O Centro de Investigação e Prevenção de Acidente Aeronáuticos (Cenipa) atualizou, na tarde desta quinta-feira (15/8), o documento referente à investigação da queda do avião da VoePass em Vinhedo, no interior de São Paulo, na última sexta-feira (9/8). Uma nova informação diz que a tripulação perdeu o controle da aeronave.
“Durante o voo em rota, a tripulação perdeu o controle da aeronave”, diz o documento.
Em publicação anterior, o orgão investigativo dizia que “a aeronave perdeu altura subitamente e colidiu contra o solo’.
O Cenipa é um órgão central do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer), autoridade brasileira responsável pela condução de investigações de ocorrências aeronáuticas, e pertence à Força Aérea Brasileira (FAB). O centro realizou a chamada “ação inicial” ao longo do último fim de semana.
A ação inicial ocorre quando as primeiras informações que podem justificar o motivo da queda são recolhidas. No domingo (11/8), as autoridades conseguiram recuperar os dados das caixas-pretas do avião.
Possíveis fatores de queda
O Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), da Universidade Federal do Alagoas (Ufal), identificou três possíveis cenários meteorológicos que podem ter contribuído para a queda do avião: turbulência, formação de gelo e ciclone extratropical e fumaça de queimadas.
Ainda segundo conclusão do laboratório, a aeronave enfrentou uma zona meteorológica altamente crítica por nove minutos, pouco antes da queda.
Entre 13h10 e 13h19, a aeronave reduziu a velocidade e atravessou nuvens supercongeladas de até -40°, de acordo com o fundador do Lapis, Humberto Barbosa. Ele definiu as condições meteorológicas como “caóticas”.
Turbulência e água supercongelada
Imagens de satélite mostram que a aeronave enfrentou um sistema frontal de turbulência formado por nuvens do tipo Cirrocumulus. Esse tipo de nuvem se forma em decorrência de muita umidade, nos altos níveis da atmosfera.
Em razão da turbulência muito severa, a primeira grande oscilação da aeronave ocorreu às 12h52, quando a velocidade foi reduzida bruscamente de 529 km/h para 398 km/h (como consta na segunda imagem).
Em outro momento, às 13h06, já próximo de ocorrer a queda, o avião saiu rapidamente da velocidade de 604 km/h para 491 km/h. A partir daí, começou a perder velocidade. O último dado registrado ocorreu às 13h22, com o avião a uma velocidade de 63 km/h e altitude de 1.798 metros.
Segundo Humberto Barbosa, havia condições atípicas de congelamento em razão de alta umidade, formada por gotículas líquidas supercongeladas, a partir de 6 a 7 mil metros de altitude. A aeronave trafegava em torno de 5,1 mil metros.
“Havia um sistema frontal, com muita umidade e turbulência, frio extremo e água supercongelada. Essa situação é capaz de levar a aeronave a entrar em condições de formação de gelo”, explica Humberto.
Formação de gelo
A primeira imagem (veja abaixo) de satélite mostra a altura do ponto de congelamento na atmosfera. A água supercongelada estava com temperatura em torno de -55°C (abaixo do ponto de congelamento).
A água, nessa condição líquida e muito congelada, em razão das temperaturas extremamente baixas, possivelmente teve maior aderência à aeronave e se tornou gelo, de acordo com o Lapis. Isso pode ter afetado a aerodinâmica do avião.
“À medida que se aproximava do destino, a aeronave enfrentou muitas perturbações e variações na composição das nuvens complexas. Áreas com formação de gelo, nuvens mais altas e nuvens mais baixas. Houve uma grande variação nas temperaturas e nas condições de pressão”, analisa o meteorologista.
Na área em vermelho da segunda imagem (veja acima), havia água supercongelada, gotículas de gelo ou cristais de gelo. No ponto destacado, a temperatura estava em cerca de -38ºC.
A história da aviação e dos acidentes aéreos mostra que a formação de gelo pode causar danos ao motor e a outros dispositivos cruciais da aeronave, devido ao processo de resfriamento.
Também há casos em que essa condição afeta negativamente a capacidade de detecção de pressão do ar dos tubos de Pitot, usados para medir a velocidade do ar. Existe ainda a possibilidade de alguns sensores terem sido alterados pelo gelo, apresentando, por exemplo, dados de velocidade divergente da real e confundindo os pilotos.
Ciclone extratropical e fumaça de queimadas
Um ciclone extratropical que se formou sobre o Uruguai e o Rio Grande do Sul na manhã da sexta-feira (9/8) fez com que mais umidade fosse injetada, na retaguarda, sobre a região do acidente.
Segundo Humberto Barbosa, isso tornou a condição meteorológica ainda mais caótica, como pode ser observado em imagem do satélite GOES, processada pelo laboratório.
A imagem mostra nuvens sobre o nordeste de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, estendendo-se para o oceano Atlântico. Em amarelo e ciano, está identificado o ciclone extratropical. Essas nuvens estão associadas ao deslocamento de uma frente fria, uma massa de ar frio e seco, de origem polar, que fez as temperaturas declinarem.
Além dessas perturbações, o avião ainda atravessou ventos muito intensos, com velocidade em torno de 53 km/h, vindos da Amazônia. Esses ventos eram adversos, pois empurravam a aeronave. É possível verificar na segunda imagem, do satélite GOES-16, que as barbatanas na cor roxa representam esses ventos fortes, no interior de São Paulo, classificados com alta pressão.
Já a fumaça das queimadas trazida para o Sudeste, pelo ar seco da Amazônia, ficou nos altos níveis da atmosfera, em forma de aerossóis. Segundo o laboratório, isso tornou a água ainda mais fria e líquida, transformando-a em gelo e possivelmente deixando a aeronave mais pesada.
Embora tenham reduzido a intensidade da chuva, esses aerossóis fizeram cair ainda mais a temperatura da água, que se transformava em gelo. Dessa forma, mesmo sendo uma frente fria de inverno, houve muita convecção, que são nuvens verticais, que poderiam já conter gelo.
O relatório técnico preliminar da FAB sobre a causa do acidente aéreo deve ficar pronto em 30 dias.