mil psicólogos e psicólogas brasileiros. Nesta terça-feira (27), o ContilNet entrevista uma dessas profissionais, Ofélia Contreiras.
Ofélia ganhou projeção nacional depois da pandemia pela maneira traumática como a psicologia entrou em sua vida:
“Eu já tinha perdido um filho. Ele se envolveu em uma confusão, uma briga de trânsito, na qual o rapaz atirou na cabeça dele. A partir daí, o meu outro filho entrou em depressão. Só que, até então, eu não tinha noção do que era depressão, pois eu era apenas uma dona de casa”, inicia a entrevista.
A psicóloga revela como foram três anos muito difíceis na sua vida vida, em que deixou de dormir à noite para dormir durante o dia, para poder cuidar do seu filho. Até mais uma tragédia acontecer em sua vida:
“Só que, como eu não tinha condições financeiras, não tinha dinheiro para pagar um psicólogo e fazer um tratamento psicológico para o meu filho. Em 2015, meu filho Lucas cometeu suicídio, e a partir dali, quando vi o corpo do meu filho sem vida, eu fiz uma promessa”, conta Ofélia.
Os daos mostram que, em 2022, 920 pessoas tentaram suicídio no Acre, segundo o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. A média ultrapassa dois casos por dia, representando um aumento de 7,6% em relação ao ano anterior, quando 855 tentativas foram registradas.
A promessa seria estudar psicologia para ajudar outras mães e jovens a nunca passar por isso. Ofélia entrou na faculdade e passou por muitas dificuldades, porém, a promessa sempre a fez ter forças para continuar. Com acolhimento dos amigos e terapia, ela garante que se tornou mais resiliente. “Eu precisava continuar”, afirma.
SAIBA MAIS: “Eu sobrevivi”, diz mãe que perdeu um filho por suicídio e outro por assassinato no Acre
Mudanças e carreira profissional
A entrevistada relembra que, assim que conseguiu o diploma, “olhou para o lado e para o outro” e não encontrou emprego no seu estado. Depois de completar 40 anos, ela já era tratada como alguém que estava fora do mercado, segundo o que diz. Contudo, mesmo insegura, ela se mudou para São Paulo, onde começou a atender de forma remota:
“Em algumas postagens que eu fazia no UOL, uma repórter do UOL entrou em contato comigo para fazer uma entrevista sobre o Setembro Amarelo. Foi a partir daí que a minha vida mudou. Após essa reportagem, as pessoas começaram a me procurar para atendimento online, e depois vieram outras lutas, outras reportagens e entrevistas. Assim, fui ficando muito conhecida”, revela.
Hoje, após buscar mais conhecimento e se profissionalizar a cada vez, ela atende pessoas de todo o Brasil e até de fora do país.
“Atendo a partir de 11 anos. Eu estudei para isso, e, como algumas pessoas dizem: “Ah, mas eu não atendo adolescentes”, ou “Outros psicólogos não atendem idosos”. Não, eu estudei para atender pessoas, e essa foi a minha promessa”, diz a entrevistada.
Ofélia conhece quase o país inteiro e é palestrante em diversos eventos e congressos – inclusive, neste momento está a caminho de um simpósio de suicidologia em Pernambuco. Equilibrando a carreira nas redes sociais e os atendimentos terapêuticos, ela conta como a partir de sua maior dor, conquistou uma nova vida:
“Foi, como a gente diz, uma realização pessoal cumprir todas as promessas que fiz para os meus filhos. Hoje, continuo fazendo o que prometi, mas com muito amor, carinho, dedicação e estudo. Sempre digo que cheguei aqui crua, mas, graças aos meus pacientes, que me deram acolhimento, hoje sou, como costumo dizer, profissionalmente realizada como psicóloga”, conta Ofélia relembrando sua promessa e refletindo seu momento atual da carreira.
Inspiração e sonhos
Em 2022, quase 600 mil calouros com 40 anos ou mais ingressaram em alguma universidade no Brasil. Atualmente, os estudantes do ensino superior com mais de 40 anos no Brasil já representam 13,4% de todos os universitários do país (cerca de 1,2 milhão de pessoas). Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), vinculado ao Ministério da Educação (MEC).
VEJA TAMBÉM: “Era o começo de uma nova vida”, afirma mãe que cursa psicologia após suicídio do filho
Ofélia faz parte desse movimento, que ela define como “uma reconstrução”:
“Não foi um processo tranquilo, sabe? Quando você está sendo reconstruída… Sim, eu fui completamente quebrada. Aquela Ofélia, essa dona de casa de quem você está falando, morreu no dia em que meu último filho faleceu. Quando meu filho partiu, aquela Ofélia desapareceu e nunca mais voltou. Então, fui me reconstruindo e me tornando uma nova Ofélia a cada vez”, declara.
A psicóloga fala que foi um processo doloroso, mas hoje se sente feliz. Mesmo enfrentando julgamentos e o etarismo durante seu processo de formação e atuação profissional. Porém, ela ainda tem um grande sonho: montar uma clínica em seu estado, no Acre. No fim, da entrevista, ela deixa uma mensagem para todas as mulheres:
“Quero dizer a elas que, apesar das nossas dores, das nossas perdas, sim, nós podemos continuar. Nós podemos estudar, mudar nossas vidas, ser o que quisermos. Apesar das dificuldades e das dores que vivi, sinto muita saudade dos meus filhos, mas tomei uma decisão: a vida me deu uma escolha entre viver ou morrer, e eu escolhi viver”, diz.
Ofélia fala como gostaria que sua história inspirasse outras mulheres a sair do lugar de sofrimento e buscar seu próprio espaço. Afinal, como ela disse, ela continuou, ela viveu, por ela, mas principalmente pelo outro, ela fez “uma promessa, precisava abrir portas” e conseguiu.